I
1. Em que consiste o projeto de David Hume?
O projeto de David Hume consiste em analisar a mente humana
para determinar as capacidades e os limites do entendimento humano.
2. Quais são os conteúdos da mente?
Os conteúdos da mente são as perceções. Hume divide-as em
dois tipos: impressões e ideias.
3. O que distingue as impressões das ideias?
As impressões distinguem-se das ideias pelo grau de força e
vivacidade com que se apresentam na mente. Há dois critérios para as distinguir:
a) a força e vivacidade com que umas e outras se apresentam. Assim, as ideias
são perceções menos intensas e fortes do que as impressões, de que são imagens
mentais; b) a ordem ou sucessão temporal da sua apresentação. Assim, como as
ideias são imagens das impressões, uma impressão é necessariamente anterior a
uma ideia.
4. Que relação estabelece o princípio da cópia entre
impressões e ideias?
Segundo o princípio da cópia, as ideias são cópias das
impressões. As cópias são menos intensas e vívidas do que as impressões, que
estão na sua origem.
5. Por que razão o princípio da cópia implica que não há
ideias inatas?
Se as ideias são cópias de impressões e são por isso causadas
por estas, então têm uma origem empírica. As nossas ideias formam-se todas a
partir da experiência.
6. Como argumenta Hume a favor do Princípio da Cópia?
Hume argumenta que, se as ideias não fossem cópias das
impressões, quem não possuísse a capacidade de ter a experiência da cor
formaria a ideia de cores, o que é absurdo. Uma pessoa cega de nascença não
poderá ter a ideia de branco porque nunca terá a impressão de branco.
7. Que teses empiristas são expressas pelo princípio da
cópia?
São as seguintes: do que não há impressão não há ideia. Só
conhecemos aquilo de que temos experiência.
8. Impressões e ideias são as unidades básicas do
conhecimento. Que tipos de conhecimento existem segundo Hume?
Existem conhecimentos formais (de relações de ideias) e
conhecimentos de facto ou factuais.
9. O que distingue conhecimentos de facto de conhecimento de
ideias?
Os conhecimentos de ideias ou a priori são constituídos por proposições cuja verdade é necessária
ou logicamente impossível de negar e, em geral, por raciocínios demonstrativos
ou dedutivos absolutamente certos. Os conhecimentos de factos ou a
posteriori são constituídos por proposições
cuja verdade é contingente ou logicamente possível de negar e por raciocínios
indutivos que não podem aspirar à certeza absoluta
10. Em que se baseiam os nossos conhecimentos de factos?
Baseiam-se na relação de causa e efeito e em raciocínios
indutivos. O pressuposto destas relações e inferências é a crença na
uniformidade da natureza.
11. Que elementos estão presentes na ideia de relação causal?
Na relação causal estão presentes elementos que são alvo de
observação direta (a contiguidade e sucessão ou conjunção constante de dois factos)
e que são inferidos (a ideia de que um acontecimento deve necessariamente
produzir outro – a ideia de conexão necessária).
12. Por que razão associamos a ideia de causa à ideia de
conexão necessária?
Porque entendemos a ligação entre causa e efeito como uma
relação que acontece sempre e não só
quando observamos dois eventos conjugados
e sucedendo um ao outro. Sempre que dois acontecimentos aparecem regularmente
conjugados, julgamos que a um se segue necessariamente o outro, de tal modo que
a causa tem o poder de necessária ou inevitavelmente produzir o outro.
13. Pode a experiência – o único critério de verdade dos
juízos de facto – provar essa conexão necessária?
Não. Quando dizemos que um acontecimento (A) causa
necessariamente outro (B), dizemos que A causa sempre B. Ora, causar sempre
significa que causou, causa e causará. Mas isto implica que teríamos de ter a
impressão deste poder causal no futuro. Contudo, de acontecimentos futuros não
temos qualquer impressão sensível. Logo, a experiência não encontra nenhuma
impressão que corresponda à ideia de conexão necessária.
14. A que se deve então a nossa crença de que há
acontecimentos que estão necessariamente conectados?
Deve-se a um fator psicológico: o hábito. Transformamos uma
relação de sucessão temporal constante entre dois factos – a única coisa que a
experiência nos pode dar – numa conexão necessária porque habituados a observar dois acontecimentos constantemente conjugados
julgamos um não pode acontecer sem o outro. O costume ou hábito gera em nós a
crença, a convicção de que aquilo a que chamamos efeito deve seguir-se àquilo a que chamamos causa.
15. Os nossos raciocínios relativos ao conhecimento do mundo
têm caráter indutivo?
Sim. O que habitualmente fazemos são generalizações e
previsões. Assim, quando supomos que um acontecimento causa sempre outro, prevemos que o surgimento do primeiro
será seguido pelo surgimento do segundo.
