segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS



A TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS
O liberalismo é a teoria segundo a qual a liberdade individual é o valor fundamental que uma sociedade deve preservar. Assim, o Estado deve intervir o menos possível na vida dos indivíduos, sobretudo não deve obrigar quem mais tem a contribuir para os que menos têm, de modo a corrigir e até eliminar desigualdades.
O igualitarismo é a teoria segundo a qual a igualdade é o valor fundamental que uma sociedade deve promover. Nesta perspetiva, o bem comum – não haver grandes desigualdades - está acima dos interesses pessoais e da liberdade de cada indivíduo.
Rawls vai tentar a conciliação entre liberdade e igualdade. Por isso, em sentido estrito, não é liberal nem igualitarista. Para Rawls, uma sociedade justa será:
1.Uma sociedade em que cada um terá direito às mais amplas liberdades fundamentais (de expressão, de associação, de crença e de realizar os nossos projetos pessoais).
 A este princípio dá Rawls o nome de princípio da igual liberdade. Não deve ser sacrificado em nome de nada – é o mais importante dos princípios – e nega que sejamos discriminados por causa do género, da etnia ou do grupo religioso a que pertencemos. Mas sendo condição necessária de uma sociedade justa não é suficiente. Porquê? Porque uma sociedade em que só haja liberdade pode gerar desigualdades muito acentuadas.
2.Uma sociedade em que ninguém deve ser vítima da lotaria social e natural.
 Não somos responsáveis por nascer numa família pobre – lotaria social – nem por termos sido pouco favorecidos (ou mesmo muito prejudicados) em dotes e talentos naturais como a inteligência, a capacidade e habilidade física.
Para tentar garantir que não somos prejudicados pela lotaria social, Rawls propõe mais um princípio de justiça: o princípio da igualdade de oportunidades. Este exige que todos os concorrentes aos lugares mais desejados na sociedade tenham tido a possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em qualquer outra instituição, bons cuidados de saúde e que não sejam discriminados pelas circunstâncias sociais (não sejam prejudicados por fatores como o género).
O Estado e a sociedade devem garantir que o acesso às profissões mais valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que, devido a uma condição económica desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser engenheiro, arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais reconhecidas. Quem não aproveitar as oportunidades – por falta de estudo e de empenho não tem direito a queixar-se.
Mas a igualdade de oportunidades não é ainda suficiente para que se construa uma sociedade justa. O que há de insuficiente na ideia de justiça social como igualdade de oportunidades é que se esquece que o sucesso também depende do talento natural ou dos dons da natureza. Ora a natureza pode ser madrasta para uns e muito generosa para outros. Sendo assim, na corrida pelas melhores posições sociais, o talento natural é um elemento perturbador na chegada à «meta». O que fazer? As pessoas que, em boa parte, devido ao seu talento natural, acederam às profissões socialmente mais valorizadas e mais bem pagas não devem ser as únicas a beneficiar com a sua situação. Ronaldo não deve ser o único a beneficiar do talento e da capacidade que, em grande parte, deriva de a natureza ter sido generosa consigo. A solução é proceder à redistribuição da riqueza. Os mais favorecidos pela natureza devem contribuir – impostos para a melhoria da situação económica dos que a natureza não beneficiou.
Note-se que Rawls admite que uma sociedade justa não é incompatível com a desigualdade – desde que não acentuada -  com a diferença de rendimentos, de património e de bens sociais entre os indivíduos. Médicos, engenheiros, arquitetos e outros profissionais ganham mais do que a maioria e é justo e útil que assim seja porque quanto maior o bolo mais fatias há para distribuir. Mas há uma condição: essas desigualdades só são admissíveis se favorecerem os mais desfavorecidos. A este princípio dá Rawls o nome de princípio da diferença que é o princípio que orienta a distribuição da riqueza. Isto quer dizer que uma sociedade sem desigualdades, mas em que todos são igualmente pobres, é menos justa do que uma sociedade com desigualdades, mas em que ninguém vive realmente mal, mesmo os mais desfavorecidos. É injusta a sociedade em que as vantagens dos mais favorecidos não são benéficas para mais ninguém.
A desigualdade económica, será vantajosa pelas seguintes razões:
1. As pessoas mais talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se houver uma distribuição igualitária da riqueza (se todos ganharem o mesmo ou se houver fraca diferença de rendimentos).
2.Menos produção de riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar assistência (através de taxas e impostos aos mais ricos) aos menos favorecidos.
3. As oportunidades dos que têm menos são mais amplas num sistema de distribuição da riqueza que não é estritamente igualitário – todos a ganhar o mesmo ou aproximadamente - porque haverá mais recursos disponíveis para que os desfavorecidos invistam na educação e na formação profissional.
Assim, a desigualdade funciona a favor da redução das desigualdades.
A JUSTIFICAÇÃO DO PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA ACIMA EXPOSTOS: A POSIÇÃO ORIGINAL, O VÉU DE IGNORÂNCIA E A REGRA MAXIMIN
Seriam estes os princípios que seres dotados de razão e com interesses pessoais escolheriam? Rawls pensa que sim. Para justificar esta sua convicção convida-nos a fazer uma experiência mental:
Suponha que quando nos reunimos para escolher os princípios ou regras segundo os quais queremos ser governados – quando nos reunimos para elaborar o chamado contrato social - não sabemos que posição iremos ter na sociedade. Isto significa que estaríamos a escolher sob um «véu de ignorância» que nos impede temporariamente de saber seja o que for sobre quem somos especificamente. Não sabemos qual é a nossa classe ou sexo, a nossa raça ou etnia, as nossas crenças políticas ou convicções religiosas. Nem sabemos quais são as nossas vantagens e desvantagens – se somos saudáveis ou débeis, se temos um curso superior ou a escolaridade obrigatória, se nascemos numa família pobre ou numa família rica. Se ninguém soubesse nenhuma destas coisas, escolheríamos, com efeito, a partir de uma posição original de igualdade.
O “véu de ignorância” não é, contudo, total. Não sabemos se seremos ricos ou pobres, ateus ou crentes, membros de uma maioria ou de uma minoria étnica ou religiosa, homens ou mulheres, muito talentosos ou pouco, mas todos sabemos que haverá pessoas mais ricas e menos ricas, homens e mulheres, crentes e ateus, pessoas talentosas e outras nem tanto.
Nesta igualdade de circunstâncias original que razão temos para aceitar os princípios da igual liberdade, da igualdade de oportunidades e da diferença, ou seja, os princípios de justiça propostos por Rawls? A resposta é que, sob o véu de ignorância, o mais racional é jogar pelo seguro.
Assim, quero o princípio da igual liberdade porque não é justo ser discriminado, por exemplo, por causa das minhas crenças religiosas ou políticas. Quero o princípio da igualdade de oportunidades porque não é justo que não possa estudar e ter acesso a uma boa profissão devido a ter nascido numa família de fracos rendimentos. Quero o princípio da diferença porque se a natureza não me favoreceu em aptidões e capacidades sei que não ficarei na penúria e sem qualquer ajuda dos outros.
Ignorando qual vai ser a minha sorte e o meu lugar na sociedade, a estratégia a adotar é a de escolher uma sociedade em que o pior que nos pode acontecer não seja muito mau ou seja o melhor possível. Segundo Rawls, na situação de incerteza da posição original devemos escolher como se o pior nos fosse acontecer e assim escolher a opção que implica o menor risco para todos.
 Esta escolha obedece à regra maximin, maximizar o mínimo. Eis como funciona:
Posso querer viver numa sociedade em que possa ser riquíssimo, mas o reverso da medalha é a pobreza extrema, a miséria. Esta opção é muito arriscada. Posso vir a ser um Donald Trump, mas nada garante que não venha a ser alguém que viva na pobreza extrema. É uma opção muito pouco racional.
Posso querer viver numa sociedade em que possa ser muito rico, mas o reverso da medalha embora não seja a miséria será a pobreza acentuada. Esta opção, embora melhor do que anterior, é arriscada. É uma opção pouco racional.
Posso querer viver numa sociedade em que possa ser moderadamente rico mas, em contrapartida, o pior que me pode calhar em sorte é a pobreza moderada. Maximiza-se o mínimo e evitam-se os inconvenientes das opções anteriores. Esta opção é a que a menos perigos me expõe. Logo, é a opção mais racional.
POSIÇÃO ORIGINAL
A posição original é uma situação imaginária ou hipotética de imparcialidade – as pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é pessoalmente vantajoso -  em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem estar «cobertas» por um «véu de ignorância».


