FICHA DE TRABALHO SOBRE O FILME “O APEDREJAMENTO DE SORAYA M”
Estamos no ano de 1986, no poeirento e desolado vilarejo de
Kuhbpayeh, no coração do Irão onde o jornalista franco-iraniano Freidoune
Sahebjam (que na vida real é o autor do livro que deu origem ao filme),
para acidentalmente procurando encontrar alguém que conserte o seu carro.
Então, inesperadamente, é descoberto por Zahra, uma mulher que é
considerada louca pelos homens do vilarejo, por insistir que aquele lugar e os
seus habitantes escondem um segredo nefasto. Através de um bilhete, Zahra
combina um encontro secreto com o jornalista em sua casa. Aí começa a narrar os
acontecimentos pedindo que Freidoune registe tudo no seu gravador
para que o resto do mundo saiba o que se passou no dia anterior.
A dedicada e fiel Soraya (sobrinha de Zahra) era casada com Ali,
um homem violento e machista, que através de um pacto com um mulá
de passado duvidoso tenta convencer a esposa a conceder-lhe o
divórcio para que ele possa se casar com Malaka, uma moça de 14 anos de
idade. O motivo: o pai da menina condenado à morte por crime, havia prometido a
Ali que lhe daria a sua filha em casamento se este conseguisse livrá-lo da
sentença.
FICHA DE TRABALHO
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1.Encontre
no filme exemplos de diversidade cultural, ou seja, de práticas e crenças
diferentes daquelas próprias da sociedade em que vive.
2. Segundo o relativismo cultural há princípios éticos universais?
Porquê?
3. Segundo o relativismo cultural há ações erradas em si mesmas,
objectivamente erradas? Justifique.
4. Negar que acerca de questões morais haja verdades objectivas é pelo
relativista cultural visto como uma vantagem. Porquê?
5. Que direitos fundamentais foram violados no caso de Soraya?
6.Em nome dos direitos humanos, reconhecemos que Soraya tem um
conjunto de direitos que não devem em circunstância alguma ser violados. Na perspectiva relativista, basta uma
sociedade instituir como “normal” um certo conjunto de práticas para que
tenhamos de as respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e
normas de comportamento culturalmente de outras culturas. Estas duas posições
são conciliáveis?
7. Muitas pessoas dirão que ao assistir ao
Caso Soraya temos razões suficientes para rejeitar a ideia de que o
relativismo cultural promove o diálogo entre culturas. Esta ideia é correta?
8. Tente argumentar a favor da seguinte tese: “É inaceitável que
alguém que uma pessoa seja apedrejada até à morte”.
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Como Soraya recusa dar o divórcio, o mulá propõe-lhe um
casamento temporário (um tipo de união considerado por muitos como uma
afronta), prometendo ajuda financeira a Soraya e às suas duas filhas. Na
verdade Soraya tem quatro filhos, dois meninos, que são instigados
pelo pai a rejeitá-la, e duas meninas que são praticamente
negligenciadas. Durante o filme, Ali dá mostras do seu caráter torpe
espancando Soraya, pelos motivos mais ínfimos, como uma louça quebrada e
comparando-a negativamente com a pretendente mais jovem. Não bastante,
exibe-se num carro desportivo acompanhado de outras mulheres, enquanto recusa
dar o dinheiro para a esposa comprar comida para os filhos.
Um dos seus vizinhos, o mecânico Hashem, fica viúvo.
Aproveitando o facto, o mulá, o juiz do vilarejo e Ali tentam convencer
Soraya a trabalhar na casa do viúvo, ajudando - o a cuidar do seu filho que
perdeu a mãe. Trata – se de uma armadilha. Este novo trabalho da esposa, é
para Ali a oportunidade ideal para acusá-la de ser adúltera e assim conseguir
livrar - se dela da maneira mais cruel possível: a morte por apedrejamento. E o
seu mau caráter vai além, afirmando que se Soraya morrer não terá de lhe
pagar nenhuma pensão. A primeira pessoa a
aperceber - se do terrível objetivo de Ali e seus acólitos é justamente
Zahra, que começa a ouvir os mexericos sobre a suposta infidelidade
da sua sobrinha.
Ali, que já conta com o mulá e o juiz da aldeia, só precisa de
mais uma falsa-testemunha para incriminar Soraya. Como não tem ninguém a quem
recorrer, usa as mais cínicas ameaças e coerções para convencer o viúvo Hashem
a contar uma mentira: que ao trabalhar em sua casa Soraya, também se teria
envolvido em relações sexuais com ele.