16. Em que se baseiam as nossas relações causais e a
confiança que depositamos nos raciocínios indutivos?
Baseiam-se na crença da uniformidade da natureza, na
suposição de que o que sucedeu no passado voltará a acontecer no futuro do
mesmo modo.
17. Podemos justificar o Princípio da Uniformidade da
Natureza?
Não porque se trata de uma crença indutiva para a qual só
encontramos uma justificação de tipo indutivo, o que é falacioso. Usa-se como
justificação o que precisa de ser justificado.
18. O que conclui Hume da sua análise dos problemas da
causalidade e da indução?
Conclui que o conhecimento do mundo não é possível porque não
podemos justificar nem a crença na causalidade nem a crença na indução. Apesar
desta conclusão, há razão para não considerar Hume um cético radical. O
conhecimento do mundo não tem um fundamento objetivo, mas o hábito assume o
papel de princípio produtor de uma crença natural segundo a qual o mundo
funciona como julgamos que funciona.
19.
De que depende o nosso conhecimento acerca de questões de facto?
O nosso conhecimento de questões de facto depende da relação
de causa-efeito e dos raciocínios indutivos e, em última análise, da crença no Princípio
da Uniformidade da Natureza . Os conhecimentos acerca de questões de facto que
vão para além da experiência imediata ou passada baseiam-se na relação de
causa-efeito e nos raciocínios indutivos. O nosso conhecimento do mundo
consiste em descobrir que acontecimentos dão origem a outros e em estabelecer
relações causais entre eles. Por exemplo: o enunciado «A queda dos corpos
resulta da força da gravidade» estabelece uma relação de causa-efeito entre a
força da gravidade (causa) e a queda dos corpos (efeito). Por relação causal
entendemos uma conexão necessária entre acontecimentos de tal ordem que, sempre
que, em certas condições, um deles acontece, acontece também inevitavelmente o
outro. É nesta conexão entre acontecimentos que, supostamente, tem origem a
nossa ideia de relação causal. Outro ingrediente essencial do nosso
conhecimento do mundo são os raciocínios indutivos. Sempre que queremos ir além
da mera experiência imediata ou passada, temos de raciocinar indutivamente,
fazendo previsões e generalizações. São os raciocínios indutivos que me
permitem afirmar que o Sol vai nascer amanhã (previsão) ou que um corpo dilata
sempre que é aquecido (generalização). Na base de todos os raciocínios está,
segundo Hume, a crença no Princípio da Uniformidade da Natureza. Assim, para
determinar se o conhecimento acerca de questões de facto está justificado,
pensa Hume, é necessário averiguar se as crenças na causalidade e na
uniformidade da natureza estão justificadas
20. Em que consiste a ideia
de relação de causa-efeito ou de causalidade?
Consiste na ideia de conexão necessária entre acontecimentos,
isto é, na ideia de que, sempre que, em certas condições, acontece A, acontece
inevitavelmente B, de tal maneira que A produz necessariamente B.
21. Segundo Hume, todo o
conhecimento acerca de questões de facto que vá além da experiência imediata
(ou passada) baseia-se na relação de causa-efeito. Será que podemos justificar
esta relação?
Não. Ou a relação de causa e efeito pode ser conhecida a priori ou baseia-se inteiramente na experiência.
Ora, segundo Hume, esta relação não pode
ser conhecida a priori. Se fosse
possível saber sem recurso à experiência que certos factos têm o poder de
causar outros, poderíamos antecipar, sem nunca ter visto algo semelhante, que o
impacto de uma bola de bilhar noutra bola de bilhar produz o movimento da
segunda. No entanto, sem experiência não é possível saber nenhuma destas
coisas. A experiência também não pode
justificar a relação de causa e efeito. A experiência apenas pode revelar
entre dois acontecimentos uma sucessão e conjunção constante, e nada permite
afirmar que o primeiro tenha realmente poder para produzir o segundo,
estabelecendo assim uma relação de dependência necessária do efeito em relação
à causa. Portanto, o conhecimento da relação de causa-efeito não pode ser
obtido a priori – independentemente
da experiência – nem a posteriori –
por intermédio da experiência.
22. Explique, de acordo com
a filosofia do conhecimento de David Hume, a relação entre hábito e inferência
causal.
Para Hume, a nossa ideia de inferência causal não tem uma
origem objetiva, isto é, na própria realidade, mas é o resultado de um
mecanismo psicológico subjetivo a que dá o nome de hábito. Não existe qualquer
justificação, racional ou empírica, para a nossa crença na existência de
relações causais. É o hábito baseado em repetições passadas, em que sempre que
um fenómeno ocorria um outro se lhe seguia, que nos leva a crer, isto é, ter a
expetativa de que um é causa e o outro efeito e que estão necessariamente conectados.
