A dimensão prática da filosofia.
«A filosofia carateriza-se pela elaboração de teorias abstratas, cuja ligação com a vida de todos
os dias não é imediatamente transparente. Contudo, é precisamente este
distanciamento que permite ao filósofo considerar as coisas com olhos
diferentes e ver o que, com o olhar de todos os dias, escapa ou não se
compreende. O que é a realidade? Deus existe? E, se existe, qual é a sua
relação com o mundo e os seres humanos? Como distinguir o bem do mal, o justo
do injusto? É nosso dever ajudar os outros? O que é o Estado e por que devemos
submeter-nos às suas leis?
Estas questões, apesar da sua formulação abstrata, são muito concretas
porque o modo como lhes respondemos afeta as nossas ações quotidianas. Que eu
seja otimista ou pessimista está ligado, não só ao meu caráter, mas também à
conceção que tenho da realidade. Das minhas crenças morais depende também que
seja solidário ou egoísta na relação com os outros. Ser politicamente de
esquerda ou de direita tem muito a ver com o modo como entendo o Estado e a sua
função. A conceção que tenho do conhecimento científico influencia a minha
escolha de acreditar ou não na astrologia, de ir ao médico em vez de ir a um
curandeiro. Das minhas convicções religiosas depende em parte que vá ou não à
missa. E assim por diante. Para responder às perguntas da filosofia,
analisam-se conceitos básicos e muito gerais, elaboram-se teorias abstratas. Os
referidos conceitos e teorias abstratas são estudados pelos filósofos, não só
por si mesmas, pelo seu valor intrínseco, mas também como instrumentos que nos
guiam na vida concreta, para sabermos melhor onde pôr os pés».
Giuseppe Cambiano e Massimo
Mori, Le Stelle di Talete, Editori Laterza, Bolonha, 2004, pp. 2-3. Tradução e adaptação do autor.
Dissemos já que a filosofia
procurava encontrar respostas credíveis para questões fundamentais da vida, que
suscitam natural curiosidade e desejo de resposta. Ora, as respostas que uma
pessoa alcança ou que aceita terão, mesmo que muitas vezes não se dê
explicitamente conta, um impacto assinalável na sua vida. Pensemos por exemplo
na questão «O que sou eu, que espécie de ser sou eu?». Uma resposta tradicional
a esta questão é a seguinte: O ser humano é união de um corpo e de uma alma. O
corpo tem uma duração temporalmente limitada. A alma vive para sempre. Afirma-se
também que a vida eterna da alma depende do modo como conduzimos a nossa
existência na vida presente. Se aceito esta teoria, tenho uma resposta para a
questão bem prática «Como devo viver a minha vida?». Devo viver cumprindo
certas normas que permitirão alcançar a felicidade e a bem-aventurança noutro
mundo.
Outra questão: «Será que Deus
existe?». Se respondo afirmativamente, a minha atitude em relação aos outros,
ao mundo natural, à morte e ao que considero moralmente certo ou errado será em
parte bem diferente da atitude de quem responder não.
«Como devo relacionar-me com os
outros, com a sociedade em geral?» A forma como responder a esta questão irá
influenciar o tipo de cidadão que serei, a participação na vida política e a
vontade de mudar o mundo ou de não me interessar minimamente por isso.
Imaginemos também que defendo a teoria filosófica de que os
animais têm direitos, sobretudo o direito de não sofrer, e que por isso temos
obrigações morais a seu respeito. Esta crença pode alterar radicalmente os meus
hábitos e comportamentos: tornar-me-ei vegetariano, participarei eventualmente
em movimentos contra as touradas e outros espetáculos que considero causarem
sofrimento escusado aos animais e poderei mesmo escrever livros sobre o assunto.
Como se vê, as teorias
filosóficas têm implicações práticas profundas. Um aviso: os livros de
filosofia não são manuais de autoajuda como os que vemos nos escaparates das
livrarias. Nenhum filósofo intelectualmente honesto nos diz como devemos resolver
os nossos problemas. E, mesmo que uma teoria sirva indiretamente para tal
efeito, exige-se que seja assimilada criticamente, discutindo-a e avaliando os
seus pontos fracos e fortes.
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