sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O PROBLEMA DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL



O PROBLEMA DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL
Devo obedecer sempre às leis do Estado? É legítima a liberdade de desobedecer às leis do Estado?

Mohandas Gandhi, mais conhecido por Mahatma Gandhi, foi o fundador do moderno Estado Indiano e conseguiu a independência da Índia face ao Império britânico em 1947. O que mais surpreendeu os seus contemporâneos foi a forma como atingiu esse objectivo. Indignado com a discriminação de que os seus compatriotas eram alvo, Ghandi decidiu lutar contra o domínio britânico adop- tando o método da desobediência civil não – violenta, também conhecido por resistência pacífica (apesar de reconhecer que a guerra é por vezes a única solução possível e de ter participado em algumas). A luta pela independência foi longa e o próprio Ghandi foi preso várias vezes pelo governo britânico, passando um total de sete anos na prisão. Contudo, a organização de gigantescos movimentos de resistência pacífica acabou por desmoralizar os britânicos e, em 1947, foi declarada a independência da Índia. Tão extraordinário foi o seu feito que Albert Einstein afirmou: «As gerações por vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra».
Influenciado pela espiritualidade hindu e pelos escritos do filósofo americano Henri David Thoreau que advogava a resistência a leis injustas, Ghandi pensou que a melhor forma de protesto moral era a recusa em cooperar com leis e medidas injustas do governo britânico. Em certas ocasiões a resistência consistia na ocupação pacífica de propriedades do governo: os manifestantes sentavam-se e, não oferecendo resistência violenta, também não obedeciam às ordens da polícia e do exército. Por outro lado, ficou célebre a organização de uma marcha de 200.000 pessoas em direcção ao mar para colher sal, desafiando o monopólio da sua exploração por parte dos representantes do Império Britânico. Considerando que era honroso ser preso por uma justa causa e adoptando um método de deso- bediência que a pouco e pouco minava a força moral do adversário, Ghandi inspi- rou várias formas de protesto a favor da mudança social. Muitas pessoas que protestam contra as guerras, a degradação do ambiente, os direitos humanos e dos animais utilizam frequentemente métodos semelhantes.
A referência à figura de Ghandi ajudar-nos-á a compreender, apesar das características específicas da sua luta, alguns aspectos importantes do que se entende por desobediência civil.
As acções organizadas por Ghandi foram ilegais? Sim. Na verdade, desobedeceu a ordens das autoridades políticas, violando leis estabelecidas.
Mas, como as acções criminosas também são ilegais, é correcto dizer que Ghandi se comportou como um criminoso? A desobediência praticada e organiza- da por Ghandi teve a forma de um protesto moral destinado a mudar a lei e o comportamento do governo (ressalvando que no caso específico se tratava de uma luta pelo fim do domínio britânico). Ao passo que o criminoso que assalta um banco ou viola flagrantemente as regras do trânsito age para benefício próprio e tenta passar despercebido, Ghandi violou publicamente a lei para denunciar a sua injustiça e defender uma causa moral. Ao contrário do criminoso, não procurou secretamente fugir ao cumprimento da lei nem fez da desobediência um fim em si mesmo. Depois de desrespeitar a lei, aceitou a penalização de que foi alvo.
O que é então a desobediência civil?
É uma acção ilegal não criminosa que, por razões éticas, protesta publicamente contra leis e medidas das autoridades políticas estando os seus autores dispostos a sofrer as consequências da infracção da lei. O que transforma a desobediência em protesto moral é a injustiça das leis ou das suas aplicações.
Há por conseguinte uma diferença significativa entre desobediência civil e desobediência criminosa. A desobediência civil é pública e visa denunciar publica- mente injustiças legais, enquanto a desobediência criminosa consiste num acto ilegal cometido de forma tão secreta quanto possível e que não pretende mudar nada que esteja errado. No primeiro caso, a ilegalidade é um meio de combater uma grande injustiça. No segundo caso, infringe-se deliberadamente a lei para benefício próprio e prejuízo da sociedade.
O respeito pela lei é importante porque nenhuma sociedade subsistiria – esta- ria condenada à anarquia ou a constantes abusos de poder quer do Estado quer dos indivíduos – sem a obediência às leis aprovadas.
Contudo, nem sempre o que é legal é legítimo, ou seja, justo e conforme ao que exige a consciência moral. Por exemplo, na África do Sul, durante o regime do apartheid, o sistema legal proibia, entre outras coisas, que os membros da maioria negra vivessem nos bairros dos brancos e frequentassem as mesmas escolas, havendo nos jardins bancos para negros e bancos para brancos. Na Alemanha nazi era possível prender pessoas que não tinham cometido qualquer crime e confiscar-lhes os bens porque tinham sido aprovadas pelo governo leis que o permitiam. Sistemas legais como os da Alemanha nazi ou do apartheid sul-africano mostram que o que é legal – em conformidade com o direito positivo – pode não ser legíti- mo, ou seja, pode ser injusto. Devemos, por conseguinte, não confundir legalidade com legitimidade. O Estado legítimo será aquele que procura que o que é legal seja também justo.
Desobediência civil e democracia
Repare que os dois exemplos anterormente referidos dizem respeito a Estados (historicamente desaparecidos) que não podemos considerar democráticos ou Estados de direito.
E em Estados ditos democráticos justifica-se a desobediência civil?
As sociedades ditas livres ou abertas são aquelas que procuram evitar abusos de poder negando a qualquer ser humano – governante ou governado, privilegiado ou desfavorecido – o direito de estar acima da lei. Mas as leis podem ser injustas e repressivas e as próprias sociedades democráticas não parecem estar imunes a esta crítica.
«Algumas pessoas argumentam que a violação da lei nunca se pode justificar: se não estamos satisfeitos com a lei, devemos tentar mudá-la através dos meios legais, como as campanhas, a redacção de cartas, etc. Mas há muitos casos em que tais protestos legais são completamente inúteis. Há uma tradição de violação da lei em tais circunstâncias conhecida por desobediência civil. A ocasião para a desobeciência civil emerge quando as pessoas descobrem que lhes é pedido que obedeçam a leis ou a políticas governamentais que consideram injustas. A desobediência civil trouxe mudanças importantes no direito e na governação. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas, que conseguiu publicitar o seu objectivo de dar o voto às mulheres através de uma campanha de desobediência civil pública que incluía o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de 30 anos, em parte devido ao impacto da Primeira Guerra Mundial. No entanto, o movimento das sufragistas desempenhou um papel significativo na mudança da lei injusta que impedia as mulheres de participar em eleições supostamente democráticas.Mahatma Gandhi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil. O desafio de Martin Luther King ao preconceito racial através de métodos análogos aos de Ghandi ajudou a garantir direitos civis básicos para os negros americanos nos estados americanos do Sul.Outro exemplo de desobediência civil está patente na recusa de alguns americanos em participarem na Guerra do Vietname, apesar de serem requisitados pelo governo. Alguns americanos justificaram esta atitude afirmando acreditar que matar é moralmente errado, pensando por isso que era mais importante violar a lei do que lutar e possivelmente matar outros seres humanos. Outros havia que não objectavam a todas as guerras, mas sentiam que a guerra no Vietname era injusta e que sujeitava os civis a grandes riscos, sem nenhuma boa razão. A dimensão da oposição à guerra no Vietname acabou por conduzir os Estados Unidos à retirada. Sem dúvida que a violação pública da lei alimentou esta oposição.
A desobediência civil corresponde a uma tradição de violação não violenta e pública da lei, concebida para chamar a atenção para leis ou políticas injustas. Os que agem nesta tradição de desobediência civil não violam a lei unicamente para seu benefício pessoal; fazem-no para chamar a atenção para uma lei injusta ou uma política moralmente objectável e para publicitar ao máximo a sua causa. Por isso é que estes protestos ocorrem habitualmente em lugares públicos, de preferência na presença de jornalistas, fotógrafos e câmaras de televisão».
Nigel Warburton, Elemento Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pp. 132-133
A desobediência civil revela-nos que há uma diferença que nunca deve ser esquecida entre obrigação moral e obrigação política ou jurídica, isto é, uma diferença entre os direitos das pessoas e os deveres dos cidadãos. Em suma, mostra-nos que não somos somente cidadãos, somos também pessoas. Contudo, estas considerações não impedem que seja um procedimento polémico.
ACTIVIDADES
1.
a) É moralmente justificável que algumas vezes desobedeçamos às leis? Porquê?
R: É moralmente justificável que algumas vezes desobedeçamos às leis porque estas podem ser injustas. O que transforma a desobediência em protesto moral é a injustiça das leis ou das suas aplicações.
b) Se é moralmente justificável a desobediência, em que condições é legítimo termos liberdade para o fazer?
R: A desobediência à lei nunca sendo legal é legítima se não for um acto criminoso. Recusar pagar impostos porque discordamos por exemplo do uso desse dinheiro para alimentar a indústria de armamento é acto legítimo e não criminoso. Devemos também estar dispostos a sofrer as consequências de um acto legítimo mas ilegal- sermos presos, por exemplo. Devemos desobedecer sem cometer crimes ou prejudicar outras pessoas. Não se justifica que a desobediência se traduza em actos que violem a propriedade dos outros ou a sua integridade física.
c) Tem conhecimento de situações históricas em que pessoas desobedeceram por razões morais às leis do Estado. Em que casos pensa que a desobediência foi justificada?