Com base no hábito e não na razão ou nos próprios objetos, acreditamos na
repetição futura dos acontecimentos.
A explicação de Hume baseia-se em fatores psicológicos.
Transformamos uma sucessão temporal regular em relação causal ou necessária
devido ao costume ou ao hábito: habituados a ver que B sucede regularmente a A,
acreditamos que A é a causa necessária de B, isto é, que sempre assim será. Na
verdade, o que acontece é que, por nos habituarmos a ver dois objetos
sucederem-se um ao outro do mesmo modo, criamos a tendência para crer que,
aparecendo o primeiro, aparecerá também o segundo. Nada mais ilusório do que
esta relação de dependência, porque transformou-se uma relação de mera sucessão
temporal (o antes e o depois) em relação causal. Não há, segundo Hume, qualquer
fundamento objetivo na experiência que confirme esta relação. Assim, o
princípio de causalidade considerado um princípio racional e objetivo nada mais
é do que uma crença subjetiva, o produto de um hábito, a transformação de uma
expetativa em realidade. O conceito de causa é o resultado de uma necessidade
psicológica. O hábito de vermos um dado acontecimento ser seguido por outro
leva-nos a crer que existe uma conjunção necessária entre esses acontecimentos.
Por conseguinte, a ideia de relação de causa e efeito é o produto da
subjetividade humana e não temos razões para afirmar que tem correspondência na
realidade objetiva.
23. Explique de que modo a
análise efetuada por David Hume ao princípio de causalidade se harmoniza com o
empirismo.
A análise de David Hume ao princípio de causalidade
harmoniza-se com o empirismo do seguinte modo: para Hume, uma ideia só é
verdadeira se tiver uma impressão que lhe corresponda. Por conseguinte, a
verdade das ideias é, em última instância, determinada pela experiência. E esta
é uma tese central do empirismo. À ideia de causa não corresponde qualquer
impressão sensível. Que regularmente vejamos ou tenhamos visto B acontecer
depois de A não nos permite estabelecer uma relação causal objetiva, ou seja,
que B acontecerá necessariamente depois de A. A experiência – para Hume o único
critério quanto a questões de facto – permite-me captar uma sucessão regular
entre dois fenómenos, mas não uma sucessão necessária (ou seja, só permite ver
o que acontece aqui e agora e não o que sempre acontecerá). Pela experiência,
sabemos que no passado a água ferveu, mas não é legítimo concluir que no futuro
sempre ferverá. E, contudo, acreditamos – e é útil que acreditemos – que o
aquecimento da água é a causa necessária da sua fervura.
24. Segundo Hume, a
confiança nos nossos raciocínios indutivos tem fundamento racional e objetivo?
Justifique.
Não. A indução ou é justificada de forma estritamente
racional (a priori, independentemente
da experiência) ou de forma a posteriori (por
intermédio da experiência).
A indução não pode ser justificada
com base na razão. Se
a indução fosse racionalmente justificável, então bastaria o facto de as
premissas serem verdadeiras para que a conclusão fosse verdadeira (isto é,
seria um argumento dedutivo com forma válida). Mas não é assim. A conclusão de
um argumento indutivo, mesmo no caso em que as premissas são verdadeiras, pode
ser sempre falsa. Portanto, a indução não pode ser justificada nem por
intermédio da razão.
A indução também não pode ser
justificada empiricamente, isto é, por intermédio da experiência. Por exemplo, diremos, com base na
experiência, que o Sol vai nascer amanhã, porque sempre nasceu até hoje. Isto
significa que acreditamos que o futuro será como o passado e que, por causa
disso, podemos estar confiantes de que o Sol nascerá amanhã. Mas que razões
temos para acreditar que o futuro será como o passado, que justificação temos
para crer na uniformidade da natureza? Uma vez mais, apenas a experiência
passada. Assim, a nossa crença na uniformidade da natureza tem por fundamento a
indução. Ora, justificar a indução por intermédio da indução é raciocinar em
círculo (é como dizer «o que justifica a indução é a indução»). Além disso, a
experiência passada nunca pode garantir a verdade da conclusão de um raciocínio
indutivo (que diz sempre respeito a casos que não são abrangidos por essa
experiência expressa pelas premissas). Portanto, a indução não pode ser
justificada.
25. Por que razão não
podemos justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza?
