Quem mata
deve ser morto? É isso correto? Não será a pena de morte uma forma de punição
que não é admissível em sociedades civilizadas? Ou tendo em conta que, ao longo
da história, muitos filósofos e pensadores a defenderam será que não estamos
errados em condenar essa prática?
I
Argumentos contra a pena de morte
1. Trata – se de um
castigo cruel
A pena de morte é uma forma de punição bárbara e
cruel que priva a sua vítima do mais fundamental dos direitos: o direito à
vida.
2. Transforma o Estado
que a aplica num criminoso.
Matar um criminoso é descer ao nível do criminoso :
o crime não se vence com o crime e a
morte não se castiga com o assassínio.
3. Dado que somos
falíveis é de admitir que executemos pessoas inocentes.
É sabido que já se cometeram erros condenando – se
pessoas inocentes. Só nos E.U.A. foram erradamente condenadas à morte vinte e
três pessoas. Além de injustamente presas durante vários anos, essas pessoas
são vítimas de um erro irreparável.
Matando – as tiramos – lhes algo que não poderemos nunca devolver. Há quem
pense que este é o mais poderoso argumento contra a pena de morte. Como os erros não podem ser evitados, o mais
correcto é abolir a pena de morte.
4. Satisfaz emoções e
impulsos primitivos.
Os adversários da pena de morte argumentam que se pudéssemos assistir a uma execução e à
dificuldade em cumpri – la com o consequente sofrimento imposto ao condenado
e se conseguíssemos distanciar – nos das
emoções que a morte das vítimas dos condenados provocam consideraríamos que ao
aprovar tal forma de punição estaríamos a comportar – nos como pessoas sádicas,
cruéis e ignorantes.
5. O argumento baseado
nos custos materiais e emocionais.
O que custa mais? Manter um criminoso na prisão ou
tirar – lhe a vida? Por estranho que possa parecer a muitas pessoas a pena de
morte acarreta mais custos monetários do que o encarceramento perpétuo. Na
verdade, em muitos países os recursos dos advogados de defesa sucedem – se e
arrastam os processos por dezenas de anos com os custos decorrentes.
Outro aspecto do argumento refere os custos
emocionais. Dado o elevado número de recursos, as famílias das vítimas terão de
comparecer muitas vezes em tribunal, sendo obrigadas a enfrentar o suposto
assassino e a reviver a trágica perda que sofreram. Isso não aconteceria se o
criminoso fosse sentenciado a prisão perpétua, desaparecendo no sistema
prisional para nunca mais ser visto pelas pessoas a quem tanto mal causou.
II
Argumentos a favor da pena de morte
Muitos filósofos argumentaram, como já dissemos a
favor da pena capital. Dois assumem papel de destaque: John Locke e Immanuel
Kant.
Locke defendia como também já sabe que no estado de
natureza o ser humano possui direitos que não devem ser infringidos: os
direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Como no estado que antecede o
contrato social não há governo instituído, cada um deve ser o defensor dos seus
direitos. Se A infringir os direitos de B, então este tem o direito de punir o infractor (que o
consiga é outra questão). E se a ofensa for o assassinato? Nesse caso, diz
Locke, o assassino perde o seu direito à vida e “pode ser caçado como um animal
selvagem”. Com o surgimento do Estado, a única coisa que realmente muda é que
deixamos de ter o direito fazer justiça pelas próprias mãos e delegamos o
direito de punir a morte com a morte. Locke pensa que esta medida tem dois
efeitos importantes: 1 – Dissuasão – Quem vê como um assassino é tratado
pensará duas vezes antes de eventualmente o imitar; 2 – Retribuição – Trata –
se de repor o equilíbrio perdido com o assassinato.
O segundo grande filósofo favorável à pena de morte
foi Kant. Argumentando exclusivamente do ponto de vista retributivo, Kant
considera que a pena de morte é uma forma racional de lidar com um crime
capital. Há só uma e só uma forma de responder ao assassinato: A punição do
culpado deve ser proporcional ao crime. Por outras palavras, a única forma de
castigar um assassino é a morte mesmo que boas consequências sociais adviessem
de aplicar a prisão perpétua ou de proceder à reabilitação do criminoso. A vida mais miserável a
que se condenasse o assassino seria ainda muito melhor do que a morte, de modo
que nenhuma outra pena seria proporcional ao crime cometido. Kant vai tão longe nesta sua defesa da pena de
morte que pede – nos que imaginemos uma sociedade prestes a sucumbir à anarquia
e à desordem. Diz – nos que a última ação do poder ainda em exercício será a de
executar os condenados à morte. Mais:
condenar à morte e executar um criminoso é, em certa medida, uma forma de o
respeitar como ser humano. Pensa Kant que em vez de o usar para algum propósito social – como a dissuasão – ou de tentar
reabilitá - lo assumindo que não sabia o
que estava a fazer, assumimos que agiu sabendo o que fazia e que por isso pode
ser responsabilizado pelo que fez.
A única pena
inteiramente compatível com o dever de tratar, ao mesmo tempo, a humanidade na
pessoa do criminoso e na pessoa dos demais, sempre como um fim e nunca
meramente como um meio, consiste em aplicar a pena, simplesmente pelo fato de
que o indivíduo violou um direito fundamental; Aplica – se a lei de talião, independentemente de
qualquer utilidade da mesma, já que toda a utilidade da pena representa uma
forma de tratar a humanidade na pessoa do outro como um mero meio [como ilustra
Kant no exemplo de comutar a pena dos condenados à morte que se submetem a
testes de medicamentos]. Portanto, constitui um dever que o estado aplique a
pena de morte a todos os condenados por crime de assassinato a tal ponto que o
estado somente pode ser dissolvido depois de aplicá-la a todos os condenados.