2. Suponha que vive num país cujo Estado promulga as seguintes leis:
a) Qualquer pessoa que provoque um incêndio florestal será condenada a 6 meses de prisão e a 600 contos de multa.
b) Qualquer pessoa seropositiva será confinada a um centro sanitário de alta segurança, para evitar o contágio e a propagação da doença.
c) Qualquer pessoa que tenha opiniões contrárias ao regime político vigente será condenada à morte.
d) Nenhum trabalhador estrangeiro tem o direito de trazer ou chamar a sua família para o país de acolhimento.
Que leis lhe parecem justas? Quais justificariam desobediência civil?
R: O caso b) viola o direito à livre circulação das pessoas e é por isso uma forma de limitação da vida dessas pessoas que sabemos ser injustificável. Trata – se de um abuso inadmissível.
O caso c) é uma flagrante e inadmissível violação da liberdade de expressão e do direito à vida.
O caso d) infringe o direito de reunião familiar que está generalizadamente consagrado.
3. Considere os seguintes casos e mostre se são formas legítimas de protesto:
a) Num país em que o aborto é legal, uma pessoa decide impedir a entrada de clientes numa clínica onde aquele é praticado.
b) Nesse mesmo país e também para protestar contra a lei que permite o aborto, um indivíduo coloca uma bomba na referida clínica.
c) Defensores do ambiente despejam detritos de um rio poluído no pátio de uma empresa que consideram uma das maiores responsáveis pela poluição.
d) Um cidadão pacifista de nacionalidade britânica decide não pagar os seus impostos enquanto parte destes continuarem a ser destinados a despesas militares. Comunica tal decisão à Fazenda Pública inglesa. É sancionado pela Justiça com um mês de prisão. Profundamente convicto da sua razão e dos seus princípios, actua do mesmo modo ano após ano. O juiz também não abdica da sua posição e todos os anos pune-o com um mês de prisão.
R: Só o último caso parece ser uma forma legítima de protesto.
4. Os adversários da desobediência civil sustentam que é sempre errado violar a lei. Os defensores da desobediência civil afirmam que por vezes é correcto infringir a lei. Os primeiros afirmam que se em sociedades profundamente injustas a desobediência civil se justifica, em sociedades democráticas esta não tem cabimento.
Apresentam vários argumentos contra a desobediência civil. Tente verificar se são racionalmente persuasivos.
a)Uma das funções do Estado é a manutenção da lei e da ordem de modo a que os cidadãos gozem de paz, segurança e bem-estar. Beneficiamos dos seus serviços e da sua protecção. Mesmo que julguem ter uma justa causa as pessoas que violam as leis estão a perturbar a estabilidade social. É para o bem da sociedade que existem leis e quem as lhes desobedece publicamente está a estimular a sua infracção. Violar a lei seja por que razão for promove o desrespeito pela lei e pelo governo e, em última análise promove a anarquia, o caos social, pondo em perigo o Estado de direito. A desobediência civil é um remédio pior do que o mal que visa atacar.
R: O Estado de direito pode ser aperfeiçoado. Leis democraticamente aprovadas não são necessariamente leis justas.  A desobediência pública não põe necessariamente em causa o Estado de direito mas procura aperfeiçoar as suas medidas legais. O conformismo perante leis injustas é sinal de cidadania atrofiada. Mais importante do que estabilidade social é a justiça. Mais é desta que depende a estabilidade social. O argumento derrapa porque partindo da desobediência a uma ou algumas medidas legais conclui que o Estado de direito se arrisca a desaparecer quando o que se pretende é dar mais legitimidade às suas leis e não derrubá - lo. Ações como as de Martin   Luther King na defesa dos direitos civis dos negros , de Ghandi contra a prepotência dos colonizadores britânicos evidenciam que o estado de  Direito não foi posto em causa mas sim reformado e melhorado. Nenhuma das sociedades em que essas ações decorreram deixou de ser uma democracia.
b) Nos estados democráticos e de direito, o governo exerce as suas funções segundo a vontade da maioria do povo representada pelos deputados eleitos. O governo é portanto uma criação da vontade da maioria. Como é evidente os resultados das eleições não nos agradam sempre e algumas leis também não. Contudo, temos a obrigação política de respeitar a vontade da maioria. Os partidários da desobediência civil tentam obter através da violação de certas leis o que não conseguiram mediante processos democráticos. A desobediência civil é a negação da democracia.
R: Não é a negação da democracia mas a denúncia de que nenhuma democracia é perfeita. Os processos democráticos não são por vezes suficientes para que se mudem leis  injustas. A desobediência civil não é uma “declaração de guerra” ao sistema democrático uma vez que não pretende derrubar quem aprova as leis mas corrigir deficiências das leis aprovadas. Não se utiliza a força para que seja aprovada nem há coacção sobre as pessoas para que não as cumpram. Deste modo, a vontade da maioria não é ostensivamente posta em causa. Sendo a liberdade de opinião uma das marcas distintivas de um sistema democrático, a desobediência civil inscreve – se nesse ambiente mental. A liberdade de opinião está associada ao espírito crítico pelo que a desobediência civil revela uma sociedade civil activa e atenta e examinadora dos resultados dos actos dos legisladores. Faz parte da essência do espírito democrático activo porque recusa pronunciar – se somente nos períodos eleitorais. A desobediência civil pode muitas vezes justificar – se como correspondendo à transformação dos valores de uma sociedade que não é acompanhada pelos legisladores. Ou seja, na base da ação de desobediência civil pode estar não a insatisfação de alguns poucos mas o modo de pensar da maioria

c) A democracia põe ao dispor dos cidadãos meios menos drásticos e desestabilizadores do que a desobediência civil para corrigir injustiças e abusos de poder. As pessoas podem fazer ouvir a sua voz, realizar manifestações, fazer greves, etc. Além disso há eleições frequentes que podem depor governos que abusaram do poder e promulgaram algumas leis injustas. Numa sociedade livre a desobediência civil é um mal desnecessário.
R: Como dizia Martin Luther – King, a justiça adiada é, em muitos casos, justiça negada. King argumentava que ninguém deseja ceder direitos aos injustiçados, sem que estes lutem por eles. As pessoas desejam, sim, aumentar os direitos já conquistados e nunca ceder em favor dos menos favorecidos, quando tal ajuda implique ter que dividir direitos.

