I
1. Qual é o objetivo do
pensamento de Descartes?
O objetivo principal de Descartes é constituir um sistema de
conhecimentos firme e seguro no qual não haja lugar para crenças ou opiniões
falsas. Descartes define conhecimento como crença verdadeira justificada de forma
que seja impossível ser falsa.
2. Qual é a função da
dúvida?
A função da dúvida é separar o verdadeiro do falso, abrindo o
caminho para uma verdade indubitável a partir da qual se poderá reconstruir um
sistema de conhecimentos bem organizado.
3. Por que razão o primeiro
nível da aplicação da dúvida (o do argumento das ilusões dos sentidos)
significa que Descartes nega o empirismo?
O empirismo é a tese de que os sentidos são a origem do
conhecimento. Ora, o argumento das ilusões dos sentidos mostra que os sentidos
não são fontes seguras de conhecimento e, por esse motivo, nunca poderão
fornecer a primeira verdade indubitável com base na qual reconstruir o
conhecimento. Isso leva Descartes a negar que os sentidos são a fonte de
conhecimento.
4. Que resultados atinge
Descartes com os argumentos das ilusões dos sentidos e dos sonhos?
Com estes argumentos, Descartes mostra que os sentidos não
são fontes fidedignas de conhecimento e que é possível duvidar da existência
das coisas sensíveis. Em suma, que nem a crença na fiabilidade dos sentidos nem
a crença na existência do mundo exterior são indubitáveis.
5. Que função tem no
pensamento de Descartes o argumento do Deus enganador?
A função do argumento do Deus enganador é mostrar que nem as
verdades de razão, em particular os conhecimentos da matemática, são imunes à
dúvida.
6. Que resultados atinge Descartes com a
dúvida metódica?
Descartes mostra que nem as verdades de razão nem as verdades
sensoriais, isto é, que nem as proposições
a priori nem as proposições a
posteriori são indubitáveis e, portanto, que aparentemente nem umas nem
outras constituem o ponto de partida do conhecimento.
7. Pode a dúvida cartesiana
ser considerada cética?
Não. A
dúvida cética tem por objetivo mostrar que o conhecimento não é possível. A
dúvida cartesiana tem o objetivo oposto, mostrar que há conhecimento, isto é,
verdades indubitáveis.
8. Descartes afirma que os
céticos não conseguem demonstrar que não há conhecimento. Porquê?
Porque há pelo menos uma verdade, «penso, logo, existo», que
resiste a todas as dúvidas, mesmo as mais radicais. Essa verdade é justificada
pela própria dúvida. Quando duvidamos, estamos a pensar e, se pensamos, somos
necessariamente alguma coisa. Este é um conhecimento que nenhum cético consegue
abalar.
9. Que função tem Deus no
sistema de Descartes?
Deus tem duas funções principais: garantir a
fiabilidade das nossas faculdades (razão e sentidos) e a existência do mundo
físico, isto é, recuperar o que tinha sido posto em causa pela dúvida metódica.
10. Se voltámos ao ponto de
partida, qual a vantagem de toda esta investigação?
Voltámos ao ponto de partida, isto é, recuperámos
as crenças que a dúvida pôs em questão, mas agora podemos estar certos da sua
verdade, coisa que anteriormente não era possível.
11. Distinga o conhecimento
intuitivo do conhecimento dedutivo?
Conhecemos
por intuição aquilo que se apresenta imediatamente como claro e distinto à
mente, sem resultar de uma cadeia de raciocínios. Os conhecimentos que resultam
de uma cadeia de raciocínios são aqueles que obtemos por dedução.
12. Mostre
como Descartes prova a existência de Deus a partir da ideia de perfeito.
Eis o argumento da existência
de Deus como Ser perfeito (não enganador):
PONTO DE PARTIDA. A ideia de
um ser perfeito (a ideia de perfeito) existe no meu pensamento. A prova arranca
com esta pergunta: qual a causa ou o autor da ideia de perfeito? A questão não
é saber se essa ideia existe, mas sim saber qual a razão de ser ou causa da sua
existência no sujeito pensante.
DUAS HIPÓTESES DE SOLUÇÃO DO
PROBLEMA. A causa da existência da ideia de perfeito ou é o sujeito pensante ou
uma realidade diferente dele.
