quinta-feira, 10 de março de 2011

DILEMAS MORAIS


Dilemas morais: o que faria?
Tente responder a 5 famosos dilemas morais.
Texto Fabio Marton
No livro A Escolha de Sofia, de William Styron, uma prisioneira polaca em Auschwitz recebe um “presente” dos nazis: pode escolher, entre o filho e a filha, qual será executado e qual deverá ser poupado. Escolhe salvar o menino, que é mais forte e tem mais probabilidades de resistir aos rigores do campo de concentração, mas nunca mais tem notícias dele. Anos depois, atormentada com a decisão, Sofia suicida -se.
Dilemas morais, como a escolha de Sofia, são situações nas quais nenhuma solução é satisfatória. São encruzilhadas que desafiam quem tenta criar regras para decidir o que é certo e o que é errado, de juristas a filósofos.
Cada vez que um filósofo cria uma teoria ética, procura algo que responda a todas as situações possíveis. O filósofo inglês John Locke (1632-1704), por exemplo, definiu o bem como não-agressão, segundo a ideia de que “ a minha liberdade começa onde termina a do outro”.
Os dilemas morais suscitam agora o interesse dos cientistas. E, para alguns deles, talvez os filósofos tenham trabalhado em vão. É que, de acordo com as novas pesquisas, raramente usamos a razão para decidir se devemos tomar uma atitude ou não. Analisando o cérebro de pessoas enquanto pensavam sobre dilemas morais, os investigadores perceberam que muitas vezes decidimos por facilidade, empatia ou mesmo nojo de alguma atitude. Duvida? Faça o teste, respondendo a 5 dilemas morais clássicos.
O vagão descontrolado
Um carro eléctrico vai atingir 5 pessoas que trabalham desprevenidas sobre a linha. Tem a possibilidade de evitar a tragédia accionando uma alavanca que desviará o carro eléctrico para a outra linha. Aí atingirá apenas uma pessoa. Mudaria o trajecto, salvando as cinco e matando uma?
A - Mudaria
B - Não mudaria
Esse dilema moral foi apresentado a voluntários pelo filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard. “É aceitável mudar o trem e salvar 5 pessoas às custas de uma? A maioria das pessoas diz que sim”, afirma Greene num dos seus artigos. De facto, numa pesquisa feita pela revista Time, 97% dos leitores salvariam os 5. Fazer isso significa agir conforme o utilitarismo – a doutrina criada pelo filósofo inglês John Stuart Mill, no século 19. Para ele, a moral está na consequência: a atitude mais correcta é a que resulta na maior felicidade para o máximo de pessoas. Mas há um problema. A ética de escolher o mal menor tem um lado perigoso – basta multiplicá-la por 1 milhão. Mataria 1 milhão de pessoas para salvar 5 milhões? Uma decisão assim sustentou regimes totalitários no século XX que desgraçaram, em nome da maioria, uma minoria tão inocente quanto o homem sozinho na outra linha. Além disso, o acto de matar 1 para salvar 5 é o oposto do espírito dos direitos humanos, segundo o qual cada vida tem um valor inestimável em si.
O carro eléctrico descontrolado (2)
Imagine a mesma situação anterior: um carro eléctrico desgovernado irá atingir 5 trabalhadores desprevenidos. Agora, porém, há uma linha só. O carro eléctrico pode ser parado por algum objecto pesado que for colocado no seu caminho. Um homem muito pesado  com uma mochila muito grande está numa ponte por cima da linha. Se o empurrar para a linha, o carro eléctrico parará ou abrandará , salvando as 5 pessoas, mas liquidando uma. Empurraria o homem da mochila para a linha?






