MATÉRIA
DO 10º ANO
ÍNDICE
UNIDADE
2
A
AÇÃO HUMANA
CAPÍTULO
1 – ANÁLISE E COMPREENSÃO DO AGIR A REDE CONCETUAL DA AÇÃO
(2-5)
CAPÍTULO
2 – LIBERDADE E DETERMINISMO NA AÇÃO HUMANA (6-17)
UNIDADE
3
OS
VALORES: ANÁLISE E COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA VALORATIVA
CAPÍTULO
1 – VALORES E VALORAÇÃO: A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS VALORATIVOS
(18-34)
CAPÍTULO
2 – VALORES E CULTURA: DIVERSIDADE E DIÁLOGO ENTRE CULTURAS
(35-36)
UNIDADE
4
A
DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DO AGIR
CAPÍTULO
1 – INTENÇÃO ÉTICA E NORMA MORAL (37-39)
CAPÍTULO
2 – A NECESSIDADE DE
FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL: ANÁLISE COMPARATIVA DAS PERSPETIVAS DE
KANT E DE MILL (40-66)
CAPÍTULO
3 – 1. O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO (67-72)
2.
O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL (73-86)
UNIDADE 5
A DIMENSÃO RELIGIOSA DO AGIR
1.
UMA DAS PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS (87-90)
2.
A CRÍTICA DE FREUD À RELIGIÃO (91-91)
UNIDADE
6
A
DIMENSÃO ESTÉTICA DO AGIR
1.
OS JUÍZOS ESTÉTICOS E O PROBLEMA DA SUA NATUREZA: SÃO OBJETIVOS OU
SUBJETIVOS? (92-92)
2.
A NATUREZA DA ARTE (93-94)
UNIDADE
2 – CAPÍTULO 1
ANÁLISE
E COMPREENSÃO DO AGIR: A REDE CONCETUAL DA AÇÃO
1.
Uma ação é um acontecimento. Porquê?
Uma
ação é e tem de ser um acontecimento porque é algo que
acontece num dado momento e num certo lugar.
Assim, ir à
praia é uma ação e ao mesmo tempo um acontecimento porque vamos à
uma praia num determinado local – Algarve – e em dado momento –
normalmente no verão, de manhã ou de tarde.
2.
Todos os acontecimentos são ações?
Não.
Um furacão é um acontecimento, mas não é uma ação.
3.
O que se infere do que foi dito antes?
Infere-se
que, embora todas as ações sejam acontecimentos, nem todos os
acontecimentos são ações. Um furacão é simplesmente algo que
acontece
4.
Qual a condição necessária para que um acontecimento seja uma
ação?
Um
acontecimento, para ser uma ação, tem de ser realizado por um
agente.
5.
Esta condição indispensável não é contudo suficiente. Porquê?
Toda
e qualquer ação envolve um agente e tem nele a sua origem. Esta é
uma condição necessária para haver ação. Mas não é uma
condição suficiente.
Imaginemos que alguém rouba um relógio valioso numa ourivesaria.
Essa pessoa fez algo, fez com que algo acontecesse. Mais tarde até
pode arrepender-se do que fez, mas na altura não resistiu a uma
compulsão patológica para o roubo a que se dá o nome de
cleptomania. Fez algo: roubou. É a causa do que aconteceu. Mas não
se trata de uma ação porque o que o agente fez não derivou da sua
vontade, mas de uma força interna que o compeliu a fazer o que fez.
Para
que aquilo que um agente faz seja uma ação, tem de ter origem na
sua vontade e intenção consciente.
6.
O que é então uma ação?
Uma
ação é algo que acontece mediante a intervenção da vontade e
intenção consciente de um agente.
Uma ação é um acontecimento
desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um
simples acontecimento, não é simplesmente algo que um agente faz, é
algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.
7.
O que se entende por rede concetual da ação?
A
rede concetual da ação é o conjunto de conceitos que usamos para
caraterizar, compreender e explicar uma ação.
