quarta-feira, 30 de março de 2011

ACTIVIDADES SOBRE O CONCEITO DE ARTE


ACTIVIDADES
O QUE TORNA ARTÍSTICA UMA OBRA?

Por que razão muitos dos objectos que resultam da imaginação e da acção produtiva dos seres humanos não são considerados obras de arte? O que faz com que um determinado objecto (ou acção) seja considerado artístico?
O que aqui está em causa é a possibilidade de dar uma definição de arte. E tal como a criação artística desafia toda e qualquer explicação, a arte também parece desafiar qualquer tentativa de definição (na verdade, dada a pluralidade de artes uma definição válida teria de se aplicar a todas as coisas que dizemos artísticas evidenciando o que têm em comum).
Então o que faz com que uma coisa seja considerada artística e outra não? Apesar da dificuldade várias respostas foram dadas:

a) A verdadeira obra de arte é reconhecível pelo facto de provocar uma emoção estética independente de qualquer interesse ou utilidade prática e completamente diferente das emoções quotidianas e vulgares.
          Em virtude de certas propriedades (organização e harmonia dos elementos, equilíbrio entre as partes e o todo), um objecto pode provocar a referida emoção, que o torna genuinamente artístico. Esta perspectiva transforma a questão «O que é a arte?» na questão «Quando há arte?».
b) A verdadeira obra de arte não tem um propósito específico ou definido: não é um simples meio para um fim, nem edificante ou educativo nem recreativo nem utilitário.

c) A verdadeira obra de arte é aquilo que os artistas, os críticos de arte, os coleccionadores de arte consideram ser tal. Obra de arte é o objecto que as pessoas familiarizadas com arte consideram possuidor de qualidade artística.

Tendo em conta estas perspectivas, analise-as criticamente. Qual delas é a mais aceitável? De que objecções podem ser alvo?
Para eventualmente motivar a sua reflexão leia atentamente o texto seguinte:

«Em 1917 Duchamp, já então artista consagrado, concorreu a uma exposição da Society of the Independent Artists com um urinol intitulado a Fonte e assinado com o nome de R. Mutt. A Society pugnava pela abertura a novas formas de arte e o fito de Duchamp era provocatório. Esperava, com esta obra, pôr em cheque os membros da sociedade colocando-os perante o dilema de aceitar ou não como arte um objecto que não tinha sido feito para ser arte. Era o próprio conceito de arte que estava em jogo. No entanto, a sua expectativa saiu frustrada, porque a Fonte não foi, nessa altura apresentada ao júri. Diz-se que os empregados da Society não identificaram aquele objecto como fazendo parte das obras de arte a serem apreciadas e arrumaram-no na cave. Hoje, a Fonte ocupa um lugar de destaque nos museus de arte contemporânea.

Depois desta sucederam-se permanentemente situações em que o estatuto de obra de arte de um objecto é cada vez mais indeterminado. Em qualquer história de arte contemporânea são obrigatoriamente referidas. Do que se passou entre nós, referimos um exemplo. Em 1977, a exposição de Alberto Carneiro, na Galeria Quadrum, constava de uma única pedra rolada trazida de uma ribeira de Trás-os-Montes.
Depois da exposição, a pedra foi reposta na mesma ribeira.
Enquanto esteve na exposição foi uma obra de arte, depois que foi reposta na mesma ribeira deixou de o ser.» 


Carmo d’Orey, O que é a Arte? ou Quando Há Arte?, Análise, 14, p. 69, 1990

ACTIVIDADES SOBRE O CONCEITO DE ARTE COMO IMITAÇÃO


ACTIVIDADES SOBRE O CONCEITO DE ARTE COMO IMITAÇÃO

Considere as seguintes informações:
Tese: A arte é imitação da realidade.
                                          Antítese: A arte não é cópia da realidade.
Problema: Será que a obra de um artista deve imitar a realidade para ser uma obra de arte?