A - Empurraria
B - Não empurraria
Segundo uma análise puramente lógica, este dilema não é diferente do anterior. AO problema central permanece: trocar 1 indivíduo por 5. Apesar disso, a maioria das pessoas (75% nos estudos de Joshua Greene, 60% no teste da Time) não empurraria o homem. A equipe de Greene descobriu que, enquanto usamos áreas cerebrais relacionadas com a  “alta cognição”, isto é, o pensamento profundo, para resolver o dilema anterior, este aqui provoca reacções emocionais, mesmo nos que empurrariam o homem para os trilhos. Uma versão mais bizarra desse dilema propõe uma catapulta para jogar o homem pesado nos trilhos – e, surpresa, a maioria das pessoas continua a escolher matar 1 para salvar 5. Conclusão: estamos dispostos a matar com máquinas, mas não mataríamos com as mãos.
Para Greene, a diferença nas respostas aos dois dilemas pode ser explicada pela selecção natural. Durante milhares de anos da sua evolução, os seres humanos que matavam outros friamente atraíam violência para si próprios: eram logo mortos pelo grupo, gerando menos descendentes. Já aqueles que conseguiam controlar a sua agressividade, conquistavam amigos e protecção, transmitindo os seus genes. Assim, ao longo de milénios, criámos instintos sociais que nos inibem e refreiam na hora de matar alguém.
Acontece que, durante grande parte da nossa evolução, vivemos em cavernas e com lanças na mão, e não utilizando máquinas, botões ou alavancas. Isso faz com que os nossos instintos sociais não relacionem o acto de apertar um botão ou puxar uma alavanca com o de atirar alguém para uma morte certa. É por esse motivo que, para Joshua Greene, tanta gente mudaria a alavanca na situação anterior, mas não executaria o homem neste segundo dilema. “Os instintos sociais são o reflexo do ambiente nos quais evoluíram, não do ambiente moderno”, afirma o cientista.
Greene dá outro exemplo. Achamos absurdo não prestar socorro a alguém que sofreu um acidente na estrada, mas esquecemo – nos muito facilmente de que milhares pessoas morrem de fome na África. Para Greene, a razão de ser dessa disparidade também está nos instintos. “Os nossos antepassados não evoluíram num ambiente em que poderiam salvar vidas do outro lado do mundo. Tendo em conta a forma como o nosso cérebro está formado, as pessoas próximas activam o nosso botão emocional, ao passo que as distantes desaparecem da nossa mente.”
Para Greene, a diferença de atitudes mostra que os filósofos que lidam com a moral devem levar mais em conta a natureza do homem – não para agirmos conforme a natureza, mas para superá-la. Tendo consciência de que os nossos instintos nos tornam capazes de matar friamente por meio de uma alavanca ou de ignorar genocídios distantes, aumenta o poder para decidir o que é ou não correcto.
Totem e tabu
No seu país, a tortura de prisioneiros de guerra é proibida. Você é tenente do Exército e recebe um prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês morrerão às 21h35”. Suspeita-se que ele sabe de um ataque terrorista a um bar. Para saber mais e salvar civis, você o torturaria?
A - Torturaria
B - Não torturaria
Recentemente, Israel e os EUA foram duramente criticados pela prática de tortura de terroristas árabes em prisões e pelas tentativas de legalizá-la sob a forma de “pressão psicológica” ou “pressão física moderada”. Em sua defesa, os referidos países usaram dilemas como esse. Se achar que o correcto é torturar o prisioneiro, vai legitimar prisões sangrentas. Por outro lado, caso se recusasse a torturá-lo, poderá deixar inocentes morrer.
Esta situação parece semelhante às anteriores. Segundo a lógica, trata-se de salvar o maior número de vidas. Mas por que razão é tão difícil tomar a decisão de torturar o prisioneiro? Além do instinto básico de não-agressão apontado pelo cientista Joshua Greene, somos determinados por outra emoção primitiva: o nojo. “Acreditamos que a aversão moral é mesmo nojo, e não uma simples metáfora”, diz o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia. Numa das suas pesquisas, Haidt mostrou vídeos de neonazis aos seus voluntários, monitorizando a sua actividade cerebral. Concluiu que sentiam nojo, e não uma reprovação racional. É por isso que, em casos que provocam asco, como a tortura, costumamos agir segundo princípios morais absolutos: as regras não devem ser transgredidas nem para salvar inocentes.