FORMULAÇÃO DO PRINCÍPIO DE
CAUSALIDADE PARA DECIDIR QUAL DESTAS HIPÓTESES É VERDADEIRA. Em termos gerais,
o princípio de causalidade diz que tudo tem uma causa. Em termos mais
específicos, este princípio diz que no efeito não pode haver mais realidade do
que na causa, ou seja, a causa não pode ser inferior ao efeito. A causa da
ideia de perfeição tem de possuir formalmente (no seu ser) tanta perfeição
quanto a que existe objetivamente na ideia.
O SUJEITO PENSANTE NÃO PODE
SER A CAUSA DA IDEIA DE PERFEITO. Como já sabemos, o sujeito pensante é
imperfeito. Sendo imperfeito, não pode ser causa da ideia de ser perfeito
porque então haveria mais realidade no efeito do que na causa; o imperfeito não
pode ser causa do que é perfeito. Se o sujeito pensante fosse a causa da ideia
de ser perfeito (da ideia de Deus), teria de ser causa dos predicados que
constituem a ideia de Deus. Como os predicados do ser perfeito são perfeições,
o sujeito pensante teria de ser perfeito para ser o seu autor. Ora, isso não
acontece. Logo, o sujeito pensante não pode ser a causa da ideia de perfeito.
DEUS, O SER PERFEITO, É A
CAUSA NECESSÁRIA DA IDEIA DE PERFEITO. Se a ideia de um ser perfeito existe,
necessariamente existe o ser perfeito que a «pôs» no sujeito pensante. Deus
existe como causa da ideia de perfeito.
13. Tente criticar o argumento que Descartes usa para
provar a existência de Deus como causa da ideia de perfeito (também conhecido
como argumento da marca).
O princípio no qual se baseia
o argumento – tem de haver pelo menos tanta realidade na causa de algo como no
efeito – é contestável. Nesta ordem de ideias, a vida só poderia ser causada
por coisas vivas. Ora, os cientistas afirmam hoje em dia que a vida evoluiu a
partir de matéria inanimada. E não se vê como pode a existência de Deus ser uma
evidência tão clara e distinta como a do sujeito pensante.
14. Só Deus garante que as minhas ideias claras e distintas
são objetivas e verdadeiras. Ora, foi partindo de ideias claras e distintas –
Existo como substância pensante, sou imperfeito – que Descartes provou a
existência de um Deus em que podia confiar, de um Deus que é o garante de que,
quando penso clara e distintamente algum objeto, não me engano. Não há algo de
falacioso no raciocínio de Descartes?
Estamos perante aquilo que se
convencionou chamar círculo cartesiano. Utiliza-se como instrumento de prova da
existência de um Deus que vai garantir a objetividade das minhas ideias claras
e distintas, precisamente o que depende da existência de Deus, ou seja, a
crença de que as minhas ideias claras e distintas são verdadeiras. Por outro
lado, como é o entendimento que se encarrega de provar a existência de Deus
quando ainda pairam dúvidas sobre a sua capacidade, não será que também podemos
duvidar da demonstração da existência de Deus?
O argumento parece circular. A
existência de Deus é a garantia da veracidade das minhas ideias claras e
distintas, mas é baseado nesta crença (na veracidade das ideias claras e
distintas) que demonstro a existência de Deus.
15. Por que razão Descartes se empenha tanto em provar a
existência de um ser perfeito? Qual o papel de Deus no sistema cartesiano?
A estabilidade da verdade é
condição da ciência dedutiva que Descartes quer constituir. Não podemos prestar
atenção a todas as verdades ao mesmo tempo porque a capacidade de atenção do
nosso entendimento é muito restrita. Ora, se queremos constituir um corpo de
conhecimentos científicos que progrida de verdade em verdade, que se torne cada
vez mais amplo, não podemos, contudo, torná-las todas atualmente evidentes:
temos de nos contentar em guardar as evidências na memória. O que me garante
que a verdade não muda enquanto eu deixo de a conceber efetivamente, por outras
palavras, o que me garante que as evidências às quais dei o meu assentimento
continuam a ser evidências quando já nelas não penso, quando já não estão
presentes efetivamente na minha consciência? Esta estabilidade da verdade que a
hipótese do Deus enganador destruiria é agora garantida pela veracidade divina.