1
Que resposta dão os artistas seguintes ao problema acima enunciado?

— “Não se pode imitar aquilo que se quer criar.” (Georges Braque)
— “Escrever não é descrever, pintar não é representar.” (Georges Braque)
— “A arte não reproduz o visível: torna visível.» (Paul Klee)
— “Não há serpente nem monstro odioso que pela arte imitada não se torne agradável.” (Boileau).
— “A natureza não tem imaginação.” (Baudelaire)
— “O artista é o peregrino em busca de domínios imateriais.” (Kandinsky)
— “O pintor não deve simplesmente pintar o que está perante si, mas sobretudo o que vê em si mesmo. Mas, se nada vê em si próprio, que deixe de pintar também o que vê fora de si.” (Caspar David Friedrich)


II
Que resposta dão os autores dos textos seguintes ao problema acima enunciado? Mostre, em cada texto, qual é a tese defendida e os argumentos em que se baseia. Está de acordo?
1
«As representações artísticas da realidade “transfiguram-na” aos nossos olhos, não se limitam a “representá-la”: apresentam-na sob novos aspectos, criam novas maneiras de a ver. Gombrich sublinha que os artistas (mesmo os mais “realistas”) não se limitam a copiar a realidade, mas que também a criam.
Platão tinha uma opinião negativa acerca da arte pictórica, comparando-a a um simples espelho do mundo e sustentando que os pintores nada mais faziam do que copiar aparências ou imagens visuais. Esta atitude baseia-se no “mito do olhar inocente”, menosprezando o facto de que qualquer olhar corresponde a ver como isto ou aquilo. Menospreza também o facto correspondente de que, para representar, o artista tem de “isolar e de seleccionar” e de que ao fazê-lo impõe a sua visão ao nosso mundo criando de novo para nós o nosso mundo.
É útil lembrarmo-nos neste momento de que grande parte das pinturas “representativas” da arte ocidental não pretenderam copiar a realidade. E isso não se deve ao facto de que aquilo que representavam eram pessoas ou eventos que eles não viram ou não podiam ter visto. O que eles representaram foram coisas passadas embora assumidas como reais (todas as cenas da Bíblia, Sócrates a tomar a cicuta ou a falar aos seus discípulos), coisas pertencentes a um tempo futuro (todas as cenas do Dia do Juízo Final) ou simbólicas (os quatro cavaleiros do Apocalipse) ou, com maior ou menor extensão, imaginárias ou inventadas (tais como Rake’s Progress ou cenas descrevendo batalhas ou outros eventos que se deram durante uma guerra). Os artistas podem ter assistido a esses acontecimentos, mas na maior parte dos casos não puderam fazê-lo. Ao representarem tais acontecimentos e pessoas, os artistas tiveram de escolher uma forma particular de os representar, uma forma parcialmente moldada pela sua imaginação criadora.
Mesmo em retratos ou em quadros sobre pessoas que se pode supor terem sido “copiados da realidade (no sentido em que o artista teria perante si a pessoa a ser retratada), as pessoas são orientadas para posarem de um certo modo, num determinado ambiente, etc. Aqui, uma determinada visão da realidade é criada mesmo antes de ser “copiada”.»