Com defensores tão prestigiados não é de admirar
que também haja argumentos poderosos do lado dos defensores da pena de morte.
Eis os mais importantes:
1
É uma questão de
justiça
Um crime tão grave como o assassinato só pode ter
uma punição adequada: a pena de morte. Quem mata abdicou quer se aperceba disso
ou não do seu direito à vida. Há que retribuir e, nesta perspectiva, a
severidade do crime implica a severidade da pena. A justiça é incompatível com
o desequilíbrio que seria que a morte de alguém às mãos de um assassino fosse
punida com a continuação da vida de quem matou. “Olho por olho” manda a
justiça.
2
Elminar o assassino é a
única forma de proteger a sociedade.
Trata –se do argumento da incapacitação total. Por
que razão defendem os adeptos da pena de morte esta tese? Porque não sendo
nenhuma prisão cem por cento à prova de fugas não estaremos nunca
suficientemente sossegados que criminosos convictos não voltem a aterrorizar a
sociedade e a cometer crimes capitais. Basta pensar no caso de assassinos em
série. Vamos acreditar na sua total reabilitação? Seria grande ingenuidade
julgar que não poderiam reincidir. E, como está provado em muitos casos, quem
mata fora da prisão continua a matar dentro dela.
3
É uma forma eficaz de
dissuasão
Se punirmos com a pena capital um assassino, este
nunca mais poderá cometer crimes. A vantagem colateral desta forma de punição é
que outros eventuais “candidatos” serão,
como pensava Locke, dissuadidos de cometer crimes do mesmo tipo. Se
souber que, como acontece nalguns países, souber que a sua mão vai ser amputada
se for descoberto a roubar, será que vai correr esse risco? Assim sendo se
souber que pode ser condenado à morte se matar não pensará duas ou mais vezes
se é conveniente fazê – lo?
ATIVIDADES
Propomos que se organizem dois grupos
de alunos que tendo lido os argumentos favoráveis e desfavoráveis à pena de
morte, assumam a posição abolicionista e a posição retencionista.
Para ajudar a essa discussão deixamos
ao dispor do moderador ou da moderadora do debate alguns contra –
argumentos adicionais a cada uma das
posições.
I
A posição desfavorável à pena de morte: contra – argumentos
adicionais
1. Trata – se de um
castigo cruel
Contra – argumento
Pode ser cruel mas é
necessário. Há países em que o índice de criminalidade é de tal modo elevado
que alguma medida drástica tem de se tomar.
2. Transforma o Estado
que a aplica num criminoso.
Contra – argumento
Trata – se de uma falsa analogia. O assassino mata
pessoas inocentes enquanto o Estado executa um criminoso, alguém que é culpado
e não inocente.
3. Dado que somos
falíveis é de admitir que executemos pessoas inocentes.
Contra – argumento
Pode matar – se a pessoa errada mas o verdadeiro
assassino aprenderá uma lição. (Dificilmente se poderá pesar que mesmo os
defensores da pena de morte sustentem com firmeza este ponto de vista que
justifica qualquer meio em nome de um fim.)
4. Satisfaz emoções e impulsos
primitivos.
Contra – argumento
Há execuções difíceis e muito dolorosas para o
condenado mas isso não é um argumento bom contra a pena de morte mas contra a
incompetência de quem a aplica. A pena de morte é um mal necessário.
5. O argumento baseado nos
custos materiais e emocionais.
Contra – argumento
A justiça não deve ter preço. Além disso pode
limitar – se o número de recursos.
II
A posição favorável à pena de morte: contra – argumentos
adicionais.
1
É uma questão de justiça
Contra – argumento
A tese da proporcionalidade
entre crime e castigo – “0lho por olho” – foi distorcida pelos defensores da
pena capital. Só no caso do assassínio invocam esse princípio. Por que razão
não o usam no caso do roubo e da fraude fiscal, da ? Porque não penhorar os
bens do ladrão?
2
Elminar o assassino é a única forma de proteger a sociedade.
Contra – argumento
Comete – se a falácia da derrapagem: se não acreditamos
que um criminoso possa ser reabilitado então deve ser executado seja qual for
os eu crime. Ou talvez devamos antecipar que tendências criminosas um potencial
criminoso possui e executá – lo antes de cometer a mais grave das ofensas. E
por que razão não alargar, uma vez que se trata de proteger a sociedade, a pena
de morte aos violadores, ladrões e pedófilos?
3
É uma forma eficaz de dissuasão
Contra – argumento
Falemos da dissuasão. Os factos mostram que nos
estados que aplicam a pena de morte não diminuiu o número nem a brutalidade dos
assassinatos. Por outro lado, suponhamos que uma pessoa cometeu um assassinato
e sabe que muito provavelmente vai ser presa, condenada e executada. A pena de
morte vai ter algum efeito dissuasor? Não porque só se sofre a pena de morte
uma vez. Poderá dizer – se que vai servir de exemplo a outros potenciais
assassinos. Mas isso é transformar essa pessoa numa coisa, num instrumento ao
serviço de um objectivo. Não chega matá – la? E não podemos, como os
indicadores da criminalidade o mostram, presumir demais acerca dos efeitos
dissuasores da pena de morte. Finalmente, o direito à vida é um direito
humano e como tal inalienável. Não é
concedido pelo Estado e como tal não pode por ele ser retirado. Os fins não justificam todo e qualquer meio.
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