8.
Que conceitos são necessários para caraterizar e compreender uma
ação?
Os
conceitos que usamos para caraterizar e compreender uma ação são
os seguintes: deliberação, decisão, intenção, motivo, causa e
consequência.
9.
O que é a intenção?
A
intenção é o propósito ou o objetivo da ação. Imagine que
alguém escorrega e deixa cair a comida do tabuleiro em cima dos
livros de um colega, danificando-os. Quem fez isto pode alegar que
não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objetivo –
causar esses estragos. Se não há intenção, então não há ação.
10.
Que relação existe entre intenção e explicação de uma ação?
Explicar
uma ação é indicar a sua causa. A causa de uma ação é a
intenção ou o propósito do agente ao realizá-la.
11.
Quais são os estados mentais que estão associados à intenção de
um agente?
As
intenções são estados mentais frequentemente associados a outros
estados psicológicos que são as crenças e os desejos do agente.
Eis um exemplo: inscrevo o meu filho no Instituto Britânico. Esta é
a minha ação. Com que intenção a realizo? Para que é que a
realizo? Para que aprenda inglês. Dito de outro modo, porque tenho o
desejo de que o meu filho aprenda inglês e a crença de que o
Instituto Britânico é o melhor instituto para o fazer. A intenção
da minha ação é, portanto, determinada pelo meu desejo e pela
minha crença. Inscrevo o meu filho no Instituto Britânico porque
desejo que aprenda inglês e acredito que o IB é o local certo para
o fazer.
12.
O que se entende por motivo de uma ação?
O
motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da ação.
Exemplo:
Ação:
inscrevo o meu filho no Instituto Britânico.
Intenção:
Desejo:
quero que o meu filho aprenda inglês.
Crença:
o Instituto Britânico é o melhor instituto para aprender inglês.
Motivo:
Crença:
dominar a língua inglesa é um requisito essencial no atual mundo
do trabalho e da investigação científica.
Desejo:
quero que o meu filho seja bem-sucedido profissionalmente.
Este
desejo e esta crença acompanham e esclarecem o motivo da minha ação,
explicam-na, dão a conhecer a sua razão de ser. Como se vê, as
crenças e os desejos do sujeito estão associados à intenção e à
motivação do sujeito que age.
Que
relação existe entre motivo e intenção?
A relação é a seguinte: saber qual o
motivo da ação, o seu porquê ou razão de ser, clarifica a
intenção ou o para quê da ação, torna possível e é necessário
para que compreendamos a intencionalidade da ação. Se
um agente tem a intenção de fazer algo – inscrever o filho no
Instituto Britânico –, saber o que o motiva torna mais claro o seu
propósito e esclarece-nos quanto a opções que podia tomar e não
tomou.
Teremos
por outras palavras a justificação da intenção. As noções de
motivo e de intenção estão extremamente próximas uma da outra
porque só falamos de ações intencionais se elas forem determinadas
por um motivo ou razão que as justifique: uma ação é realizada
intencionalmente quando é realizada por algum motivo.
14.
O que é a deliberação?
A
deliberação é um processo reflexivo que, em princípio, ou seja,
em muitos casos, antecede a decisão. Orientados
por determinadas razões, ponderamos qual a melhor opção a tomar
entre várias alternativas possíveis.
15.
O que se entende por decisão?
A
decisão é um ato que resulta frequentemente de um processo
denominado deliberação. O motivo pelo qual
agimos ou a intenção que nos orienta para um determinado fim
implica também a decisão de o alcançar. Na maior parte dos casos,
decidir supõe escolher entre vários rumos possíveis de ação,
entre várias possibilidades ou alternativas.
UNIDADE 2 – CAPÍTULO 2
LIBERDADE
E DETERMINISMO NA AÇÃO HUMANA
I
NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS
1.
O que é o determinismo?