Rosalind Hursthouse, Truth and Representation Blackwell, pp. 275-279


2
«A grandeza do artista, o carácter revolucionáro da sua acção, consiste em libertar-nos do que é familiar. O artista é capaz de representar o que nenhuma máquina fotográfica pode captar: as imagens que um homem tem na sua cabeça. Nenhum aparelho está ao nível da flexibilidade e dos recursos da mão humana, sem falar das imensas possibilidades imaginativas do cérebro. O pintor dá-nos olhos novos, olhos graças aos quais descobrimos aspectos da realidade com os quais nem sequer sonhávamos. De facto, esses aspectos não estavam lá antes de o artista os criar por meio da transformação a que submete a realidade. Já não vemos uma montanha ou uma bandeja com fruta do mesmo modo que os nossos antepassados porque Cézanne mostrou-nos como ele os via e, assim, ensinou-nos um modo totalmente novo de ver essas coisas. Depois de Claude Monet ter libertado o nosso olhar, uma pradaria, uma catedral ou um rio aparecem-nos em cascatas de luz e de tons de que os nossos predecessores não sabiam aperceber-se.
Cada artista transmite a sua visão pessoal… destinada a transformar a nossa. Não nos resta senão maravilhar-mo-nos com o carácter miraculoso e único da visão artística, com a extraordinária variedade de modos de ver o mundo que nos rodeia.»

Léo Rosten, Stories behind the painting Cowles Communication, New York, 1962


III

 

Que posição queria exprimir o autor destes quadros acerca da produção artística e da relação entre a arte e a realidade? Que a obra de arte é uma imitação das coisas? Justifique.

IV

Por que razão não podemos de modo algum considerar que as seguintes obras de arte são cópias ou imitações da realidade? 


   
    

A ARTE E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E TECNOLÓGICA


A Arte e a Transformação Social e Tecnológica


Fala-se de “crise da arte” para designar a situação das artes na sociedade contemporânea. O estatuto da arte foi no século XX e é actualmente muito diferente do de séculos anteriores. A crise contemporânea das artes – que vai a par de um fortíssimo dinamismo – significa, para muitos, que os valores e os critérios de avaliação artísticos se tornaram voláteis, indefinidos e inseguros: produz-se muito, mas é cada vez mais difícil distinguir o artístico do não-artístico. Dois factores decisivos contribuíram para o surgimento deste sentimento de crise: 1 – Os movimentos vanguardistas no campo da arte; 2 – A influência na produção artística das inovações tecnológicas dos dois últimos séculos.


Os Movimentos Vanguardistas no campo da Arte


Surgindo no início do século XX, os movimentos de vanguarda (de que são exemplo o dadaísmo e o surrealismo) caracterizam-se pela radical rejeição dos valores estéticos vigentes e manifestam uma acentuada predilecção pelo puro experimentalismo. Esta última tendência transforma-se no único valor reconhecido pelos vanguardistas que assim pensam impedir a constituição e consolidação de um novo sistema de valores, destruído que foi o sistema vigente.


A Influência das Inovações Tecnológicas na Produção Artística


Os avanços tecnológicos e científicos dos finais do século XIX e dos princípios do século XX, tornaram possível um fenómeno a que os teóricos da arte deram o nome de “reprodução mecânica da obra de arte”. As obras de arte, a partir de então, podiam ser reproduzidas ou copiadas em grandes quantidades. O gramofone e o giradiscos a seguir permitiram a muitas pessoas experimentar tantas vezes quantas as desejadas o prazer de escutar uma peça musical (de Bach, de Mozart, etc.) sem necessidade de ir a uma sala de concertos. Grandes obras da pintura podiam graças à fotografia ser apreciadas sem que fosse necessário ir a museus. Novos espaços começaram a competir com os lugares tradicionais da experiência artística: a arte saía dos museus e das salas de concertos para entrar nos bares, nas casas e em outros novos lugares. Assiste-se ao fenómeno da “massificação” da arte, à influência poderosa da cultura de massas sobre a arte.

Um dos primeiros pensadores a reflectir sobre esta mudança e a propor uma interpretação global para esta nova era na história da arte foi o filósofo alemão Walter Benjamin. Num célebre ensaio, A obra de arte na época da sua reproductibilidade técnica, Benjamin reflecte sobre o significado e implicações das novas mudanças tecnológicas quanto ao estatuto da obra de arte. Segundo este autor, as obras de arte tradicionais e o modo tradicional de as contemplar e experimentar viram alterado o seu estatuto e condições. As obras de arte anteriores à época da “massificação” tinham aquilo que Benjamin denomina “aura”, isto é, uma espécie de presença espiritual decorrente do seu carácter único e irrepetível. A obra de arte aparecia ao espectador como um objecto único, irrepetível, dela emanando algo especial a que Benjamin deu o nome de “aura”. Quando alguém contemplava, por exemplo, um quadro de um pintor famoso tinha consciência de estar a viver uma experiência estética que só aquele quadro lhe podia oferecer e mais nenhum outro porque realmente só havia esse quadro.