Com esta acusação, Ali tem tudo para arrastar a indefesa Soraya
pelas ruas com socos e pontapés. Mas a corajosa tia Zahra consegue tirá-la das
mãos do marido e levá-la para sua casa. Enquanto se prepara o julgamento
forjado com as falsas testemunhas, Zahra tenta encontrar uma forma de fugir com
Soraya. Mas do vilarejo, cercado por todos os lados é impossível fugir.
Zahra insiste até ao último momento em provar a inocência de
Soraya, e está disposta até mesmo a morrer em seu lugar.
Mas condenação é inevitável e o cenário do apedrejamento é montado.
Todos os vizinhos estão presentes - inclusive o pai de Soraya que foi
manipulado e convencido a repudiá-a. Será ele
a atirar a primeira pedra. A “intervenção divina”, parece provar a
inocência de Soraya quando ele erra três vezes seguidas o alvo das pedras.
Então, Ali decide entrar em ação e acertar as primeiras pedradas. Obrigando os
seus dois filhos a fazerem o mesmo. Cada pedrada parece revelar o verdadeiro
sentimento das pessoas presentes no cruel espetáculo, enquanto a inocente
Soraya enterrada até a cintura, vestida de branco como um anjo, tem suas vestes
tingidas de vermelho pelo sangue e agoniza até a morte.
CORREÇÃO DA FICHA DE TRABALHO SOBRE O FILME “O APEDREJAMENTO DE SORAYA M”.
1. Encontre no filme exemplos de diversidade cultural,
ou seja, de práticas e crenças diferentes daquelas próprias da sociedade em que
vive.
R: A condição de inferioridade da mulher é a
que mais chama a atenção. As mulheres
não têm acesso a nenhum cargo de decisão, a sua vida é governada pela vontade
arbitrária dos homens. A inferioridade é tal que, no caso do divórcio entre Ali
e Soraya, só a guarda dos rapazes a este interessa. Que uma moça de catorze
anos possa ser oferecida em casamento para pagar um favor feito ao pai é mais
uma ilustração dessa condição inferior e subalterna. São os homens que julgam,
são os homens que decidem. Outro exemplo é o da ideia de recato: uma mulher
deve cobrir o rosto quando fala com um homem ou passa por um grupo de homens. A
ideia de que o adultério é um crime moral e social punível com a morte é outro
exemplo de diversidade cultural porque em Portugal e em outros países nem a
moral nem o direito o consideram crime e muito menos está legislado que deve
ser objeto de medidas legais coercivas.
2.
Segundo o relativismo cultural há princípios éticos universais? Porquê?
R:Não porque a discórdia acerca do
certo e do errado é universal. Assim sendo, não há verdades morais objectivas,
não há ações erradas em si mesmas. Cada sociedade é que de acordo com os seus
padrões culturais define o que é correto ou incorreto. De sociedade para
sociedade uma mesma ação pode ser objeto de diferentes avaliações morais.
3.
Segundo o relativismo cultural há ações erradas em si mesmas, objectivamente
erradas? Justifique.
R: Não. Na perspectiva relativista, não se
pode dizer sem mais A escravatura é moralmente errada. O que podemos
dizer é Numa dada sociedade a escravatura é moralmente errada e Numa
sociedade diferente - com crenças morais diferentes - a escravatura não é
moralmente errada. Não há verdade ou falsidade sobre a escravatura
independentemente do que cada sociedade pensa sobre a escravatura.
4.
Negar que acerca de questões morais haja verdades objectivas é pelo relativista
cultural visto como algo positivo. Porquê?
R: Para o relativista
cultural é a aprovação social e cultural que determina que práticas são
correctas ou não. O que uma sociedade acredita ser correto ou incorreto
constitui o critério último do que é moralmente certo ou errado (cada sociedade
tem as suas verdades morais e nenhuma está errada). «Nenhuma cultura é
proprietária exclusiva da verdade» e «Nenhuma cultura está errada». Assim,
nenhuma sociedade pode dar lições de moral a outra. Isto segundo a tese
relativista tem a vantagem de promover a tolerância intercultural. Se duas sociedades
têm diferentes crenças acerca de uma questão moral, o relativista conclui que
então ambas as crenças são verdadeiras. A cada cultura a sua verdade e isso
deve ser respeitado. Para o R.C.
devemos julgar as ações dos membros de uma sociedade pelas normas morais
estabelecidas no interior dessa sociedade e não mediante as crenças morais de
outras sociedades. Segundo o R.C.,
cada cultura vê a realidade com óculos de diferentes cores mas nenhuma tem o
direito de dizer que a sua visão é a única apropriada. Quando se trata das
crenças e práticas morais de outras sociedades, devemos tentar usar os óculos
que os membros dessas culturas usam. Dizer que algumas práticas morais de certas culturas são
intrinsecamente erradas – erradas em si mesmas – é, para o R. C. sinal de
preconceito cultural: julgamos que algumas culturas (normalmente a nossa) são,
moralmente falando, melhores e mais evoluídas do que outras. Os relativistas
argumentam que tal atitude é etnocêntrica. O etnocentrismo é a atitude que consiste
em julgar os padrões culturais de outras sociedades tendo como termo de
comparação os nossos.