O PROBLEMA DA MORALIDADE DA PENA DE MORTE



O PROBLEMA DA MORALIDADE DA PENA DE MORTE
Quem mata deve ser morto? É isso correto? Não será a pena de morte uma forma de punição que não é admissível em sociedades civilizadas? Ou tendo em conta que, ao longo da história, muitos filósofos e pensadores a defenderam será que não estamos errados em condenar essa prática?
I
Argumentos  contra a pena de morte
1. Trata – se de um castigo cruel
A pena de morte é uma forma de punição bárbara e cruel que priva a sua vítima do mais fundamental dos direitos: o direito à vida.
2. Transforma o Estado que a aplica num criminoso.
Matar um criminoso é descer ao nível do criminoso : o crime não se vence com o crime  e a morte não se castiga com o assassínio.
3. Dado que somos falíveis é de admitir que executemos pessoas inocentes.
É sabido que já se cometeram erros condenando – se pessoas inocentes. Só nos E.U.A. foram erradamente condenadas à morte vinte e três pessoas. Além de injustamente presas durante vários anos, essas pessoas são  vítimas de um erro irreparável. Matando – as tiramos – lhes algo que não poderemos nunca devolver. Há quem pense que este é o mais poderoso argumento contra a pena de morte.  Como os erros não podem ser evitados, o mais correcto é abolir a pena de morte.
4. Satisfaz emoções e impulsos primitivos.
Os adversários da pena de morte argumentam  que se pudéssemos assistir a uma execução e à dificuldade em cumpri – la com o consequente sofrimento imposto ao condenado e  se conseguíssemos distanciar – nos das emoções que a morte das vítimas dos condenados provocam consideraríamos que ao aprovar tal forma de punição estaríamos a comportar – nos como pessoas sádicas, cruéis e ignorantes.
5. O argumento baseado nos  custos materiais e emocionais.
O que custa mais? Manter um criminoso na prisão ou tirar – lhe a vida? Por estranho que possa parecer a muitas pessoas a pena de morte acarreta mais custos monetários do que o encarceramento perpétuo. Na verdade, em muitos países os recursos dos advogados de defesa sucedem – se e arrastam os processos por dezenas de anos com os custos decorrentes.
Outro aspecto do argumento refere os custos emocionais. Dado o elevado número de recursos, as famílias das vítimas terão de comparecer muitas vezes em tribunal, sendo obrigadas a enfrentar o suposto assassino e a reviver a trágica perda que sofreram. Isso não aconteceria se o criminoso fosse sentenciado a prisão perpétua, desaparecendo no sistema prisional para nunca mais ser visto pelas pessoas a quem tanto mal causou.

II
Argumentos  a favor da pena de morte
Muitos filósofos argumentaram, como já dissemos a favor da pena capital. Dois assumem papel de destaque: John Locke e Immanuel Kant.
Locke defendia como também já sabe que no estado de natureza o ser humano possui direitos que não devem ser infringidos: os direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Como no estado que antecede o contrato social não há governo instituído, cada um deve ser o defensor dos seus direitos. Se A infringir os direitos de B, então este  tem o direito de punir o infractor (que o consiga é outra questão). E se a ofensa for o assassinato? Nesse caso, diz Locke, o assassino perde o seu direito à vida e “pode ser caçado como um animal selvagem”. Com o surgimento do Estado, a única coisa que realmente muda é que deixamos de ter o direito fazer justiça pelas próprias mãos e delegamos o direito de punir a morte com a morte. Locke pensa que esta medida tem dois efeitos importantes: 1 – Dissuasão – Quem vê como um assassino é tratado pensará duas vezes antes de eventualmente o imitar; 2 – Retribuição – Trata – se de repor o equilíbrio perdido com o assassinato.
O segundo grande filósofo favorável à pena de morte foi Kant. Argumentando exclusivamente do ponto de vista retributivo, Kant considera que a pena de morte é uma forma racional de lidar com um crime capital. Há só uma e só uma forma de responder ao assassinato: A punição do culpado deve ser proporcional ao crime. Por outras palavras, a única forma de castigar um assassino é a morte mesmo que boas consequências sociais adviessem de aplicar a prisão perpétua ou de proceder à reabilitação do criminoso. A vida mais miserável a que se condenasse o assassino seria ainda muito melhor do que a morte, de modo que nenhuma outra pena seria proporcional ao crime cometido. Kant vai tão longe nesta sua defesa da pena de morte que pede – nos que imaginemos uma sociedade prestes a sucumbir à anarquia e à desordem. Diz – nos que a última ação do poder ainda em exercício será a de executar os condenados à morte.  Mais: condenar à morte e executar um criminoso é, em certa medida, uma forma de o respeitar como ser humano. Pensa Kant que em vez de o usar para algum propósito social – como a dissuasão – ou de tentar reabilitá -  lo assumindo que não sabia o que estava a fazer, assumimos que agiu sabendo o que fazia e que por isso pode ser responsabilizado pelo que fez.
A única pena inteiramente compatível com o dever de tratar, ao mesmo tempo, a humanidade na pessoa do criminoso e na pessoa dos demais, sempre como um fim e nunca meramente como um meio, consiste em aplicar a pena, simplesmente pelo fato de que o indivíduo violou um direito fundamental; Aplica – se   a lei de talião, independentemente de qualquer utilidade da mesma, já que toda a utilidade da pena representa uma forma de tratar a humanidade na pessoa do outro como um mero meio [como ilustra Kant no exemplo de comutar a pena dos condenados à morte que se submetem a testes de medicamentos]. Portanto, constitui um dever que o estado aplique a pena de morte a todos os condenados por crime de assassinato a tal ponto que o estado somente pode ser dissolvido depois de aplicá-la a todos os condenados.


Com defensores tão prestigiados não é de admirar que também haja argumentos poderosos do lado dos defensores da pena de morte. Eis os mais importantes:
1
É uma questão de justiça
Um crime tão grave como o assassinato só pode ter uma punição adequada: a pena de morte. Quem mata abdicou quer se aperceba disso ou não do seu direito à vida. Há que retribuir e, nesta perspectiva, a severidade do crime implica a severidade da pena. A justiça é incompatível com o desequilíbrio que seria que a morte de alguém às mãos de um assassino fosse punida com a continuação da vida de quem matou. “Olho por olho” manda a justiça.
2
Elminar o assassino é a única forma de proteger a sociedade.
Trata –se do argumento da incapacitação total. Por que razão defendem os adeptos da pena de morte esta tese? Porque não sendo nenhuma prisão cem por cento à prova de fugas não estaremos nunca suficientemente sossegados que criminosos convictos não voltem a aterrorizar a sociedade e a cometer crimes capitais. Basta pensar no caso de assassinos em série. Vamos acreditar na sua total reabilitação? Seria grande ingenuidade julgar que não poderiam reincidir. E, como está provado em muitos casos, quem mata fora da prisão continua a matar dentro dela.
3
É uma forma eficaz de dissuasão
Se punirmos com a pena capital um assassino, este nunca mais poderá cometer crimes. A vantagem colateral desta forma de punição é que outros eventuais “candidatos” serão,  como pensava Locke, dissuadidos de cometer crimes do mesmo tipo. Se souber que, como acontece nalguns países, souber que a sua mão vai ser amputada se for descoberto a roubar, será que vai correr esse risco? Assim sendo se souber que pode ser condenado à morte se matar não pensará duas ou mais vezes se é conveniente fazê – lo?
ATIVIDADES
Propomos que se organizem dois grupos de alunos que tendo lido os argumentos favoráveis e desfavoráveis à pena de morte, assumam a posição abolicionista e a posição retencionista.

Para ajudar a essa discussão deixamos ao dispor do moderador ou da moderadora do debate alguns contra – argumentos  adicionais a cada uma das posições.
I
A posição desfavorável à pena de morte: contra – argumentos adicionais
1. Trata – se de um castigo cruel
Contra – argumento
Pode ser cruel mas é necessário. Há países em que o índice de criminalidade é de tal modo elevado que alguma medida drástica tem de se tomar.
2. Transforma o Estado que a aplica num criminoso.
Contra – argumento
Trata – se de uma falsa analogia. O assassino mata pessoas inocentes enquanto o Estado executa um criminoso, alguém que é culpado e não inocente.