A reprodução técnica em série da obra de arte provoca inevitavelmente a perda desta “aura”. Dá-se uma espécie de dessacralização da obra artística.

Outro filósofo alemão, Theodor Adorno, exprime na sua análise da intervenção técnica na produção artística um desencanto ainda maior do que Benjamin. Para Adorno vivemos na época da “indústria da cultura” que ameaça reduzir a obra de arte a simples mercadoria, a objecto de consumo sujeito à lei da oferta e da procura. A consequência da industrialização da arte é, para Adorno, muito negativa: impõe-se uma “cultura artística” de massas que só valoriza a obra que vende e é consumida pelo maior número possível de pessoas. As obras de arte deixam de ser fontes de conhecimento, e de transfiguração, transformando-se em simples objectos de entretenimento e de evasão. Desvalorizada, a arte torna-se espectáculo (as indústrias cinematográfica e televisiva são, para Adorno, as formas mais flagrantes de redução da arte a espectáculo).

A industrialização da arte implica a existência de um mercado de consumidores dos produtos artísticos. Exige-se da arte que seja popular, que agrade ao maior número. Apesar de fortes resistências, o “grande-público” parece ter a última palavra nas questões artísticas. Por outro lado, a linguagem artística penetra em cada vez mais sectores da actividade humana (por exemplo, na moda, na
publicidade) procurando novos espaços de expressão. Daí decorre que se a definição de arte sempre foi difícil agora mais complicada se torna porque não se consegue delimitar o âmbito da actividade artística. O estilo e o ritmo de vida actuais parecem incompatíveis com o esforço e o tempo necessários a uma atitude contemplativa: o público pede experiências novas e diferentes que o emocionem ou até o provoquem, desde que a mensagem artística chegue depressa.

A grande questão actual segundo alguns teóricos é esta: deve a arte optar entre uma cultura de massas que a reduz à função de dar espectáculo e uma cultura elitista própria de uma minoria que se considera esteticamente instruída? Esta minoria recusa-se a aceitar a redução da arte a entretenimento superficial e faz a apologia do artista que trabalha tendo em conta um restrito círculo de especialistas que o consagram. “Arte dirigida às massas” (que acaba com a velha fronteira entre artes úteis e belas artes) ou “arte para as elites”, eis a questão.


PARA PENSAR
1 – Pode afirmar-se sem problemas que a função exclusiva das obras de arte é serem objecto de contemplação estética?
2 – A arquitectura é uma das “belas artes”. Mas será que só satisfaz finalidades estéticas? Porque não considerar artistas os oleiros, os ourives e os carpinteiros?
3 – A distinção entre arte e artesanato é legítima? Os artesãos não são também produtores de beleza?
4 – O século XX foi considerado o século da “democratização da arte”. Procura esclarecer esta expressão e quais os efeitos do referido facto.