5.
Que direitos fundamentais foram violados no caso de Soraya?
O direito à vida e à preservação da
integridade física parecem os mais evidentes mas podemos acrescentar o direito
a um julgamento justo – se admissível neste caso – e imparcial. Tudo isto foi flagrantemente desrespeitado.
6. Em nome dos direitos humanos, reconhecemos que Soraya tem um
conjunto de direitos que não devem em circunstância alguma ser violados. Na perspectiva relativista, basta uma sociedade
instituir como “normal” um certo conjunto de práticas para que tenhamos de as
respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e normas de
comportamento culturalmente de outras culturas. Estas duas posições são
conciliáveis?
R: Não. Uma defende que temos direitos que
nos pertencem simplesmente por sermos humanos e a outra defende que, dado que
cada cultura põe e dispõe, só temos os direitos que cada sociedade nos atribui
e reconhece. Reconhecer que há direitos humanos é negar que as
práticas e tradições de uma cultura
sejam intocáveis : há valores que estão acima de qualquer tradição
cultural. Para o relativista cultural não havendo valores
morais universais só temos os direitos atribuídos pela cultura a que
pertencemos. A Declaração universal dos Direitos Humanos defende que não temos
só os direitos que a cultura a que pertencemos nos concede.
7.Muitas
pessoas dirão que ao assistir ao Caso Soraya temos razões suficientes para
rejeitar a ideia de que o relativismo cultural promove o diálogo entre
culturas. Esta ideia é correta?
R: Parece que sim.
O R.C. afirma que aquilo que uma sociedade
pensa ser moralmente correto é moralmente correto para ela e nada há a fazer a
não ser respeitar. Ora, no caso do apedrejamento de Soraya estamos perante
comportamentos claramente inadmissíveis à luz dos direitos humanos. A
indignação de outras culturas perante o acontecido e a reação furiosa das
autoridades iranianas acusando os estrangeiros de ingerência, são sinal de que
o R.C. não fornece uma base para o diálogo intercultural. Como entender o
diálogo entre culturas se o R.C. nos parece convidar a uma aceitação passiva do
que cada sociedade considera ser moralmente bom? Nenhuma cultura tem práticas
erradas? Por que razão, dirão os relativistas culturais, não adoptar o
princípio Viver e deixar viver,
deixando cada cultura estabelecer o que considera moralmente correto e
adequado? Porque, como o mostra o Caso Soraya, isso é deixar cada pessoa à
mercê do arbítrio das ideias dominantes em cada cultura, sem qualquer proteção.
8. Tente
argumentar a favor da seguinte tese: “É inaceitável que alguém que alguém seja
apedrejados até à morte”.
R: Para o RC a aprovação de uma dada cultura é o que torna moralmente certa
ou boa uma ação. Cada cultura define o certo e o errado e cada um de nós sabe
se age bem ou mal verificando se a ação está ou não de acordo com o código
moral estabelecido pela sociedade. Ora isto implica que cada cultura é
moralmente infalível. O que por sua vez implica que os indivíduos não podem
discordar do que está estabelecido e ter razão. Esta tese parece profundamente
contra - intuitiva.
Será que não podemos censurar determinadas práticas
culturais?
O relativismo cultural
implica que nunca podemos criticar as práticas aceites noutras sociedades?
Parece difícil e até moralmente censurável que adotemos uma atitude de quase
indiferença perante o sofrimento de pessoas submetidas a certos costumes
culturais. Se condeno o apedrejamento como forma de punir o adultério,
aceitarei que me digam que a minha indignação é sinal de intolerância e de
incompreensão dos valores de cada cultura? Como defender os indivíduos de
sociedades diferentes da nossa da prepotência dos seus governos, da tortura, e
de práticas cruéis?
Parafraseando James Rachels, condenar uma
prática em particular não é dizer que uma cultura é no seu todo desprezível ou
inferior a qualquer outra cultura, incluindo a nossa. Pode mesmo ter aspectos
admiráveis. Na verdade, podemos considerar que isto é verdade no que respeita à
maioria das sociedades humanas – são misturas de boas e más práticas. Acontece
apenas que o apedrejamento é uma das más, objetivamente errada.
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