«Véu de ignorância».
O “véu de ignorância” é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua condição social e económica no momento do estabelecimento do contrato social, no momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade.


A regra maximin
A regra maximin é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa situação de incerteza – o véu de ignorância. É a estratégia do menor mal. São preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma sociedade em que o pior não será muito mau, do que uma sociedade que, por exemplo, haja muita pobreza e muita riqueza.

ALGUMAS CRÍTICAS A RAWLS
1
Uma sociedade justa é uma sociedade que respeita de forma absoluta os direitos individuais - direito à liberdade e à propriedade do que se recebe e adquire - permite que os bens de que sou proprietário legítimo permaneçam em meu poder, dispondo deles conforme entendo. Uma sociedade justa é a que não impõe qualquer limite legal aos níveis de desigualdade económica nela presentes. Posso fazer doações, mas não é correto que o Estado me force a trabalhar para ajudar os outros porque no fundo é isso que significa pagar impostos para assistir os menos favorecidos. Sou tratado como mero meio para um fim, sou roubado e instrumentalizado (colocado ao serviço de outrem). O Estado não tem o direito de tirar a uns para dar a outros, de forçar alguns a contribuir para a melhoria do nível de vida de outros. A redistribuição da riqueza é uma violação da liberdade individual.
2
Uma das principais críticas a Rawls é a difícil harmonização entre os princípios da igual liberdade e da diferença. Se as pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza, limitar a quantidade de bens que uma pessoa pode manter como seus - redistribuir a riqueza - restringe a liberdade de cada indivíduo. Neste caso, uma correta aplicação do princípio da liberdade igual negaria o princípio de diferença.