Todo o nosso conhecimento do mundo tem origem na experiência
e, se quisermos ir além da experiência imediata ou passada, temos de raciocinar
indutivamente. Segundo Hume, a confiança que depositamos nos raciocínios
indutivos depende do princípio de que a natureza é uniforme, o que significa
que este princípio ocorre como uma premissa implícita em todos eles. Assim, o
problema é como justificar este princípio. Hume afirma que não é possível
justificar a priori o Princípio da Uniformidade
da Natureza, porque só podemos conhecer a
priori verdades necessárias. Ora, uma proposição é uma verdade necessária
se e só se a sua negação implicar uma contradição. Não é isto que se passa com
o Princípio da Uniformidade da Natureza porque a ideia de a natureza não ser
uniforme é perfeitamente inteligível.
Mas também não é possível justificar empiricamente o Princípio
da Uniformidade da Natureza, porque qualquer justificação a posteriori desse princípio incorre numa petição de princípio, ou
seja, baseia-se num argumento indutivo, que por sua vez se baseia na crença na
regularidade e uniformidade – sempre o mesmo – do comportamento da natureza.
Portanto, o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode ser conhecido a priori – de forma puramente racional –
nem a posteriori – por meio da
experiência. Como o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode ser
justificado nem a priori nem a posteriori, não temos qualquer razão para pensar que a natureza
seja regular e, portanto, a maioria das nossas crenças acerca do mundo não tem
justificação.
II
1. «Das ideias que ocorrem na metafísica não as há mais obscuras
e incertas do que as de poder, força, energia ou conexão necessária […] Por
conseguinte, esforçar-nos-emos, nesta secção, por fixar, se possível, o
significado preciso destes termos e remover, desse modo, parte da obscuridade
que tão lamentada é neste tipo de filosofia.
Parece uma
proposição, não suscetível de muita discussão, que todas as ideias são apenas
cópias das nossas impressões ou, por outras palavras, que nos é impossível
pensar qualquer coisa que previamente não tenhamos sentido, quer pelos nossos
sentidos externos ou internos. Esforcei-me por explicar e demonstrar esta
proposição e expressei a esperança de que, mediante uma conveniente aplicação
dela, os homens possam alcançar uma maior claridade e precisão nos raciocínios
filosóficos do que a que, até agora, conseguiram obter.»
David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano
Tomando o
texto como ponto de partida, esclareça o ponto de vista de Hume acerca da ideia
de conexão necessária.
Os filósofos
racionalistas consideravam que existe uma relação causal entre acontecimentos,
isto é, uma conexão necessária entre acontecimentos que faz com que à
ocorrência de um deles se siga sempre necessariamente a ocorrência do outro.
Mas, segundo Hume, é impossível pela mera análise de um acontecimento, tido
como causa, descobrir os supostos efeitos a que dá origem (Adão, nunca poderia a priori, isto é, anteriormente à
experiência, saber que a água afoga) e, portanto, a ideia de relação causal não
tem um fundamento racional e não pode ser necessária. Mas, também não tem
fundamento na experiência. Para que a ideia de relação causal tivesse
fundamento na experiência, teria de haver uma impressão correspondente, uma vez
que todas as ideias derivam e correspondem às impressões. No entanto, a
experiência não nos dá qualquer impressão correspondente à ideia de uma conexão
necessária, mostra-nos apenas a existência de uma conjunção constante de
acontecimentos. Temos a impressão do acontecimento A e, seguidamente, do
acontecimento B. Portanto, a ideia de conexão necessária não tem um fundamento
na razão nem na experiência. Ela é o resultado do mecanismo psicológico do hábito ou costume. O hábito de vermos um dado acontecimento ser seguido por
outro leva-nos a crer que existe uma conjunção necessária entre esses
acontecimentos. Por conseguinte, a ideia de relação de causa e efeito é o
produto da subjetividade humana, e não temos razões para afirmar que tem
correspondência na realidade objetiva.
2. «Suponhamos que uma pessoa, embora dotada das mais fortes
faculdades da razão e reflexão, é trazida subitamente a este mundo; de facto,
observaria de imediato uma contínua sucessão de objetos e um acontecimento
seguindo-se a outro, mas nada mais seria capaz de descobrir. Não conseguiria,
de início, através de qualquer raciocínio, alcançar a ideia de causa e efeito,
dado os poderes particulares pelos quais as operações naturais são executadas
nunca aparecerem aos sentidos; nem é justo concluir, só porque um acontecimento
precede outro, que o primeiro é a causa e o segundo o efeito. A sua conjunção
pode ser arbitrária e casual. Pode não haver outro motivo para inferir a
existência de um a partir da ocorrência do outro.»
David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano
Exponha a
análise de David Hume da causalidade e da indução e explique as suas
consequências para as nossas crenças acerca do mundo.