3. Dado que somos falíveis é de admitir que executemos pessoas inocentes.
Contra – argumento
Pode matar – se a pessoa errada mas o verdadeiro assassino aprenderá uma lição. (Dificilmente se poderá pesar que mesmo os defensores da pena de morte sustentem com firmeza este ponto de vista que justifica qualquer meio em nome de um fim.)
4. Satisfaz emoções e impulsos primitivos.
Contra – argumento
Há execuções difíceis e muito dolorosas para o condenado mas isso não é um argumento bom contra a pena de morte mas contra a incompetência de quem a aplica. A pena de morte é um mal necessário.

5. O argumento baseado nos  custos materiais e emocionais.

Contra – argumento
A justiça não deve ter preço. Além disso pode limitar – se o número de recursos.

II
A posição favorável à pena de morte: contra – argumentos adicionais.

1
É uma questão de justiça
Contra – argumento
A tese da proporcionalidade entre crime e castigo – “0lho por olho” – foi distorcida pelos defensores da pena capital. Só no caso do assassínio invocam esse princípio. Por que razão não o usam no caso do roubo e da fraude fiscal, da ? Porque não penhorar os bens do ladrão?
2
Elminar o assassino é a única forma de proteger a sociedade.
Contra – argumento
Comete – se  a falácia da derrapagem: se não acreditamos que um criminoso possa ser reabilitado então deve ser executado seja qual for os eu crime. Ou talvez devamos antecipar que tendências criminosas um potencial criminoso possui e executá – lo antes de cometer a mais grave das ofensas. E por que razão não alargar, uma vez que se trata de proteger a sociedade, a pena de morte aos violadores, ladrões e pedófilos?
3
É uma forma eficaz de dissuasão
Contra – argumento
Falemos da dissuasão. Os factos mostram que nos estados que aplicam a pena de morte não diminuiu o número nem a brutalidade dos assassinatos. Por outro lado, suponhamos que uma pessoa cometeu um assassinato e sabe que muito provavelmente vai ser presa, condenada e executada. A pena de morte vai ter algum efeito dissuasor? Não porque só se sofre a pena de morte uma vez. Poderá dizer – se que vai servir de exemplo a outros potenciais assassinos. Mas isso é transformar essa pessoa numa coisa, num instrumento ao serviço de um objectivo. Não chega matá – la? E não podemos, como os indicadores da criminalidade o mostram, presumir demais acerca dos efeitos dissuasores da pena de morte. Finalmente, o direito à vida é um direito humano  e como tal inalienável. Não é concedido pelo Estado e como tal não pode por ele ser retirado.   Os fins não justificam todo e qualquer meio.

O PROBLEMA DO ESTATUTO MORAL DOS ANIMAIS



O PROBLEMA DO ESTATUTO MORAL DOS ANIMAIS


Os animais têm interesses que devemos respeitar? São por si dignos de consideração moral ou só os seres humanos merecem tal estatuto? Se atribuímos dignidade moral aos animais em que nos baseamos para o fazer? Será legítimo?
Dois dos principais defensores dos interesses dos animais, Peter Singer e Tom Regan tentaram encontrar um critério que justificasse a dignidade moral dos animais de modo a que o seu bem – estar não dependesse unicamente dos nossos bons sentimentos ou da nossa amabilidade. A questão era para os referidos filósofos a seguinte: Que características devem os animais possuir que sendo moralmente relevantes os tornassem merecedores de consideração moral?
Sucintamente, a resposta de Singer baseou – se no conceito de senciência. Este termo designa a capacidade de sentir prazer e dor.  Regan baseou – se no conceito de sujeitos-de-uma-vida. Esta expressão significa que os titulares de um vida são seres dotados de percepção, capacidade de sofrer, de emocionar-se, de recordar, etc. Segundo Regan, temos o dever moral fundamental de tratar com respeito todos os sujeitos-de-uma-vida. Se temos esse dever em relação aos animais sujeitos-de--uma-vida, então, correlativamente, eles têm direitos.
Singer, adoptando uma perspectiva utilitarista, não fala propriamente de direitos animais mas de bem – estar animal. Regan adopta uma perspectiva deontológica e argumenta que os nossos deveres em relação aos animais derivam do facto de estes terem direitos.
Estudaremos também a teoria de Carl Cohen, segundo o qual não faz sentido atribuir dignidade moral a animais não – humanos.

1. Peter Singer: A Importância Moral do Sofrimento.

Singer não se limita a dizer que devemos ser benevolentes com os animais, a manifestar simpatia para com o seu sofrimento. Afirma que temos obrigações morais a seu respeito.
Na obra Libertação Animal, Singer defende que o domínio dos seres humanos sobre os animais é moralmente injustificável. A libertação animal implica dois procedimentos: 1) a ampliação do conceito de comunidade moral e 2) a revisão e alargamento do conceito de igualdade. O princípio que torna legítimo falar de igualdade de direitos dos seres humanos – o princípio da igual consideração dos interesses – deve ser aplicado a todos os seres com interesses. E por que devemos dar igual consideração aos interesses dos animais não humanos? Porque, tal como nós, são capazes de experimentar prazer e dor e essa capacidade é a condição necessária para ter interesses. A senciência – a capacidade de sofrer e de ter prazer – é o critério que permite integrar humanos e animais numa mesma comunidade moral, não atribuindo maior peso aos nossos interesses. Um ser é objecto de consideração moral se tiver interesses e tem interesses porque pode sofrer. Assim, temos de levar em linha de conta em termos igualitários sofrimentos semelhantes, quer sejam de humanos quer de animais: as nossas dores não contam mais do que as dos outros animais, por maiores que sejam as nossas capacidades intelectuais e morais. Julgar que a nossa vida e os nossos interesses têm mais valor porque pertencemos à espécie humana é moralmente errado e traduz um preconceito: o especismo. O especismo consiste em, partindo do princípio de que somos animais superiores, julgarmos que os outros animais nada mais são do que objectos ou coisas que estão ao serviço dos nossos interesses, sofram o que sofrerem com isso.

Assim, temos de :
1 - Atribuir igual importância ou consideração aos interesses de todos os seres sencientes ( capazes de sentir prazer e dor) e
2 -  Agir de tal modo que possamos maximizar a satisfação dos interesses de todos os afectados pelas nossas ações. 
Deve notar – se que dar aos animais não – humanos igual consideração não implica que tratemos todos os animais da mesma maneira ou que lhes reconheçamos os mesmos direitos que os seres humanos. O que exige é que atribuamos aos seus prazeres e dores igual peso ao dos seres humanos quando se trata de deliberarmos o que fazer.
Da posição de Singer decorrem algumas importantes consequências práticas. Uma delas é a defesa do vegetarianismo. Na sua perspectiva utilitarista, uma ação é correta se e só se, de todas as ações alternativas disponíveis, a ação escolhida maximizar a satisfação dos interesses de todos os que são afectados pelas suas consequências. Ora ao criarmos animais para os comermos, estamos a sacrificar os mais importantes interesses dos animais? Quais? Os interesses em evitar o sofrimento e em continuara viver. E em nome de quê?  Do nossos interesse em experimentar  sensações a gradáveis ao comer carne. Trata – se de um interesse trivial e injustificável de um ponto de vista utilitarista. Poderíamos admiti – lo se não houvesse ação alternativa. Mas há. Podemos satisfazer o nosso palato com comida saborosa de origem vegetal.  Assim, satisfazemos o nosso interesse em comidas saborosas e nutritivas sem fazer sofrer os animais não -  humanos. Não é justificável que criemos e matemos animais só por causa dos nossos hábitos e prazeres gustativos. Para o prazer do gosto temos claramente alternativas que evitam sofrimentos desnecessários defendem o nosso bem – estar e o dos animais que nos habituámos a matar e comer.
E quanto à experimentação animal? Adoptando a sua perspectiva utilitarista, Singer afirma que devemos ter o sofrimento animal em conta sempre que interesses mais relevantes para a maioria dos envolvidos não justifiquem que se cause dor aos animais. Deste modo, usar animais e fazê – los sofrer para testar cosméticos ou detergentes, por exemplo, é injustificável. Porquê? Porque o prazer que os humanos obterão do sofrimento animal – e é muito – não é superior ao sofrimento animal. Contudo, quando se trata de experimentação médica com animais e da procura de resposta a doenças graves e debilitantes, o benefício daí decorrente, desde que com um pequeno número de animais, pode ser de tal modo relevante que a justifique.
Embora falando de dignidade moral dos animais, atribuindo – lhes igual importância moral, Singer não fala de direitos dos animais. Na sua linguagem utilitarista o que importa é o bem – estar ou a satisfação das preferências de cada indivíduo. Em nome desse valor devemos escolher sempre as ações cujo saldo final apresente mais benefícios para todos os envolvidos do que prejuízos. Neste sentido,  devemos tornar – nos vegetarianos não porque os animais não – humanos têm direito a viver mas porque fazendo o balanço dos benefícios e dos prejuízos de uma ação, os aqueles saem claramente prejudicados por um hábito  nosso - o consumo de carne. E porque são claramente prejudicados? Porque temos alternativa. O consumo de carne não é necessário à nossa sobrevivência e ao nosso bem - estar sendo mesmo prejudicial de acordo com a ciência médica.