II
1
«Ora, depois de o
conhecimento de Deus e da alma ter garantido a certeza dessa regra, é fácil
compreender que os sonhos que imaginamos não devem de modo algum fazer-nos
duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados. [...] Todas as
nossas ideias ou noções devem ter algum fundamento verdadeiro; porque não seria
possível que Deus, que é inteiramente perfeito e verídico, as tivesse posto em
nós sem isso.»
René Descartes, Discurso do Método, Parte IV, Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1981, p. 33
Depois de ter descoberto o Cogito, Descartes procede à recuperação
de tudo o que tinha sido posto em questão pela dúvida metódica. De que modo faz
isso?
Orientações:
1. A função de Deus no sistema cartesiano.
2. A prova da existência de Deus.
3. A recuperação da confiança nas proposições matemáticas e
racionais.
4. A recuperação da crença na existência do mundo exterior.
A
superação da dúvida cética deixou-nos na posse de uma verdade indubitável, o Cogito. Esta verdade é, dada a sua
natureza, a base de todo o conhecimento, porque toda e qualquer proposição que
seja possível dela deduzir é, devido às relações lógicas que com ela mantém,
igualmente verdadeira. No entanto, a descoberta do Cogito corresponde à posição solipsista, uma vez que tudo o que
sabemos, nessas circunstâncias, é que existe um eu e as suas experiências
mentais. Descobrir o Cogito, por si
só, não permite, portanto, resgatar o que a dúvida metódica tinha posto em
questão. Enquanto a hipótese do Deus enganador não for definitivamente afastada
(e o Cogito por si só não o pode
fazer), não há nenhuma garantia de que é verdade o que conhecemos com clareza e
distinção nem de que existe uma realidade que corresponde e é a causa das
experiências mentais. Ora, a única forma de afastar a hipótese do Deus
enganador é provar que Deus existe e não é enganador. É, portanto, isso que
Descartes vai fazer. E depois, com a ajuda de Deus, é possível a Descartes
demonstrar que a clareza e distinção é o critério de verdade e que existe um
mundo objetivo exterior ao Cogito.
O
argumento que Descartes apresentou a favor da existência de Deus é o seguinte.
Ao investigarmos o conteúdo da nossa mente, descobrimos aí a ideia de Deus,
isto é, a ideia de um ser perfeito. Qual a causa desta ideia de perfeição que o
Cogito descobre em si próprio?
Existem duas alternativas possíveis: a ideia de perfeição tem origem no próprio
Cogito ou a sua causa é exterior ao Cogito. Ora, o Cogito é imperfeito (se fosse perfeito, não duvidaria), e como,
segundo Descartes, para que uma coisa seja causa de outra tem de possuir pelo
menos tanta realidade quanto o efeito a que der origem, não pode, por isso, ser
a origem da ideia de perfeição. Qual é, então, a causa da ideia de perfeição
que o Cogito descobre em si? A
resposta de Descartes é a de que a ideia de perfeição tem de ter origem num ser
que é ele próprio perfeito, isto é, em Deus, e, portanto, Deus tem de existir.
A
dúvida metódica pôs em questão a fiabilidade das nossas faculdades racionais e
a existência do mundo físico, em parte recorrendo à possibilidade de sermos
vítimas de um Deus enganador. Ora, uma vez que Deus é perfeito, não é
enganador. E, se Deus não é enganador, o que a mente concebe clara e
distintamente não pode ser falso. A veracidade divina garante a fiabilidade das
nossas capacidades racionais e, portanto, é eliminada a hipótese de nos
estarmos a enganar quando aceitamos como sendo verdadeiro aquilo que a mente
concebe com clareza e distinção.
Mas
como posso estar certo de que o mundo existe? Como recupera Descartes a crença
na existência do mundo exterior? Concebo clara e distintamente que sou uma
substância pensante, que Deus existe e não me engana e que posso confiar no meu
entendimento quando concebe que as coisas sensíveis são extensas. A minha
razão, por si só (a priori),
permitiu-me conhecer tudo isso de modo indubitável a partir do Cogito.