A INTERPRETAÇÃO DA OBRA DE ARTE

A Interpretação da Obra de Arte


Por meio de obras de arte o artista comunica com os outros seres humanos. A obra de arte pode assim ser considerada uma mensagem. Esta é portadora de sentido e é veiculada sob a forma de linguagem (sonora, visual, verbal).
Ora, o que frequentemente se verifica é que a mensagem artística se manifesta numa linguagem simbólica.
Em termos gerais, um símbolo é uma espécie de signo que tem um poder expressivo que, em parte, depende da imaginação do ser humano.  É uma realidade perceptível pelos sentidos e mediante a qual expressamos outra realidade. Eis alguns exemplos:

Realidades simbolizadas                              Símbolos
1.O amor                        Uma rosa, o desenho de um coração…
2.A justiça                     Uma balança…
3.A liberdade                Voo do pássaro, grades desfeitas…
4.A paz                           Pomba branca, mãos dadas…

A comunicação artística utiliza signos linguísticos (literatura), sonoros (música), visuais (artes plásticas, cinema, fotografia) e o que especificamente caracteriza essa comunicação é que tais signos se transformam em plurissignos, isto é, em símbolos. Os símbolos, e sobretudo os símbolos na linguagem artística, são signos polissémicos e plurivalentes1.

A linguagem artística, ao contrário da linguagem quotidiana e da linguagem científica, não é informativa ou explicativa: é plurissignificativa, isto é, rica em significações e conotações. Aqui reside o seu poder sugestivo — será tanto mais intenso quanto maior for a nossa capacidade de interpretação, de associação e de inter-relação simbólica. Neste sentido, a obra de arte é uma obra aberta a diversas leituras que, embora diferentes, não se anulam umas às outras e que, inclusive, podem ser realizadas, em diferentes momentos, por uma mesma pessoa.

A avaliação estética de uma obra de arte exige não só uma análise formal e técnica, mas também uma análise dos conteúdos que tenha em conta o seu carácter simbólico1, isto é, a sua riqueza significativa.

Escolhemos a pintura como manifestação artística na qual a nossa reflexão se vai centrar.

1 Uma vez que a distinção entre signo e símbolo é polémica, entenda-se esta noção de símbolo como meramente metodológica e operatória.

Certas correntes actuais como a hermenêutica e a semiótica salientam que o conteúdo de uma obra de arte é esteticamente tanto mais valioso quanto maior for a sua capacidade de sugerir significações, isto é, de abrir potenciais simbólicos. A obra de arte é tendencialmente aberta e comunicativa. Ora da sua capacidade de comunicação depende em grande parte a sua durabilidade, o seu poder de interpelar, seduzir e cativar não só os contemporâneos como os vindouros. Para além do que uma obra mostra da técnica, do estilo e das concepções formais do artista, importa que ela seja capaz de gerar níveis de comunicação simbólicos.
Muitas obras de arte contêm um grande conjunto de elementos simbólicos, isto é, de objectos que não valem só por si mesmos, mas que representam conceitos, ideias e seres cujo sentido não é imediatamente dado e que compete ao receptor da obra descodificar. É evidente que há obras com uma rede simbólica complexa que a tornam objecto de múltiplas interpretações e outras cuja riqueza simbólica será, por assim dizer, produzida pela própria interpretação, isto é, pela imaginação e entendimento do contemplador. Em termos ideiais, a “leitura” de uma obra pictórica implicaria que estudássemos:

a) A sua dimensão técnico-formal
            — Materiais utilizados
— Tratamento de elementos como a cor, o desenho, a luz, a perspectiva
            — A composição

b) A sua dimensão simbólica ou sugestiva

c) Elementos exteriores à obra artística
— Conhecimento da história da pintura
— Conhecimento da época em que o artista viveu: das transformações históricas, filosóficas, científicas e técnicas, da mentalidade dominante
— Conhecimento de outras obras do artista e da sua evolução criativa
— Conhecimento da interpretação que o próprio artista  obra em geral
— Conhecimento das suas concepções sobre a natureza e a função da obra de arte
— Dados biográficos sobre o artista

É evidente que é de todo impossível cumprir estes diversos requisitos para a compreensão de uma obra de arte no tempo e espaço de que dispomos. Esta metodologia fica simplesmente como proposta de orientação caso interesse ao aluno aprofundar a interpretação de determinado quadro.
Iremos dar relevo à dimensão simbólica de algumas obras pictóricas e apelar à interpretação pessoal do aluno notando desde já que o simbolismo da obra de arte é também dado pela própria interpretação. Há “dicionários de símbolos” que nos ajudam na exploração do conteúdo simbólico de uma obra e há quadros repletos de elementos simbólicos cujo sentido está de certo modo fixado. Isso não impede, contudo, o carácter pessoal da interpretação porque na complexa rede simbólica que nesse caso o quadro constitui diversas relações se podem estabelecer entre os símbolos.