Segundo Hume, todo o conhecimento acerca de
questões de facto que vá além da experiência imediata ou passada baseia-se na
relação de causa-efeito. Em que consiste esta relação e como a conhecemos? Há
duas possibilidades: a relação de causa e efeito é conhecida a priori ou deriva da experiência. Ora,
segundo Hume, a relação de causa-efeito não pode ser conhecida a priori porque, se o pudesse,
poderíamos saber, sem qualquer experiência empírica, que a água afoga ou que o
impacto de uma bola de bilhar noutra bola de bilhar origina o movimento da
segunda. No entanto, sem recorrer à experiência não é possível saber que isto é
assim. É apenas a observação da conjunção constante e da sucessão de dois
acontecimentos que nos leva a pensar que um desses acontecimentos é a causa do
outro. Portanto, o conhecimento da relação de causa e efeito não tem uma origem
a priori. Terá, nesse caso, por base
a experiência? A experiência apenas pode revelar entre dois acontecimentos uma
sucessão e uma conjunção constante. Tudo o que podemos perceber é que um
acontece a seguir ao outro e que a ocorrência de um é seguida da ocorrência do
outro. É tudo. Por conseguinte, por mais que observemos a ocorrência conjunta
de dois acontecimentos (por exemplo, o impacto de uma bola de bilhar numa outra
bola e o consequente movimento desta), nunca encontraremos aí qualquer impressão
que corresponda à ideia de relação causal, isto é, de conexão necessária e que
a possa justificar. Não temos, portanto, qualquer razão objetiva para afirmar
que existe uma conexão necessária entre acontecimentos de modo tal que a
ocorrência de um, em iguais condições, é sempre seguida da ocorrência do outro.
Qual é, então, a explicação para a nossa crença na causalidade? Segundo Hume,
esta ideia não tem origem realidade, mas num hábito que resulta da associação que fazemos com base na observação
repetida da sucessão e conjunção de acontecimentos. Isto é, a ideia de conexão
necessária ou de causa-efeito é uma produção subjetiva da mente a que não é
possível fazer corresponder qualquer realidade externa.
O nosso conhecimento do mundo depende
também dos raciocínios indutivos. Ora, segundo Hume, a nossa confiança nos
raciocínios indutivos depende do princípio de que a natureza é uniforme e, por
esse motivo, este princípio constitui uma premissa implícita de todos os
raciocínios indutivos. Assim, o problema é saber se este princípio pode ser
justificado a priori ou a posteriori. Hume afirma que isso não é
possível. Não é possível justificar a
priori o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque só podemos conhecer a priori verdades necessárias e o Princípio
da Uniformidade da Natureza não é uma verdade necessária porque, para isso, a
sua negação teria de implicar uma contradição, o que não acontece, uma vez que
a ideia de a natureza não ser uniforme é perfeitamente inteligível. Também não
é possível justificar a posteriori,
isto é, pela experiência, o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque uma
justificação desse tipo do princípio incorre sempre na falácia da petição de
princípio. Portanto, o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode ser
justificado a priori nem a posteriori e, por essa razão, não
temos qualquer razão para pensar que a natureza é uniforme. Consequentemente, a
maioria das nossas crenças acerca do mundo não têm uma justificação racional.
3. «Há alguns filósofos que imaginam que a todo o momento temos
consciência íntima daquilo a que chamamos eu; que sentimos a sua existência e a
sua continuidade na existência; e que estamos certos, para além da evidencia de
uma demonstração, da sua identidade e simplicidade perfeitas. A sensação mais
forte e a paixão mais violenta, dizem eles, em vez de nos distraírem dessa
visão apenas a fixam mais intensamente e fazem-nos considerar a sua influência
sobre o eu pela sua dor ou pelo seu prazer. Tentar fornecer uma prova mais
completa disto seria enfraquecer-lhe a evidência, uma vez que nenhuma prova
pode ser derivada de um facto do qual estejamos tão intimamente cônscios; e não
há nada de que possamos estar certos se duvidarmos deste facto.
Infelizmente
todas estas afirmações positivas são contrárias a essa mesma experiência que se
invoca em seu favor; e não temos nenhuma ideia do eu da maneira que está aqui
explicada. Com efeito, de que impressão poderia derivar esta ideia?»
David Hume, Tratado da Natureza Humana
Exponha a
análise de Hume das crenças na existência do eu e do mundo exterior.
Hume pensa
que não temos conhecimento do eu, porque não temos qualquer impressão que lhe
corresponda. Temos consciência das nossas perceções, sensações e sentimentos,
pensamentos e emoções. Mas, por mais que procuremos, não encontramos uma
impressão que possa estar na origem da ideia de Eu. Sempre que inspecionamos os
conteúdos da nossa própria mente, descobrimos impressões e ideias, de calor ou
de frio, de claro ou escuro, de amor ou ódio, de prazer ou dor, mas nunca
encontramos nada que corresponda ao eu, que supostamente constitui a sede
dessas perceções. A mente, diz Hume, é uma espécie de teatro em que várias
perceções ocorrem sucessivamente. Contudo, a comparação com o teatro não nos
deve enganar, uma vez que são unicamente estas perceções que constituem a mente
e não temos a mais remota noção do lugar em que estas cenas são representadas
ou dos materiais de que são compostas.