O
problema da existência do mundo, no entanto, não pode ser resolvido dessa forma
pelo nosso entendimento. O máximo que a razão nos pode assegurar é da
existência e veracidade divina. O que nos leva a crer na existência do mundo é
um sentimento obscuro, embora seja, segundo Descartes, uma certeza intensa na
qual devemos confiar. Certas sensações que eu experimento acontecem contra a
minha vontade. Não sou o seu autor, pois então acontecem quando eu quiser e
como eu quiser. Essas sensações exigem a existência de algo de exterior a mim
que seja a sua causa. A crença de que são as coisas corpóreas ou sensíveis a
causa das sensações é uma crença irresistível, ou seja, uma espécie de
ensinamento da natureza e um instinto. De tal modo assim é que, para a
considerar falsa, teríamos de supor um Deus enganador, o que sabemos agora ser
impossível. Logo, é preciso «confessar» que as coisas corpóreas existem.
2
Mostre como Descartes
alcança, por intermédio da dúvida, a primeira verdade indubitável do sistema
dos conhecimentos.
Na sua resposta, contemple
os seguintes tópicos:
1.
O projeto de Descartes quanto ao problema do conhecimento.
2.
A natureza e a função da dúvida.
3.
Os «conhecimentos» que examina em busca da primeira verdade.
4.
O duplo resultado do exercício da dúvida.
Tendo como projeto reorganizar e
fundamentar o conjunto dos conhecimentos, Descartes decide que o novo sistema
dos conhecimentos terá de apresentar as seguintes caraterísticas:
1 – Ser constituído por bases ou
princípios que resistam a qualquer dúvida, isto é, que sejam absolutamente
evidentes (como diz a regra da evidência, não podem suscitar a mínima suspeita
de que sejam falsos).
2 – Ser organizado de tal forma que
os conhecimentos derivem na devida ordem dos primeiros princípios que foram
estabelecidos.
Como encontrar conhecimentos
absolutamente indubitáveis? Como encontrar verdades sobre as quais não possa
recair a mínima suspeita de falsidade?
Utilizando a dúvida como instrumento
de exame crítico dos conhecimentos. De todos? Não. Seria impossível analisá-los
um a um. Descartes decide que vai submeter a exame crítico os «alicerces do
edifício do conhecimento», ou seja, as bases ou princípios gerais em que se
baseia.
Para que a dúvida metódica esteja
intimamente ligada à primeira regra do método que identifica o verdadeiro com o
absolutamente verdadeiro, evidente ou completamente claro e distinto (não há
meio termo entre o verdadeiro e o falso), ela terá de ser estrategicamente
hiperbólica. Isto quer dizer o seguinte: qualquer crença será considerada falsa
se nela detetarmos a mínima fragilidade e qualquer faculdade que usamos para
conhecer será rejeitada como sempre enganadora se alguma vez nos tiver
enganado.
Mediante este princípio hiperbólico
de aplicação da dúvida, Descartes pretende separar radicalmente o verdadeiro do
falso para encontrar conhecimentos que sejam:
A – Fundamentais ou fundantes: deles
dependerão todos os outros conhecimentos;
B – Absolutamente verdadeiros ou
indubitáveis para que as bases do sistema do saber sejam indiscutivelmente
sólidas e firmes.
Então, apliquemos a dúvida,
examinemos de forma implacável os princípios em que o saber tradicional
assenta.
Descartes começa por examinar
criticamente a ideia de que os sentidos são o ponto de partida do conhecimento.
Rejeita, contudo, que o conhecimento derive da experiência sensível porque,
aplicando a regra hiperbólica associada à dúvida, se apercebe facilmente de
que, enganando-nos algumas vezes, os sentidos não são de confiar quanto às
informações que nos dão sobre as propriedades das coisas sensíveis. A rejeição
do empirismo está desde já claramente estabelecida: o conhecimento não começa
com a experiência porquê não pode começar com o que várias vezes nos ilude. O
que me engana algumas vezes não merece o mínimo crédito.
E as coisas sensíveis ou físicas – o
mundo físico ou material, natural – sobre as quais os sentidos nos transmitem
tantas informações erradas? Será que a crença na sua existência está ao abrigo
de qualquer dúvida? Será que esta crença pode ser o indubitável princípio do
sistema dos conhecimentos?