Exemplo 1

Goya, O colosso.

Este quadro de Francisco Goya, pintor espanhol do século XIX, tem como subtítulo O Pânico. Representa um conjunto de homens e de animais fugindo apavorados em diversas direcções. O quadro é dominado por um ser de forma humana, mas de proporções colossais ou supra-humanas. Esta figura imensa e aparentemente aterradora dá a impressão de encher o céu e não dirige o seu olhar para os minúsculos seres aterrorizados que na planície procuram pôr-se a salvo. O colosso parece de passagem, encaminhando-se para outro local. O que simboliza esta surpreendente figura?
Várias interpretações foram dadas:
— Uma versão apresenta o colosso e o quadro em geral como símbolos dos horrores da guerra, da desorientação, da insegurança e do medo que ela provoca. O colosso seria a personificação da guerra, esse pesadelo constantemente presente na história dos homens. A guerra seria como que uma força insaciável que provoca enorme destruição e pavor à sua passagem. O facto de o gigante dar a impressão de se dirigir para outras paragens sugere que outros seres humanos vão sofrer os desastres da guerra.
— Outra versão insiste no facto de o colosso estar de costas para a multidão e sobre essa base — que não vamos agora discutir — não o identifica com uma força maligna e destruidora. N. Glendining, grande intérprete da obra de Goya, diz mesmo que o colosso simboliza um poder: seria o símbolo da encarniçada e tremenda oposição que o povo espanhol ofereceu aos exércitos napoleónicos. O medo e terror simbolizado pelas pessoas que fogem com os seus eventuais haveres — animais domésticos descontrolados — convive com o desafio e a inabalável resistência e vontade de independência do povo espanhol. O colosso representaria assim a parte da população que se ergue contra os invasores e o aparente ar de desafio e de fúria do gigante é, nesta perspectiva, muito sugestivo.
— Encarou-se também o colosso como uma entidade protectora do povo espanhol contra os exércitos de Napoleão. Tal interpretação para além do que é óbvio  — vejam-se os acontecimentos históricos dos inícios do século XIX e a história de Espanha nesse período — inspirou-se num poema da época e da autoria de J. B. Arriaga, “Profecia de um pirenéu”, que descrevia a aparição de um génio tutelar de Espanha para lutar com todo o seu poder contra as ambições de Napoleão. Olhando para o quadro, pode admitir--se esta interpretação: que o gigante esteja de costas para a multidão simbolizaria não um abandono, mas uma barreira protectora atrás da qual os seres ameaçados pela guerra se refugiariam.
— Uma interpretação nossa é esta (e não invalida de modo algum as outras): a parte inferior do quadro representa o pavor, o medo e a insegurança que a perspectiva da guerra causa. A parte superior do quadro, ao representar um ser de dimensões colossais, seria a forma simbólica de expressar que os instintos violentos, agressivos e destruidores parecem forças colossais que ultrapassam e dominam os homens, que as guerras têm como causa forças que o homem não consegue controlar.
— Outra interpretação possível: a guerra é obra dos homens e assume frequentemente proporções desumanas.