2. Tom Regan: Os animais têm direitos morais.
O que são direitos morais? São direitos que reconhecemos a certos seres em virtude de possuírem determinadas características moralmente relevantes. Não são direitos legais porque esses são atribuídos pelo poder político e podem ser retirados por este se assim o entender.  Quando se fala dos direitos dos animais estamos a referir – nos exclusivamente a direitos morais. Há dois tipos de direitos morais: os negativos e os positivos. Os direitos morais negativos são direitos de não – interferência. O direito à vida de um ponto de vista negativo é o direito a não ser morto. Outros direitos morais negativos são o direito de não ser prejudicado, de não ser torturado, de não ter a sua integridade física violada. Os direitos morais positivos são o direito a assistência e a algum benefício. É o caso dos direitos à educação e à assistência médica ou cuidados de saúde.
Ao defender os direitos dos animais, Regan está a referir – se aos direitos morais negativos. Vai procurar estabelecer que os animais têm o direito à não – interferência. Está a pensar em direitos como não ser morto, não ser torturado e no direito à integridade física. Se os animais tiverem estes direitos, então o que actualmente fazemos aos animais viola esses direitos e é claramente errado.

Tom Regan tem consciência de que só uma teoria ética fundada em direitos pode dar conta de forma adequada da ideia de que os animais devem ser objecto de consideração moral, de que não podemos tratá-los conforme nos apetece.
Na teoria ética de Singer, o termo “direito” não desempenhava um papel fundamental: atribuir a um ser uma consideração moral igual não implica atribuir-lhe direitos. Não há ligação lógica necessária entre interesses e direitos. Regan pensa que sem reconhecer que os animais têm direitos não podemos proteger  adequadamente os seus interesses.
Segundo Regan, temos o dever moral fundamental de tratar com respeito todos os sujeitos-de-uma-vida (os titulares de um vida são seres dotados de percepção, capacidade de sofrer, de emocionar-se, de recordar, etc.). Se temos esse dever em relação aos animais sujeitos-de--uma-vida, então, correlativamente, eles têm direitos. E como tratar alguém com respeito consiste em não o tratar como meio para um fim, então reconhecemos no que respeitamos algo que tem um valor inerente, não instrumental. O valor inerente é o valor próprio de um indivíduo independentemente da sua utilidade ou da sua bondade, da sua cor, da sua nacionalidade e da sua espécie. Em suma, independentemente do valor que lhes possamos atribuir, de gostarmos de uns e não de outros, os animais não humanos têm direitos. E, tendo-os, devem ser respeitados. Que animais têm direito a ser respeitados em virtude de possuírem um valor inerente? Somente os seres conscientes de si mesmos, capazes de experimentar prazer e dor, de ter crenças e desejos, de realizar acções intencionais, de ter um sentido do futuro. Por outras palavras, segundo Regan, quase todos os mamíferos mentalmente normais de um ano ou mais. Contra uma “ética especista”, Regan defende a necessidade de uma ética interespecífica que reconheça a pertença de grande parte das espécies animais a uma mesma comunidade moral.
Mas poderá objectar-se: os seres humanos são agentes, isto é, seres capazes de aplicar princípios morais, de entenderem que a posse de direitos implica muitas vezes restrições consagradas no termo dever. Mas nem só os agentes morais têm direitos morais. Há indivíduos, como as crianças de pouca idade e os deficientes mentais, a quem são reconhecidos direitos morais e que não cumprem os requisitos para serem agentes morais. A indivíduos nessas condições dá Regan o nome de pacientes morais e nesse grupo inclui também grande parte dos animais não humanos. Assim, a comunidade moral é constituída por agentes morais e pacientes morais.
O reconhecimento dos direitos dos animais enquanto pacientes morais que devem ser tratados justamente implica, para Regan, o fim da criação de animais para consumo alimentar, da experimentação com animais, da caça e do uso de animais em diversas formas de entretenimento (circo, tourada ou rodeios).
3. Carl Cohen: Os animais não têm direitos

          Talvez chegue o dia em que a restante criação animal venha a adquirir os direitos de que só puderam ser privados pela mão da tirania. Os Franceses já descobriram que o negro da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem remédio aos caprichos de um torcionário. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a pilosidade da pele ou a terminação do os sacrum são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderia traçar uma linha insuperável? Seria a faculdade da razão ou, talvez, a faculdade do discurso? Mas um cavalo adulto é, para lá de toda a comparação, um animal mais racional, assim como mais sociável que um recém-nascido de um dia, de uma semana ou mesmo de um mês. Mas suponhamos que não era assim; de que serviria? A questão não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas sim se podem sofrer.
Jeremy Bentham, Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação


Neste texto Bentham defende que o critério para não discriminar os animais e eventualmente julgar que são merecedores de consideração moral é o facto de serem capazes de sentir prazer ou dor.
Dificilmente alguém discordará de Bentham: os animais podem sentir dor e podem sofrer. Devemos ter isso em conta. Mas será isso suficiente para os julgarmos merecedores de consideração moral? Podemos a partir deste facto indiscutível partir para a afirmação de que têm direitos?
Um filósofo como Kant, pensa que os animais não são por si dignos de consideração moral. Não temos deveres directos para com os animais. Os animais não são seres racionais.
Se um homem abater o seu cão por este já não ser capaz de o servir, não infringe o seu dever em relação ao cão, pois o cão não pode julgar, mas o seu acto é desumano e fere essa humanidade que ele deve ter em relação aos seres humanos. Para não asfixiar os seus sentimentos humanos, tem de praticar a generosidade para com os animais, pois aquele que é cruel para com os animais rapidamente se torna duro na forma como lida com os homens.
Kant, Lições de Ética