Por outro
lado, também não podemos estar certos da existência do mundo exterior. Pensamos
que existem objetos externos, que têm uma existência contínua e independente de
nós, porque temos certas perceções cuja origem atribuímos a esses objetos. Mas
será que podemos provar que esses objetos são efetivamente a origem das nossas
perceções? Hume pensava que não, porque a nossa mente conhece unicamente as
suas próprias perceções, isto é, as impressões e ideias, e tanto umas como
outras são estados internos, subjetivos, e não podem constituir prova de que
algo tem uma existência contínua e independente fora de nós. É perfeitamente
possível que essas perceções existam sem que lhes corresponda qualquer objeto
(prova-o as alucinações e os sonhos). A aparente constância das coisas, o facto
de que o que vemos hoje é mais ou menos igual ao que vimos ontem, leva-nos a
acreditar que têm uma existência independente das nossas perceções. Esta crença
não tem, no entanto, justificação porque não temos experiência da conjunção
constante entre os objetos e as nossas impressões. O facto de não se poder
justificar racionalmente a existência do mundo exterior, no entanto, não
implica que este não exista. Não podemos conhecer a existência do mundo
exterior, mas podemos acreditar que existe. Trata-se de uma crença que, embora
não seja racionalmente justificável, é tão natural que devemos perguntar que
razões nos levam a acreditar que o mundo externo existe e não propriamente se
ele existe.
III
1. Esclareça o que
distingue o empirismo de Hume do racionalismo de Descartes.
As diferenças
a destacar são as seguintes:
A origem do conhecimento.
A possibilidade do
conhecimento.
Os
limites do conhecimento.
Ciência e metafísica
1. A origem do conhecimento.
Descartes considera que a experiência, dados os
erros dos sentidos, não pode ser fonte credível de conhecimentos, melhor dizendo,
as suas informações não podem constituir (dado que muitas vezes são
enganadoras) crenças básicas que possam conduzir a outros conhecimentos. O
saber constrói-se com base em ideias inatas e, desde que siga um método correto
e Deus garanta o normal funcionamento da nossa razão, podemos alcançar verdades
objetivas sobre o mundo. Esta rejeição dos sentidos é uma convicção fundamental
de Descartes e marca a sua orientação claramente racionalista inspirada no
modelo dedutivo das matemáticas.
Para Hume, todas as ideias têm uma origem empírica.
Todos os nossos conteúdos mentais são perceções. Estas são de dois tipos:
impressões e ideias. As nossas ideias são cópias das nossas impressões e por
isso não há ideias inatas.
2. A
possibilidade do conhecimento.
Partindo de um ceticismo metódico, Descartes liberta
a razão da dependência em relação à experiência e, tornando o seu funcionamento
dependente da garantia de Deus, conclui que podemos alcançar conhecimentos
objetivos acerca do mundo.
Para Hume, o critério de verdade do nosso
conhecimento é este: um conhecimento, uma ideia, só é válido se pudermos
indicar a impressão ou impressões de que deriva. A toda e qualquer ideia tem de
corresponder uma impressão sensível. Se não há correspondência, há falsidade.
Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao
conhecimento do mundo e do que transcende a natureza, Hume argumenta contra os
racionalistas que o conhecimento científico não é como o conhecimento
matemático, não o podendo ter como modelo: não é um conhecimento puramente
demonstrativo, mas procede da experiência.
Quanto à objetividade das leis naturais defendida
por pensadores não racionalistas como Locke e Newton, o filósofo escocês
argumenta que qualquer generalização, baseando-se em factos passados e pretendendo
valer para o que ainda não foi objeto de experiência, é incerta. Nada podemos
saber acerca do futuro porque nada nos garante que o futuro seja semelhante ao
passado. Não há conhecimento, propriamente falando, do que ultrapassa a nossa
experiência atual ou passada: o que aconteceu não serve como fundamento seguro
da previsão do que ainda não aconteceu.
Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso
conhecimento não é certo e seguro. Mas uma coisa é o valor científico dos
nossos conhecimentos e outra a sua utilidade prática e vital: sabemos que os
nossos «conhecimentos científicos» são mais pretensão e desejo de segurança do
que saber, mas não podemos viver sem essas sábias ilusões.
