A
TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS
O liberalismo é
a teoria segundo a qual a liberdade individual é o valor fundamental que uma
sociedade deve preservar. Assim, o Estado deve intervir o menos possível na
vida dos indivíduos, sobretudo não deve obrigar quem mais tem a contribuir para
os que menos têm, de modo a corrigir e até eliminar desigualdades.
O igualitarismo
é a teoria segundo a qual a igualdade é o valor fundamental que uma sociedade
deve promover. Nesta perspetiva, o bem comum – não haver grandes desigualdades
- está acima dos interesses pessoais e da liberdade de cada indivíduo.
Rawls
vai tentar a conciliação entre liberdade e igualdade. Por isso, em sentido estrito, não é liberal nem
igualitarista. Para Rawls, uma sociedade justa será:
1.Uma sociedade em que cada um terá direito às mais amplas
liberdades fundamentais (de expressão, de associação, de crença e de realizar
os nossos projetos pessoais).
A este
princípio dá Rawls o nome de princípio da igual
liberdade. Não deve ser sacrificado em nome de nada – é o mais
importante dos princípios – e nega que sejamos discriminados por causa do
género, da etnia ou do grupo religioso a que pertencemos. Mas sendo condição
necessária de uma sociedade justa não é suficiente. Porquê? Porque uma
sociedade em que só haja liberdade pode gerar desigualdades muito acentuadas.
2.Uma sociedade em que ninguém deve ser vítima da lotaria
social e natural.
Não somos
responsáveis por nascer numa família pobre – lotaria social – nem por termos
sido pouco favorecidos (ou mesmo muito prejudicados) em dotes e talentos
naturais como a inteligência, a capacidade e habilidade física.
Para tentar
garantir que não somos prejudicados pela lotaria social, Rawls propõe mais um
princípio de justiça: o princípio da igualdade de
oportunidades. Este exige
que todos os concorrentes aos lugares mais desejados na sociedade tenham tido a
possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em qualquer outra
instituição, bons cuidados de saúde e que não sejam discriminados pelas
circunstâncias sociais (não sejam prejudicados por fatores como o género).
O Estado e a
sociedade devem garantir que o acesso às profissões mais
valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que, devido a uma
condição económica desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser
engenheiro, arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais
reconhecidas. Quem não aproveitar as oportunidades – por falta de estudo e de
empenho não tem direito a queixar-se.
Mas
a igualdade de oportunidades não é ainda suficiente para que se construa uma
sociedade justa. O que há de insuficiente na ideia de justiça social como igualdade de
oportunidades é que se esquece que o sucesso também depende do talento natural
ou dos dons da natureza. Ora a natureza pode ser madrasta para uns e muito
generosa para outros. Sendo assim, na corrida pelas melhores posições
sociais, o talento natural é um elemento perturbador na chegada à «meta». O que
fazer? As pessoas que, em boa parte, devido ao seu talento
natural, acederam às profissões socialmente mais valorizadas e mais bem pagas
não devem ser as únicas a beneficiar com a sua situação. Ronaldo não deve ser o
único a beneficiar do talento e da capacidade que, em grande parte, deriva de a
natureza ter sido generosa consigo. A solução é
proceder à redistribuição da riqueza. Os mais favorecidos pela natureza devem
contribuir – impostos ‒ para a melhoria da situação
económica dos que a natureza não beneficiou.
Note-se que Rawls admite que uma
sociedade justa não é incompatível com a desigualdade – desde que não acentuada
- com a diferença de rendimentos, de
património e de bens sociais entre os indivíduos. Médicos, engenheiros,
arquitetos e outros profissionais ganham mais do que a maioria e é justo e útil
que assim seja porque quanto maior o bolo mais fatias há para distribuir. Mas
há uma condição: essas desigualdades só são admissíveis se favorecerem os mais
desfavorecidos. A este princípio dá
Rawls o nome de princípio da diferença que é o princípio que orienta a
distribuição da riqueza. Isto quer dizer que uma sociedade sem
desigualdades, mas em que todos são igualmente pobres, é menos justa do que uma
sociedade com desigualdades, mas em que ninguém vive realmente mal, mesmo os
mais desfavorecidos. É injusta a sociedade em
que as vantagens dos mais favorecidos não são benéficas para mais ninguém.
A desigualdade económica, será
vantajosa pelas seguintes razões:
1. As pessoas
mais talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se houver uma
distribuição igualitária da riqueza (se todos ganharem o mesmo ou se houver
fraca diferença de rendimentos).
2.Menos
produção de riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar
assistência (através de taxas e impostos aos mais ricos) aos menos favorecidos.
3.
As oportunidades dos que têm menos são mais amplas num sistema de
distribuição da riqueza que não é estritamente igualitário – todos a ganhar o
mesmo ou aproximadamente - porque haverá mais recursos disponíveis para que os
desfavorecidos invistam na educação e na formação profissional.
Assim, a desigualdade funciona a
favor da redução das desigualdades.
A
JUSTIFICAÇÃO DO PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA ACIMA EXPOSTOS: A POSIÇÃO ORIGINAL, O VÉU
DE IGNORÂNCIA E A REGRA MAXIMIN
Seriam estes os
princípios que seres dotados de razão e com interesses pessoais escolheriam?