Por outras palavras, os animais só indirectamente são merecedores de consideração. Ao tratá – los bem devemos ter em vista o impacto da nossa ação noutros seres humanos. Tratar bem os animais é dar sinal da nossa disposição moral não só para respeitar o que é propriedade de outros – e os animais domésticos eram coisas que alguém possuía – como também de uma disposição para respeitar os seres humanos. Contribuímos para que os outros acreditem que não admitimos a crueldade e o desrespeito a respeito de nada nem de ninguém.
Segundo Kant, os animais  estão excluídos da comunidade moral porque não são seres racionais. Por não serem criaturas racionais, são incapazes de compreender regras morais e sobretudo o que são deveres e responsabilidades morais. Só numa relação em que cada uma das partes assume deveres e responsabilidades é que faz sentido falar de direitos.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Carl Cohen não negando que devemos ser amáveis com os animais e que eles sofrem com os maus tratos que lhes possamos infligir, recusa que os animais tenham direitos.
Cohen começa por lidar com a seguinte objecção: O que acontece com os seres humanos que, por alguma razão, são incapazes de assumir deveres e responsabilidades? Não têm direitos? Estamos errados em atribuir – lhos?
A resposta de Cohen é esta: a maioria das pessoas são capazes de pensamento racional e de compreender o que são deveres. O respeito que estas merecem deve extensível às poucas que não têm as capacidades referidas. Porquê? Cohen pensa que a pertença à comunidade moral supõe

que se pertença a uma comunidade humana, a única na qual falar de direitos e deveres faz sentido. Assim, uma pessoa muito afectada pela doença de Alzheimer ou em estado de senilidade avançado não é propriamente um agente moral.  Na verdade, é incapaz de distinguir direitos de deveres, de agir com base em intenções morais, o seu comportamento já não obedece a regras morais. Não sendo um agente moral – uma pessoa que age baseada em preocupações morais – é, contudo, afirma Cohen, um paciente moral. Não compreende o que são deveres, o que é o certo e o errado, mas tem direitos. Continua a ter valor intrínseco por ser uma pessoa independentemente de outras considerações. Temos a obrigação de o tratar com respeito porque integra um mundo – o humano – em que as obrigações não desaparecem só porque uma pessoa deixou de ser útil ou se tornou incapaz de compreender o que distingue o certo do errado. Assim mais do que possuir a capacidade de compreensão moral – de distinguir o certo do errado, de saber que há obrigações que temos de cumprir mesmo que não seja do nosso interesse, etc – o que faz com que um ser tenha direitos é fazer parte de uma comunidade humana. Basta esse facto para merecerem respeito e terem dignidade moral.

Cohen crescenta que mesmo que alguns animais pareçam compreender os seus “deveres” o que realmente acontece é que esse entendimento é baseado no treinodo reforço e da punição. Não se trata de uma verdadeira compreensão do que são deveres. Assim sendo, não é correcto dizer que os animais têm direitos. Essa compreensão envolve o entendimento de que a relação moral é, em certo sentido, um contrato social. Se sou capaz de compreender as obrigações associadas a um contrato – escrito ou oral – então sou um ser racional e devo ser tratado com respeito. Os seres que não conseguem compreender as implicações de um contrato não assumem deveres e, por conseguinte, não têm direitos. Os animais nada nos podem exigir. Nós é que devemos atribuir – nos obrigações a seu respeito.

ATIVIDADES
1.O que significa atribuir estatuto moral aos animais?
R: Significa reconhecer que merecem respeito em virtude não da nossa boa vontade ou amabilidade mas devido a características próprias. A atribuição de estatuto moral aos animais dá – se de dois modos: ou reconhecendo que têm interesses – em não sofrer e em continuar a viver ou reconhecendo que têm direitos.
2. O que entende Singer por especismo?
R: O especismo é a atitude que  consiste em não atribuir importância moral aos animais não – humanos simplesmente pelo facto de que não são membros da nossa espécie. Por outras palavras, o especismo consiste, neste caso particular, em afirmar que só temos obrigações morais em relação aos membros da nossa espécie.
3. Por que razão é o especismo condenado por Singer?
 R: O especismo é condenado porque impede uma avaliação imparcial dos interesses de todos os envolvidos numa dada situação. Tratando de forma diferente seres que do ponto de vista moral são iguais - todos os seres capazes de sentir dor ou prazer têm interesse em não sofrer e em não serem mortos - ., o especismo é uma forma injusta de discriminação.
4. Leia o seguinte texto e responda às questões:
Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para a recusa de tomar esse sofrimento em consideração. Independentemente da natureza do ser, o princípio da igualdade exige que o sofrimento seja levado em linha de conta em termos igualitários relativamente a um sofrimento semelhante de qualquer outro ser, tanto quanto é possível fazer comparações aproximadas. Se um determinado ser não é capaz de sofrer nem de sentir satisfação nem felicidade, não há nada para tomar em consideração. É por isso que o limite da senciência (para usar o termo como uma abreviatura conveniente, ainda que não estritamente precisa, da capacidade de sofrer ou de sentir prazer ou felicidade) é a única fronteira defensável da preocupação pelo interesse alheio. Marcar esta fronteira com alguma característica como a inteligência ou a racionalidade seria marcá-la de modo arbitrário.
 Peter Singer, Ética Prática
3.1. Qual é o critério que Singer adopta para reconhecer importância moral aos animais não – humanos?
R: Adopta o critério da senciência (a capacidade para sentir dor ou prazer) como critério para atribuir a um ser importância moral. Isto implica consideração pelo seu bem – estar e pelos seus interesses próprios.