3. Os limites do conhecimento.
Descartes afirma que a razão apoiada na veracidade
divina e nas ideias inatas pode conhecer a realidade na sua totalidade ou,
melhor dizendo, os princípios gerais de toda a realidade: Deus, alma e mundo
são realidades que podem ser conhecidas.
Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o
critério de verdade do conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo
outra base que não as impressões ou sensações, o nosso conhecimento está limitado
por elas: não posso afirmar nenhuma coisa ou realidade da qual não tenho
qualquer impressão sensível (como, por exemplo, Deus).
4. Ciência e
metafísica
Em Descartes, temos uma fundamentação metafísica da ciência, isto
é, uma fundação baseada em realidades metafísicas tais
como Deus e alma (mas sobretudo Deus, que é o
verdadeiro pilar do sistema científico que Descartes se propôs construir).
Segundo Hume,
não podemos afirmar a existência de qualquer fundamento metafísico do saber.
2. Compare as posições de
Hume e de Descartes relativamente à origem do conhecimento humano.
As posições de Hume e Descartes relativamente ao conhecimento
humano não podem ser mais díspares. Partindo da ideia de que só são
conhecimento as ideias que são claras e distintas, isto é, das quais não há a
mínima possibilidade de duvidar, Descartes é levado a fazer da razão, e não dos
sentidos, a origem do conhecimento, precisamente porque nenhuma ideia com
origem neles pode ter o caráter de indubitabilidade que o conhecimento requer.
A dúvida metódica, processo pelo qual a razão submete a apreciação crítica o
saber tradicional, mostra, primeiro por intermédio do argumento das ilusões dos
sentidos, depois por intermédio do argumento dos sonhos, que duas proposições
básicas para o nosso conhecimento e para a nossa vida quotidiana, como «o mundo
existe» e «os sentidos são fidedignos na informação que nos fornecem acerca do
mundo», não são indubitáveis, e, embora o argumento do Deus enganador permita
duvidar das verdades da matemática, isto é, das proposições não empíricas, o Cogito, verdade de razão, afirma-se com
uma tal evidência que é impossível recusar a sua indubitabilidade. É, portanto,
na razão, e não na experiência (ou melhor, nas ideias adventícias, como
Descartes lhes chama, que têm origem na experiência e que são incertas e
confusas), que o conhecimento tem origem.
A análise dos conteúdos da mente realizada por Hume condu-lo
a uma posição oposta à de Descartes. A sua teoria das ideias afirma que estas
são cópias das impressões e delas derivam. Não há ideias inatas. Com efeito,
diz Hume, aqueles a quem, por alguma razão, falta a impressão também nunca têm
a respetiva ideia. Um cego de nascença, que não tem, por exemplo, a sensação de
vermelho, também nunca tem a respetiva ideia.
Do mesmo modo, quando alguém nunca teve uma dada sensação,
não tentamos fazer com que a tenha a partir de uma ideia, mas pondo a pessoa
numa situação em que possa adquirir essa sensação. Tudo isto prova, pensa Hume,
que não existem ideias inatas e que todo o conhecimento tem origem, não na
razão, mas na experiência.
Há, no entanto, um ponto em que Hume e Descartes estão de
acordo. Ambos pensam que a experiência não pode ser a origem do conhecimento,
se entendermos que só as ideias de cuja verdade temos absoluta certeza são
conhecimento. Esta constatação leva Descartes a encontrar na razão a origem e o
critério do conhecimento. Para Hume, esta via está vedada pela recusa do
inatismo e, portanto, ao contrário de Descartes, pensa que só a experiência
legitima as nossas ideias, sem, no entanto, lhes conferir absoluta certeza,
isto é, o estatuto de conhecimento, à exceção dos domínios da matemática e da
lógica.
3. Compare as posições de
Hume e de Descartes relativamente à possibilidade do conhecimento humano.
Partindo da tese segundo a qual existem ideias inatas, isto
é, ideias que a mente descobre em si mesma, Descartes afirma que é na razão, e
não na experiência, que o Cogito se
descobre a si próprio enquanto verdade primordial. Todo o conhecimento, para
Descartes, é constituído por ideias a que a razão chega por deduções, a partir
da intuição fundamental que o Cogito
descobre em si mesmo pela análise dos seus conteúdos. Dado o caráter
absolutamente racional e demonstrativo destas deduções, tudo o que conhecemos
por seu intermédio é igualmente indubitável. O conhecimento é, portanto,
constituído por todas as ideias que somos capazes de deduzir a partir das
ideias inatas. É desse modo que, a partir do Cogito, isto é, o conhecimento da nossa própria existência enquanto
alma, somos capazes de conhecer Deus e o mundo. Nada está fora do alcance da
razão, na condição de sermos capazes de o deduzir de proposições indubitáveis.