Exemplo 2

N. Poussin - Uma dança para a música do tempo.
Neste belo e suave quadro de Poussin, a nossa atenção é atraída de imediato para quatro figuras que dançam formando um círculo, uma roda. Houve diversas interpretações do significado deste grupo de dançarinos e, sem dúvida, ele contém uma enorme riqueza simbólica. Podemos ver nesse grupo a representação de quatro aspectos da condição humana: a figura que olha para nós com um ar sorridente e malicioso simbolizaria o Prazer e o facto de no quadro ser a única personagem que nos encara significaria que o prazer é aquilo que mais valorizamos e apreciamos, melhor dizendo, é o motivo fundamental das nossas acções; a figura que, no primeiro plano do quadro, aparece com o cabelo adornado por pérolas e luxuosamente calçada simbolizaria a Riqueza. A figura feminina que aparece descalça, vestindo de forma humilde e parecendo querer agarrar a mão da Riqueza, simbolizaria a Pobreza; a única figura masculina envolvida na dança está também singelamente vestida, mas tem na cabeça uma coroa de louros que simboliza a vitória, o sucesso, a fama, mas também o engenho. Tal como a Pobreza, dirige o seu olhar para a Riqueza.
Numa primeira interpretação de carácter geral este quadro apresenta numa linguagem sensível, pictórica e simbólica (e não discursiva ou conceptual) uma reflexão sobre os valores fundamentais em torno dos quais gira a vida humana, sempre condicionada pela presença do tempo (o velho que toca a música). Se dermos mais importância ao factor “Quem olha para nós? Quem nos convida a entrar na dança da vida?”, chegamos à conclusão de que o prazer é aquilo que mais nos atrai, ou seja, o mais desejado, o mais valioso aspecto da vida. Mas se nos concentrarmos na relação que as quatro figuras estabelecem entre si vemos que a Riqueza é a rainha da dança: o Engenho (a capacidade de trabalho e de empreendimento) e a Pobreza parecem depender da Riqueza para que a dança continue e anseiam pela mão esquerda, ao passo que o Prazer segura firmemente a outra mão.
Nesta perspectiva, a Riqueza seria o bem supremo, o valor que dá sentido e orienta a acção dos seres humanos. Dela depende o prazer. Esforçamo-nos, trabalhamos e desenvolvemos o nosso engenho (a técnica e a ciência?) para a obter e é sonhando com ela que suportamos a condição de pobres.
Também se pode interpretar o quadro como simbolizando a qualidade da vida humana em diversos períodos históricos. A história humana seria marcada pelo ritmo das transformações e das mudanças: épocas de prazer, luxúria, riqueza (pensemos nos gloriosos anos 20) dão alternadamente lugar a períodos em que a pobreza, a miséria, a fome e a destruição exigem dos seres humanos o engenho, a criatividade e o trabalho duro que os faça triunfar sobre essas adversidades.
Apresentámos estas interpretações, mas outras são evidentemente possíveis. Convidamos o aluno a realizar essa tarefa, deixando uma série de pistas a explorar:
— O Tempo, senhor que tudo dirige no mundo humano, é representado por um homem idoso, dotado de asas e de um corpo jovem e musculado. Marca o ritmo da dança, sem qualquer entusiasmo, olhando fixamente para os dançarinos.
— É acompanhado por duas crianças (dois querubins): uma sopra bolas de sabão e a outra contempla uma ampulheta que tem mais areia na parte superior do que na inferior.
— Num quadro pleno de imagens contrastantes, uma coluna de pedra suporta o busto duplo da velhice e da juventude (o busto de Janus) e está decorado com flores, coisas efémeras, transitórias.
— No céu um carro puxado por cavalos é conduzido por Apolo (deus do Sol), que simboliza a ordem e o comportamento civilizado. Aurora, deusa das estações e irmã de Apolo, orienta o caminho da carruagem. À sua passagem são afastadas as escuras nuvens da noite. A dança desenvolve-se, portanto, ao nascer do dia.