Os limites da promessa
Um amigo pretende contar - lhe um segredo e pede – lhe que prometa não contar a ninguém. Dá a sua palavra. Seguidamente, o seu amigo conta - lhe que atropelou um peão e que, tendo fugido, se vai refugiar na casa de uma prima. Quando a polícia o procura querendo saber do seu amigo, o que deve fazer?
A - Contar à polícia
B - Não contar à polícia
O antropólogo holandês Fonz Trompenaars realizou pesquisas em diversos países sobre dilemas como este. O mais interessante é que as respostas variaram de acordo com a nacionalidade. A maioria dos russos acusaria o amigo tranquilamente. Outros mentiriam para protegê-lo, dando indicações ambíguas à polícia, como os americanos. Os brasileiros, por sua vez, inventariam histórias muito pouco credíveis para dizer que a culpa não era do amigo, mas do peão, que era um suicida.
Os gregos antigos tinham consciência de que cada cultura tem noções diferentes sobre o que é certo ou errado: diziam que havia tantas morais quanto os povos no mundo. A princípio, saber que a moral muda de acordo com a cultura é importante para não julgarmos os costumes de um povo como se fossem os nossos. Foi o que propôs o antropólogo Franz Boas (1858-1942), considerado o pai do relativismo cultural – a ideia de que nenhuma cultura é melhor do que outra. Mas, quando duas culturas diferentes colidem, surgem dilemas morais ainda mais difíceis – como o seguinte.
Choque cultural
É funcionário da Funai, uma Organização não - Governamental e trabalha na Amazónia. Tem ordens expressas de respeitar os costumes e hábitos da cultura indígena. Ao passear perto de uma clareira, nota que ianomâmis estão a envenenar o bebé de uma índia, que está aos prantos. Impediria a morte do bebé?
A - Impediria
B - Não impediria
No começo de Abril, a Folha de S.Paulo contou a história do índio Mayutá, de 2 anos, que nasceu de uma gravidez de gémeos. Como os índios camaiurás acreditam que os gémeos são uma maldição, Mayutá deveria ser envenenado. O seu irmão gémeo já fora assassinado quando o pai interveio. Com ajuda da ONG Atini, que tenta acabar com o infanticídio entre os índios brasileiros, o pai retirou a criança da tribo.
A ONG foi formada pelos pais adoptivos da ianomâmi Hakani, que viveu um caso parecido em 1995. Hakani nasceu com hipotiroidismo. Os seus pais receberam do conselho da tribo a ordem de envenená-la. Em vez disso, decidiram sacrificar – se: tomaram o veneno em vez da filha. O irmão e o avô foram encarregados de levar a a cabo a tarefa mas não conseguiram – o avô também se suicidou. Hakani, abandonada, faminta e quase morta, foi adoptada por um casal de funcionários da Funai. Um antropólogo do ministério público tentou impedir a adopção, dizendo que era uma agressão à cultura ianomâmi. O que vale mais: a vida humana ou o respeito pelas tradições de um povo? Se considera correcto é deixar que os padrões culturais triunfem, é um relativista cultural. Se considera que o valor da vida é superior não é um relativista moral cultural.
Talvez a solução do dilema esteja na hesitação dos pais. Esta mostra que o infanticídio não é consensual entre os índios. Ou seja, o terror emocional perante a eventualidade de matar o próprio filho existe mesmo em culturas que admitem matar as suas crianças. Tal facto, vai ao encontro da tese do psicólogo evolutivo Steven Pinker: assim como qualquer língua do mundo estabelece a diferença entre verbo e objecto, a moral também no domínio da moral há regras universais, que cada cultura trata, contudo, de forma diferente. Segundo a teoria da “gramática universal”, de Noam Chomski, temos uma capacidade inata para falar. A prova disso está nas semelhanças de sintaxe entre todas as línguas do mundo. Num artigo para o jornal New York Times, Pinker parodiou a tese de Chomski: “Nascemos com uma gramática moral que nos permite analisar as acções humanas mesmo que com pouca consciência disso”. Mas, como mostram os dilemas morais, nem sempre é fácil fazer essa análise.
Revista SuperInteressante
Edição 253
Junho de 2008

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