3.2. Por que razão Singer escolhe o critério da senciência para atribuir importância moral a um ser e não características como a racionalidade e a inteligência? Tem em mente somente os interesses dos animais não – humanos?
R: Ao adoptar a senciência como critério para a atribuição de estatuto moral a um ser implica para Singer que a inteligência e a racionalidade não são os critérios adequados. Pense no caso do extermínio de seres humanos e na tortura. São actos moralmente repugnantes. Mas porquê? Porque desrespeitaram a racionalidade das vítimas? Não. São – no porque infligiram angústia e dor às vítimas e não respeitaram o seu interesse em continuar a viver  e a não sofrer. Não submetemos  seres humanos a experimentações médicas, por exemplo, com produtos tóxicos porque isso os iria fazer sofrer. A a capacidade de sofrer é o critério último para haver consideração moral por um ser. A racionalidade e a inteligência não são critérios suficientes. Aqui ao defender os interesses dos animais não – humanos, Singer pensa que de um ponto de vista lógico está também a defender os interesses de pessoas senis ou com deficiências mentais graves. Embora não possam raciocinar podem sofrer. É a capacidade de sentir dor ou prazer que explica em última análise porque consideramos imoral submeter humanos a experimentações como as que os nazis submeteram os judeus e pessoas com diversas deficiências físicas e cerebrais. Se o critério fosse a racionalidade não haveria base para impor limites morais à experimentação com as pessoas anteriormente referidas. Se não devemos basear – nos nas condições cognitivas de um ser para tomar em conta e respeitar os seus interesses, fica estabelecido que a capacidade de sentir dor ou prazer é o critério adequado.
Mas não o é somente no interior da espécie Homo sapiens. Adoptar a senciência como critério para a atribuição de estatuto moral, implica reconhecer que todos os seres sencientes e não só os humanos, possuem esse estatuto. Todos os animais são iguais sob este aspecto: todos podem sofrer e todos têm interesse em não sofrer pelo menos desnecessariamente.
7.      Pense num caso como o do consumo de carne e exponha o ponto de vista utilitarista de Singer.
R: O que exige a perspectiva utilitarista? Exige o seguinte:
1.Que consideremos imparcialmente os interesses de todos os envolvidos;
2. Que escolhamos a ação que maior probabilidade tem de produzir o melhor resultado para os que por ela são afectados.
Assim sendo se persistimos em consumir carne temos de perguntar se esse hábito é moralmente mais relevante do que o sofrimento que infligimos aos animais (são geralmente criados em cativeiro, são mortos e antes desse desenlace sofrem imenso). Sejamos imparciais. É mais importante o nosso prazer gustativo ou o sofrimento dos animais. Como não precisamos de consumir carne para sobreviver, é claro para Singer que aplicar o princípio de utilidade à alimentação humana  nos conduz a rejeitar o consumo de carne. Podemos e devemos ser vegetarianos. Se adoptarmos essa forma de alimentação estaremos a agir de forma moralmente correcta. Na verdade, considerados todos os prejuízos e benefícios decorrentes do consumo de carne, verificamos que o vegetarianismo apresenta um saldo mais favorável a todas as partes envolvidas. Nós continuamos a alimentar – nos  ( de forma mais saudável ao que parece) e a assegurar a nossa sobrevivência e uma das fontes do sofrimento que infligimos aos animais praticamente desaparece. Todas as partes são mais beneficiadas do que prejudicadas. Note – se que se esta mudança é moralmente obrigatória isso não se deve ao reconhecimento de que os animais têm direitos mas a uma ponderação imparcial dos custos e benefícios de um hábito. A proibição de comer carne não é por isso absoluta, não se baseia no valor intrínseco dos animais mas no princípio da maior satisfação global dos interesses das partes envolvidas. Se houvesse prova irrefutável de que o consumo de carne era necessário à nossa sobrevivência então o nosso interesse prevaleceria.
7.      Pense num caso como o da utilização de animais em experiências científicas e exponha o ponto de vista utilitarista de Singer.
R: O que exige a perspectiva utilitarista? Exige o seguinte:
1.Que consideremos imparcialmente os interesses de todos os envolvidos;
2. Que escolhamos a ação que maior probabilidade tem de produzir o melhor resultado para os que por ela são afectados.
A experimentação com animais só é permissível no caso de haver grande probabilidade de os benefícios no plano da saúde suplantarem os prejuízos e tentando reduzir – se tanto quanto possível o sofrimento infligido aos animais. Mais uma vez não se  trata de uma proibição absoluta mas de uma ponderação das consequências de uma ação.
7. Qual seria a posição de Singer acerca da caça recreativa e das touradas? Na sua resposta utilize o princípio utilitarista seguido por Singer.
R: O que exige a perspectiva utilitarista? Exige o seguinte:
1.Que consideremos imparcialmente os interesses de todos os envolvidos;
2. Que escolhamos a ação que maior probabilidade tem de produzir o melhor resultado para os que por ela são afectados.
Consideremos imparcialmente os interesses dos envolvidos: o nosso prazer em caçar e em ver touradas suplanta o interesse dos animais em continuarem a viver e em não sofrer? Esta consideração imparcial dos interesses facilmente nos conduz a reconhecer que é errado tratar os animais assim. Temos muitas outras fontes de prazer. O princípio utilitarista considera obrigatórias a s ações que muito provavelmente trarão as melhores consequências para todos os envolvidos sendo os prejuízos globais claramente suplantados pelos benefícios. Podemos causar prejuízos aos animais – e aos humanos – mas isso tem de ser justificável à luz da imparcialidade do princípio utilitarista. Não é o que acontece no caso da caça e das touradas. Não há deveres absolutos em relação aos animais nem aos humanos – por isso não há proibições absolutas - mas certas práticas devem ser restringidas e mesmo abolidas nos casos em que os prejuízos globais suplantam os benefícios.
8. Em termos gerais o que distingue a teoria de Regan da de Singer?
R: Singer reconhece que os animais têm interesses que devem ser imparcial e obrigatoriamente  tidos em conta quando ponderamos as consequências das nossas ações e hábitos. Contudo, a atribuição de direitos aos animais não depende da aceitação destas ideias. Não precisamos de falar de direitos dos animais para que a consideração imparcial dos seus interesses seja uma obrigação moral.
Regan defende que atribuir um estatuto moral aos animais e ter em conta os seus interesses depende de lhes reconhecermos direitos.
9. A expressão “sujeitos de uma vida” é aplicada por Regan aos animais. O que significa?
R: Os “sujeitos de uma vida” são seres que experimentam sensações de dor  e de prazer, que têm interesse no seu bem – estar, em não sofrer e em continuar a viver, que têm uma vida mental mais ou menos complexa conforme os casos. Não são coisas nem objectos ou instrumentos.
10. Qual a importância de considerar que os animais não – humanos são “sujeitos de uma vida”?
R: O facto de algo ser sujeito de uma vida confere – lhe valor intrínseco  e, portanto, dignidade moral. Se os animais não – humanos são “sujeitos de uma vida” então têm valor intrínseco e não meramente instrumental. Não são meros recursos ao nosso dispor seja para alimentação, investigação científica ou para diversão. Se têm valor intrínseco ou próprio – não lhes é conferido por ninguém nem deve ser retirado seja por quem for – então têm direitos.
11. Leia o texto seguinte:
          Os animais carecem de muitas das capacidades que os seres humanos possuem. Não podem ler, fazer matemática avançada, construir uma estante ou fazer baba ghanoush. Mas muitos seres humanos também não, e mesmo assim não dizemos (nem devemos fazê-lo) que esses seres humanos têm menos valor intrínseco, ou menos direito a serem tratados com respeito do que os outros. 
Tom Regan, Em Defesa dos Direitos dos Animais