ACTIVIDADES


1

 Matisse, Ícaro.
Tentar compreender o significado ou os possíveis significados do quadro de Matisse implica o conhecimento de uma personagem da mitologia grega: Ícaro (é o título do quadro). O mito de Ícaro relata-nos que, estando Ícaro e seu pai Dédalo prisioneiros num labirinto em Creta, conseguiram escapar. Inventaram umas asas e voaram. Contudo, Ícaro voou demasiado alto e o Sol derreteu as suas asas. Caiu ao mar e morreu. Para Matisse o mito de Ícaro é um símbolo da condição humana e aquele decidiu traduzi-la em termos pictóricos.
Para proceder à sua interpretação deve o aluno ter em conta os seguintes aspectos:

— Ícaro é uma enorme silhueta negra.
— O único ponto do seu corpo que aparece representado por outra cor é o coração e está pintado a vermelho ardente.
— Que forma têm os braços?
— Qual o significado que podemos atribuir ao facto de as pernas serem tão volumosas e pesadas e o coração tão pequeno, mas tão ardente?
— O que representam os fragmentos de cor amarela?

Este quadro é uma interpretação da condição humana. Simbolicamente, que mensagem ou que mensagens podemos considerar que Matisse nos transmite?


2
 Salvador Dali, Cristo de S. João na Cruz
O quadro de Salvador Dalí representa um tema frequente na cultura ocidental. Esta representação de Cristo na cruz é original porque o seu sofrimento parece visto a partir de um ponto elevado (perspectiva impossível) e por outro lado não se vê o seu rosto. Vários aspectos chamam a atenção nesta obra de grande rigor simétrico.
— A escuridão e a densidade emocional da parte superior do quadro — onde está o Crucificado — contrastam com a serenidade da baía e a luminosidade do céu na parte inferior.
— Está a cruz a cair em direcção à terra? A elevar-se ao céu? Paira estaticamente sobre o mundo dos seres humanos concentrados nas suas tarefas?
Conforme a perspectiva que adoptarmos, teremos uma diferente interpretação do significado do quadro. Procura efectuar este exercício.

3
Magritte, A memória.
Apresentamos algumas interpretações possíveis do quadro da direita.
Aparece um busto a sangrar tendo por trás um muro de madeira.
A memória é aqui representada sob o signo da dor. Porque é que ela sangra?
Porque possivelmente recordar é sofrer, talvez porque alguém gostasse de voltar a viver certas situações e contudo isso não é possível. O muro simboliza essa impossibilidade de voltar atrás, de se voltar a viver algo que nos deu muito prazer ou com alguém de quem gostámos muito. Mas também pode significar que quanto mais vivemos mais sofremos, mais momentos dolorosos vamos registar na nossa memória.
Finalmente, este quadro também pode simbolizar a dor de quem sabe que a vida tem um fim. A bola que aparece ao lado do busto, quase fechada, pode querer dizer que a vida está a atingir o fim.
Convidamos o aluno a dar a sua interpretação pessoal do mesmo quadro.

4
Magritte, A casa de vidro.
Este desconcertante quadro de Magritte (como quase todas as suas obras) mostra-nos um indivíduo que contempla o oceano e a linha do horizonte. O que nos surpreende é o seu rosto aparecer também na parte anterior da cabeça dando-nos a impressão de estar a olhar para a frente e para trás ao mesmo tempo. A um elemento familar (contemplar o oceano) associa-se um elemento estranho, absurdo (o próprio título do quadro parece nada ter a ver com a imagem). Mas é esta surpreendente estranheza que o torna imensamente sugestivo para quem reflecte sobre o seu significado (para Magritte a pintura era “a arte de pensar”). Então o que poderá significar?
Este quadro pode simbolizar uma situação psicológica de desconfiança ou até de receio perante os outros (a calma do mar sossega-nos, mas atrás de nós — no passado ou no presente — algo parece inquietar-nos). Pode traduzir a obsessão de controlar os movimentos de tudo o que vive à nossa volta, de não se deixar surpreender pelos acontecimentos.
Outras possíveis interpretações ficam por explorar.

Convidamos-te para essa tarefa.