Rawls pensa que sim. Para justificar esta sua convicção convida-nos a fazer uma
experiência mental:
Suponha que quando nos reunimos para escolher os
princípios ou regras segundo os quais queremos ser governados – quando nos
reunimos para elaborar o chamado contrato social - não sabemos que posição
iremos ter na sociedade. Isto significa que estaríamos a escolher sob um «véu de ignorância» que nos impede
temporariamente de saber seja o que for sobre quem somos especificamente. Não
sabemos qual é a nossa classe ou sexo, a nossa raça ou etnia, as nossas crenças
políticas ou convicções religiosas. Nem sabemos quais são as nossas vantagens e
desvantagens – se somos saudáveis ou débeis, se temos um curso superior ou a
escolaridade obrigatória, se nascemos numa família pobre ou numa família rica.
Se ninguém soubesse nenhuma destas coisas, escolheríamos, com efeito, a partir
de uma posição original de igualdade.
O “véu de
ignorância” não é, contudo, total. Não sabemos se seremos ricos ou pobres,
ateus ou crentes, membros de uma maioria ou de uma minoria étnica ou religiosa,
homens ou mulheres, muito talentosos ou pouco, mas todos sabemos que haverá pessoas mais
ricas e menos ricas, homens e mulheres, crentes e ateus, pessoas talentosas e
outras nem tanto.
Nesta igualdade
de circunstâncias original que razão temos para aceitar os princípios da igual
liberdade, da igualdade de oportunidades e da diferença, ou seja, os princípios
de justiça propostos por Rawls? A
resposta é que, sob o véu de ignorância, o mais racional é jogar pelo seguro.
Assim, quero o princípio da igual liberdade porque não
é justo ser discriminado, por exemplo, por causa das minhas crenças religiosas
ou políticas. Quero o princípio da igualdade de oportunidades porque não é
justo que não possa estudar e ter acesso a uma boa profissão devido a ter
nascido numa família de fracos rendimentos. Quero o princípio da diferença
porque se a natureza não me favoreceu em aptidões e capacidades sei que não
ficarei na penúria e sem qualquer ajuda dos outros.
Ignorando qual
vai ser a minha sorte e o meu lugar na sociedade, a estratégia a adotar é a de
escolher uma sociedade em que o pior que nos pode acontecer não seja muito mau
ou seja o melhor possível. Segundo Rawls, na situação de incerteza da posição
original devemos escolher como se o pior nos fosse acontecer e assim escolher a
opção que implica o menor risco para todos.
Esta escolha
obedece à regra maximin, maximizar o mínimo. Eis como funciona:
Posso querer
viver numa sociedade em que possa ser riquíssimo, mas o reverso da medalha é a
pobreza extrema, a miséria. Esta opção é muito arriscada. Posso vir a ser um Donald
Trump, mas nada garante que não venha a ser alguém que viva na pobreza extrema.
É uma opção muito pouco racional.
Posso querer
viver numa sociedade em que possa ser muito rico, mas o reverso da medalha
embora não seja a miséria será a pobreza acentuada. Esta opção, embora melhor
do que anterior, é arriscada. É uma opção pouco racional.
Posso querer
viver numa sociedade em que possa ser moderadamente rico mas, em contrapartida,
o pior que me pode calhar em sorte é a pobreza moderada. Maximiza-se o mínimo e
evitam-se os inconvenientes das opções anteriores. Esta opção é a que a menos
perigos me expõe. Logo, é a opção mais racional.
POSIÇÃO ORIGINAL
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A posição original é uma situação imaginária ou hipotética de
imparcialidade – as pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é
pessoalmente vantajoso - em que
pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios
de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem
estar «cobertas» por um «véu de ignorância».
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«Véu de
ignorância».
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O “véu de ignorância” é o
desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua condição social e
económica no momento do estabelecimento do contrato social, no momento em que
dão origem a uma determinada forma de sociedade.
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A regra maximin
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A regra maximin
é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa situação de
incerteza – o véu de ignorância. É
a estratégia do menor mal. São preferíveis princípios de justiça que estejam
na base de uma sociedade em que o pior não será muito mau, do que uma
sociedade que, por exemplo, haja muita pobreza e muita riqueza.
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ALGUMAS
CRÍTICAS A RAWLS
1
Uma sociedade
justa é uma sociedade que respeita de forma absoluta os
direitos individuais - direito à liberdade e à propriedade do que se recebe e
adquire - permite que os bens de que sou proprietário legítimo permaneçam em
meu poder, dispondo deles conforme entendo. Uma sociedade justa é a que não impõe qualquer limite legal aos níveis
de desigualdade económica nela presentes. Posso fazer doações, mas não é
correto que o Estado me force a trabalhar para ajudar os outros porque no fundo
é isso que significa pagar impostos para assistir os menos favorecidos. Sou
tratado como mero meio para um fim, sou roubado e instrumentalizado (colocado
ao serviço de outrem). O Estado não tem o direito de tirar a uns para dar a outros, de forçar
alguns a contribuir para a melhoria do nível de vida de outros. A
redistribuição da riqueza é uma violação da liberdade individual.
2
Uma das principais críticas a Rawls é a difícil
harmonização entre os princípios da igual liberdade e da diferença. Se as pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza,
limitar a quantidade de bens que uma pessoa pode manter como seus -
redistribuir a riqueza - restringe a liberdade de cada indivíduo. Neste caso,
uma correta aplicação do princípio da liberdade igual negaria o princípio de
diferença.