Esse é, pelo menos, o espírito do projeto cartesiano, embora o próprio
Descartes reconheça que a existência do mundo exterior, posta em causa pela
dúvida metódica, em rigor, não pode ser deduzida de princípios estritamente
racionais. O racionalismo de Descartes manifesta-se, em resumo, na ideia de que
é a razão, e não os sentidos, que fornecem as ideias que constituem o ponto de
partida para o conhecimento. Partindo de um ceticismo metódico, Descartes liberta
a razão da dependência em relação à experiência e, tornando o seu funcionamento
dependente da garantia de Deus, conclui que podemos alcançar conhecimentos
objetivos acerca do mundo.
Para Hume, o critério de verdade do nosso conhecimento é
este: um conhecimento, uma ideia, só é válido se pudermos indicar a impressão
ou impressões de que deriva. A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma
impressão sensível. Se não há correspondência, há falsidade. Criticando a fé
cega no poder da razão quanto ao conhecimento do mundo e do que transcende a
natureza, Hume argumenta contra os racionalistas que o conhecimento científico
não é como o conhecimento matemático, não o podendo ter como modelo: não é um
conhecimento puramente demonstrativo, mas procede da experiência. Quanto à
objetividade das leis naturais defendida por pensadores não racionalistas como
Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta que qualquer generalização,
baseando-se em factos passados e pretendendo valer para o que ainda não foi
objeto de experiência, é incerta. Nada podemos saber acerca do futuro porque
nada nos garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há conhecimento,
propriamente falando, do que ultrapassa a nossa experiência atual ou passada: o
que aconteceu não serve como fundamento seguro da previsão do que ainda não
aconteceu.
Para Hume, ao contrário de Descartes, o conhecimento do mundo
não é possível, quer entendamos por conhecimento verdades indubitáveis quer
entendamos crenças que estão racionalmente justificadas, embora não de modo a
garantir a certeza da verdade. Os raciocínios indutivos – a nossa forma de
conhecer os factos do mundo – também não podem ser justificados racionalmente
porque todos eles dependem do Princípio da Uniformidade da Natureza, e este
princípio não pode ser racionalmente justificado porque qualquer tentativa de o
fazer envolve a utilização de raciocínios indutivos. As nossas crenças acerca
do mundo não constituem um conhecimento objetivo da realidade e são antes o
resultado de mecanismos psicológicos com que a natureza nos dotou para
assegurar a nossa existência.
Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é
certo e seguro. Mas uma coisa é o valor científico dos nossos conhecimentos e
outra a sua utilidade prática e vital: sabemos que os nossos «conhecimentos
científicos» são mais pretensão e desejo de segurança do que saber, mas não
podemos viver sem essas sábias ilusões.
4. Compare as
posições de Descartes e de Hume relativamente aos limites do conhecimento
humano.
Descartes afirma que a razão, apoiada na veracidade divina e
nas ideias inatas, pode conhecer a realidade na sua totalidade ou, melhor
dizendo, os princípios gerais de toda a realidade: Deus, alma e mundo são
realidades que podem ser conhecidas.
Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de
verdade do conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo outra base
que não as impressões ou sensações, o nosso conhecimento está limitado por
elas: não posso afirmar nenhuma coisa ou realidade da qual não tenho qualquer
impressão sensível (como, por exemplo, Deus).
A filosofia de Descartes constitui um bom exemplo de um
pensamento fortemente otimista acerca das capacidades da razão humana. Quando
corretamente utilizada, nada há que a razão não possa conhecer. Utilizar
corretamente a razão é, para Descartes, proceder por deduções rigorosas a
partir de ideias claras e distintas.
Procedendo desse modo, é possível à razão conhecer, isto é,
demonstrar a existência de realidades metafísicas (das quais não temos,
portanto, nenhuma evidência empírica), como a alma, Deus e o mundo. Em oposição
a este otimismo racionalista de Descartes, a filosofia de David Hume tem um
pendor cético. Todo o nosso conhecimento tem origem e deriva da experiência, e
daquilo que não temos experiência não temos conhecimento. O Princípio da Cópia
que estabelece que todas as ideias são cópias de impressões constitui também o
critério de legitimidade de uma ideia: as ideias que não possamos fazer derivar
de impressões não têm pura e simplesmente sentido. Estão nesta situação, pensa
Hume, ideias metafísicas como as de alma, de Deus e de mundo. Nenhuma destas
ideias pode ser feita remontar a uma impressão e, em rigor, estas palavras não
têm qualquer significado. Não há, nem pode haver, portanto, conhecimento destas
entidades, e a metafísica, enquanto disciplina que estuda este tipo de
entidades não empíricas, não constitui uma ciência.
excelente texto!
ResponderEliminarexcelente texto!
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