Parece absurdo pôr em causa a
existência real de coisas físicas, mas lembremos que, de acordo com a regra
hiperbólica de aplicação da dúvida metódica, basta uma leve e frágil suspeita –
que não deixa por isso de ser suspeita e motivo de desconfiança – para que uma
crença seja declarada falsa. Baseado na dificuldade em encontrar um critério
que distinga de forma absolutamente clara o sonho da realidade, o que vivemos
acordados e o que vivemos a dormir, Descartes argumenta que, por mais frágil
que seja o argumento, temos razão para duvidar de que as coisas físicas existam
realmente. Não é verdade que vivemos tão intensamente o que nos acontece
durante os sonhos e o que nos acontece no estado de vigília? O mundo físico
pode ser um sonho, uma ilusão e não uma realidade. A crença na sua real
existência é colocada sob suspeita e hiperbolicamente considerada falsa.
Deixemos o plano dos sentidos e das
coisas sensíveis – o mundo físico ou sensível. Parece que agora a dúvida
encontrará algo que lhe resista completamente. Não é verdade que objetos
inteligíveis como os conhecimentos matemáticos gozam de uma credibilidade a
toda a prova. Parece insensato pôr em causa que 2 + 2 = 4. Mas lembremos: basta
uma frágil suspeita, uma razão minimamente perturbadora, para pôr em causa
certos conhecimentos. Debrucemo-nos sobre os mais simples. Se puderem ser
objeto de dúvida, mais facilmente o serão os mais complexos. Acreditamos que 2
+ 2 = 4. Parece inconcebível duvidar disto. Mas…. mas ouvi dizer que Deus me
criou e que, criando-me, criou o meu entendimento depositando nele algumas
verdades elementares como 2 + 2 = 4. Ora, também se diz do meu suposto criador
que é omnipotente. Omnipotente? Quer dizer que… é capaz de tudo. HUM… Se é
capaz de tudo, o que me garante que não tenha criado o meu entendimento
destinando-o ao erro sem disso me informar? O que me garante que Deus não seja
um ser maligno que se diverte a enganar-me e a baralhar o meu entendimento,
levando-o a considerar verdadeiro o que pode ser falso e falso o que pode ser
verdadeiro. Esta hipótese parece demasiado «metafísica», o cúmulo do absurdo,
mas a verdade é que a suspeita se instala. E, como basta suspeitar por pouco
que seja de uma crença para a considerar falsa, então devemos reconhecer que as
supostas verdades matemáticas podem ser falsidades.
Chegado a este ponto, Descartes
pensa: todos os conhecimentos, quer os respeitantes a objetos sensíveis quer os
referentes a objetos inteligíveis, estão sob suspeita. Não resistiram ao exame
da dúvida. Hiperbolicamente, diremos que são todos falsos. Mas, se tudo é
falso, não será que falhou o projeto de encontrar um conhecimento indubitável
que seja o primeiro princípio em que assentam todos os conhecimentos. Não
estamos condenados ao ceticismo, à ideia de que não há conhecimentos
verdadeiros.
Descartes pensa com mais profundidade:
se o exercício da dúvida me conduziu a este ponto, devo reconhecer que a dúvida
é um ato que tem de ser exercido por alguém, por um sujeito. O sujeito que tudo
pôs em causa não pode pôr em causa a sua existência, não há como fazê-lo. O
exercício da dúvida é a «prova» de que ele existe. Como duvidar é um ato do
pensamento, devo dizer que «penso – duvido de todos os conhecimentos neste
momento –, logo, existo». A existência do sujeito que pensa é a condição sem a
qual não é possível duvidar.
«Penso, logo,
existo» – cogito ergo sum – é a
primeira e absoluta verdade que encontramos. Dela, por mais que nos esforcemos
não podemos duvidar. Será por isso o primeiro princípio do sistema dos
conhecimentos que dele iremos deduzir de forma puramente racional. Temos
lançada a primeira pedra do «edifício» dos conhecimentos. O termo cogito costuma usar-se como abreviatura
desta primeira verdade.
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