11.1.Segundo Regan, os “sujeitos de uma vida” têm todos igual valor moral? Não seremos nós dada a nossa superior inteligência, dada a capacidade d pensar e de raciocinar  e também as grandes civilizações e obras que criámos, “sujeitos de uma vida” com valor especial e incomparável?
R: Segundo Regan, por mais admirável que seja a espécie humana nenhum sujeito de uma vida tem mais valor do que outro. Todos têm exatamente o mesmo valor moral. O valor intrínseco de um ser não varia conforme o grau de inteligência ou de competência intelectual.
11.2.  Como defende Regan a sua tese?
R: Pode parecer estranho ver Regan a defender que o ser humano tem tanta dignidade ou valor moral como um urso ou um cavalo mas Regan defende a sua ideia com um argumento poderoso: é evidente que só os seres humanos são capazes de raciocínio discursivo, de criar ciência e obras de arte. Os animais não. Contudo, devemos pensar que muitos seres humanos também não exibem essas competências. Basta pensar no caso de pessoas com doenças degenerativas a nível cerebral ou seres humanos em estado de coma e também no caso dos bebés. O que que Regan dizer? Que se o valor intrínseco de um ser variar com as suas capacidades intelectuais abrimos a porta à discriminação injusta dos que são  - ou se supõe serem - intelectualmente menos capazes. Ou seja, não atribuir a mesma importância moral a todos os “sujeitos de uma vida” tem consequências perigosas e basta consultar a história da humanidade para perceber que o extermínio e a escravatura se basearam precisamente nessa recusa da igualdade moral. 
Atualmente recusamos discriminar moralmente as pessoas com base nas suas diferentes aptidões intelectuais. Caso contrário teríamos atribuído maior estatuto moral a um Galileu e a Einstein e atribuiríamos maior importância moral aos grandes intelectos do nosso tempo. Como não o fazemos, não podemos basear – nos nessa diferenças para recusar aos animais valor moral idêntico ao dos humanos. Sejamos homens ou mulheres, muito inteligentes ou não, da etnia A ou B, defendemos que os seres humanos têm igual estatuto moral e que portanto têm direitos iguais. Se recusarmos igual valor moral e iguais direitos aos animais estamos a ser incoerentes.
12.Leia o texto seguinte:
“A igualdade que encontramos no utilitarismo não é do tipo que um defensor dos direitos humanos ou dos animais deve ter em mente. Não há lugar no utilitarismo para direitos iguais para diferentes indivíduos porque não há aí lugar para a sua dignidade ou valor intrínseco. O que tem valor para o utilitarista é a satisfação dos interesses dos indivíduos, não os indivíduos que possuem esses interesses(...)A posição utilitarista conduz a resultados que pessoas imparciais consideram moralmente insensíveis. É errado matar uma pessoa só porque fazê-lo implica melhores resultados para os outros. Um fim bom não justifica um mau meio. Uma boa teoria moral tem de explicar porquê. O utilitarismo falha neste ponto e, portanto, não é a teoria que procuramos”. 
Tom Regan, Em Defesa dos Direitos dos Animais
12.1. Por que razão Tom Regan rejeita a perspectiva utilitarista?
R: Para Regan a grande fraqueza da perspectiva utilitarista de Singer é que não garante que os animais não sejam usados como simples meios ou instrumentos ao dispor do interesses dos humanos. Porquê? Porque baseia a importância moral dos animais nos interesses dos animais e não no seu valor intrínseco. Ora nada garante que, numa perspectiva imparcial, os interesses dos animais sejam suplantados pelos interesses dos humanos como pode acontecer no caso das experimentações médicas para combater doenças.  Para Regan os animais têm valor independentemente da utilidade que possam ter na satisfação dos interesses de outros. O valor de uma animal não pode depender da sua utilidade. Não lhe parece que isso seja claro na perspectiva utilitarista porque o que conta é a maximização do interesse geral.  Se os fins justificam os meios alguém tem de “pagar a factura”. A única obrigação na perspectiva utilitarista é maximizar a satisfação dos interesses dos envolvidos.
A teoria utilitarista na versão a que Regan se refere não reconhece valor intrínseco aos indivíduos – estes não têm valor em si mesmos e por isso não têm direitos – mas unicamente atribui valor aos interesses dos indivíduos. Ora o princípio de utilidade considera obrigatório que:
 1. Consideremos imparcialmente os interesses de todos os envolvidos;
2. Escolhamos a ação que maior probabilidade tem de produzir o melhor resultado para os que por ela são afectados.
Há aqui um problema: a ação é avaliada pelo seu valor utilitário para a maioria dos envolvidos. Isto abre espaço para ações que, em nome do bem – estar geral, os animais possam ser usados e sacrificados em nome da maximização dos interesses ou do melhor resultado global. Uma teoria justa sobre o valor dos animais – e também das pessoas - não pode basear – se na ideia de que o valor de cada animal depende da utilidade que tenha para outros seres. Tem de admitir que todos os “sujeitos de uma vida” têm valor em si mesmos. O que conta são os indivíduos em si mesmos e não o interesse geral. Não reconhecendo valor intrínseco aos animais, o utilitarismo de Singer não é uma boa teoria para defender a sua importância e valor morais.
13. Que consequências práticas derivam da teoria de Regan?
R: Para Regan é moralmente errado tratar os animais em função dos nossos interesses. A ideia de imparcialidade na ponderação dos resultados de uma ação é rejeitada porque um prejuízo é um prejuízo. Mesmo que os prejuízos que possamos causar aos animais possam ser compensados por um número maior de benefícios globais(distribuídos de maneira imparcial) isso está errado Porquê? Porque todos os sujeitos de uma vida possuem igual valor e por isso têm de ser tratados com igual respeito.
Enquanto a teoria de Singer era tendencialmente abolicionista de certas a que sujeitávamos os animais, a teoria de Regan, por se basear na ideia de direitos, é declaradamente abolicionista. O nosso bem – estar ou o bem – estar geral pode diminuir se, por exemplo, acabarmos com a utilização de animais em pesquisas contra doenças mas isso é o que moralmente está certo. Os nossos interesses não são razão para violar direitos. E os animais têm direitos iguais. Não usamos pessoas em experimentações médicas porque julgamos que não as podemos colocar ao serviço dos nossos interesses por mais importantes  que eles sejam. E não as usamos porque reconhecemos que são sujeitos de uma vida. Mas os animais também o são. Impõe – se que sejamos consequentes e não usemos os animais porque nos convém.
Se é contundente na denúncia destes abusos, Regan ainda mais o é no casos da utilização dos animais em espetáculos como o circo, as touradas, a caça recreativa. Escusado será dizer que matar animais para os comer é o atentado mais gritante contra os direitos dos animais.
14. Resuma a posição de Cohen sobre o problema dos direitos dos animais.
R: Eis o argumento de Cohen:
1.Só faz sentido falar de direitos entre seres que pertencem a uma comunidade moral que entenda que entenda que são reivindicações legítimas dos seus portadores.
2.A comunidade moral é constituída por seres que sabem que os direitos estão ligados a obrigações morais e que compreendem que uma coisa são os seus interesses e outra o que é correcto e justo.
3.Os seres humanos possuem estas capacidades de compreensão da vida moral.
4.Os animais não possuem a capacidade de compreender a ligação entre deveres e direitos e de aplicar e agir segundo regras morais.
5. Os animais não fazem por isso parte da comunidade  moral.
6.Como só quem faz parte dessa comunidade pode ter direitos não é moralmente errado usar os animais de acordo com o nosso interesse.
15. Considere a seguinte afirmação: “ A posição de Cohen contra a ideia de que os animais têm direitos não é especista”. Está de acordo?
R: À primeira vista podemos pensar que não há especismo. Com efeito, o especismo consiste em defender que temos obrigações a respeito dos membros da nossa espécie porque são membros da nossa espécie. Cohen defende que não temos deveres em relação aos animais não porque não sejam da nossa espécie mas porque não fazem parte da comunidade moral. Contudo, mais tarde perante o problema de como tratar seres humanos que não têm capacidade moral, Cohen acaba por ser especista porque afirma que eles pertencem a essa comunidade porque são humanos. Falta coerência nesta introdução dos humanos não – capacitados e na exclusão dos animais dada a similaridade das condições.
16. Leia o texto seguinte:
          Os conceitos de certo e de errado são completamente estranhos aos animais, não sendo concebível que estejam ao seu alcance ou que lhes sejam aplicáveis. Quando usamos animais em investigações devemos, pois, proceder humanamente — mas nunca poderemos violar os direitos dos animais porque, para falar sem rodeios, eles não têm nenhum direito. Os direitos não se lhes aplicam.
Carl Cohen, Os Animais Têm Direitos?

16.1.Está de acordo com o argumento de Cohen?
R: Parece claro que os animais não têm capacidade de compreensão moral, não agem segundo regras morais e não sabem que há reciprocidade entre direitos e deveres. Contudo, podemos objectar que uma pessoa em estado de senilidade avançado também perdeu essa capacidade. Deixamos de sentir  obrigações em relação a essa pessoa? Não. Isso significa que uma coisa é ela compreender direitos outra é que esses direitos não lhe sejam aplicáveis. São – no. Então que razão lógica temos para recusar direitos aos animais? Não será que à pessoa em causa lhe reconhecemos valor intrínseco e por isso a tratamos com respeito? Mas dado este facto que razão temos para recusar igual tratamento aos animais? São ambos pacientes morais se adoptarmos a perspectiva de Regan. Parece que não ser membro da comunidade moral não retira a um ser dignidade moral e não nos dispensa de obrigações morais a seu respeito: há agentes morais e pacientes morais: O que têm em comum? Serem dignos de respeito. Assim sendo, os animais e os humanos estão, deste ponto de vista, no mesmo barco. Há igualdade de direitos embora haja interesses e direitos diferentes.
17.Leia o texto seguinte:
Se Regan tiver razão quanto ao estatuto moral dos ratos, nós, seres humanos, não poderemos ter alguma vez o direito de os matar – a não ser que, por acaso, um rato ataque uma pessoa ou um bebé humano, o que acontece por vezes; nessa situação, suponho que o direito à autodefesa poderá fazer a diferença. Mas não se pode descrever honestamente uma investigação médica como um caso de autodefesa, e as investigações médicas exigem que se matem muitos ratos. Logo, as investigações médicas que dependam do uso de ratos ou outros animais terão de acabar.
Carl Cohen, Os Animais Têm Direitos?
17.1. Está Cohen de acordo com Regan quanto ao fim das investigações médicas com animais?
R: Não. Cohen retira da tese de Regan uma conclusão com a qual não está de acordo. Apesar de reconhecer que os direitos são para ser respeitados, não admitindo que os animais tenham direitos conclui que não há nada de errado com as experimentações científicas com animais. Estas são permissíveis e a senciência – a capacidade de sentir dor e prazer – unicamente serve para evitar sofrimento desnecessário mas não para impedir sofrimento em nome de valores mais altos.

18. Elabore uma breve dissertação sobre o estatuto moral dos animais referindo os autores estudados e pronunciando – se sobre a teoria que julga mais razoável e plausível.
1. Formule o problema.
2. Esclareça o conceito de senciência e se os autores estudados estão todos de acordo com ele.
3. Mostre o peso que esse conceito tem em cada autor e a que diferentes conclusões conduz.
4. Procure mostrar as limitações de cada uma das teorias e qual a que lhe parece mais razoável.