O
determinismo é a teoria que defende que tudo é determinado por
acontecimentos anteriores, ou que o estado de coisas atual no mundo
resulta necessária ou inevitavelmente de um estado de coisas
anterior que é a sua causa.
O
que o determinismo afirma é que um acontecimento resulta de uma
causa ou conjunto de causas e que sempre que essa causa ou conjunto
de causas ocorrer dará inevitavelmente origem ao acontecimento. Esta
é a crença por detrás da explicação científica da natureza, uma
vez que explicar cientificamente um acontecimento é apresentar a
causa ou o conjunto de causas que dão origem ao acontecimento e
mostrar como a relação entre essas causas — expressas sob a forma
daquilo a que chamamos leis da natureza — produz esse
acontecimento.
2.
O que é o livre-arbítrio?
O
livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações
possíveis. As ações resultantes de escolhas livres
não são inevitáveis. Há livre-arbítrio se pudermos agir de modo
diferente do que agimos, se tendo feito uma coisa poderíamos ter
feito outra.
3.
Em que consiste o problema do livre-arbítrio?
O
problema do livre-arbítrio consiste em saber se é possível
conciliar duas convicções aparentemente incompatíveis: a de que
temos livre-arbítrio e a de que tudo o que acontece no mundo é
determinado. O problema pode formular-se do
seguinte modo: o livre-arbítrio consiste em
poder escolher entre várias ações possíveis. Mas, para podermos
escolher entre várias ações possíveis, é necessário que não
esteja tudo determinado, caso contrário poderíamos apenas fazer a
ação que estivéssemos determinados para fazer (não só não
haveria várias ações possíveis entre as quais optar, como, mesmo
que houvesse, não nos seria possível escolher entre elas).
Portanto, para que exista livre-arbítrio não pode haver
determinismo.
É
isto que está na origem do chamado problema do livre-arbítrio.
4.
Por que razão o problema do livre-arbítrio é um problema
importante do ponto de vista prático?
O
problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas,
a principal das quais está relacionada com a responsabilidade moral.
Tudo parece indicar que, se não houver livre-arbítrio, então
também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas
ações que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-lo.
Será possível construir a vida social sem a ideia de
responsabilidade moral? Se não houver
livre-arbítrio, não estará todo o nosso sistema penal errado? Não
será que o criminoso, de modo análogo à pessoa que sofre de asma e
assim vê o seu organismo prejudicado, não deve ser punido, mas sim
tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade?
5.
Em que consiste a responsabilidade moral?
A
responsabilidade moral é a capacidade que um agente tem de responder
pelos seus atos, de reconhecer a sua autoria, assumindo as suas
consequências e efeitos. Em suma, não se demite de prestar contas
pelo que faz e pelos resultados dos seus atos.
A
responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos uma ação a
alguém que consideramos ser seu autor, ter tido a última palavra na
decisão que desencadeou a ação.
6.
Em que
condições uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável
por uma ação? Em que condições atribuímos responsabilidade moral
a um agente?
Uma
pessoa pode ser considerada moralmente responsável por uma ação
quando podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o
quintal do vizinho para me apropriar de algumas laranjas apetitosas,
posso ser responsabilizado porque podia não ter feito o que fiz.
Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que
fizeste!» está precisamente a dizer-me que havia outra alternativa.
Mas, se o que aconteceu se verificou em estado de sonambulismo, não
posso ser responsabilizado porque momentaneamente perdi o controlo
dos meus atos e não podia não ter feito o que fiz.
7.
Que relação há entre agir livremente e ser moralmente
responsabilizado pelo que se faz?
A
relação é esta: a) ser responsável implica
ser livre. Não se pode responsabilizar uma
pessoa por uma ação se ela não agiu livremente. Que um agente seja
responsabilizável por uma ação implica que podia ter agido de modo
diferente, não ter feito o que fez ou que podia ter evitado fazer o
que fez (fosse a ação boa ou má).
b)
Ser livre implica ser responsável. Se
alguém pratica livremente uma ação, então faz algo que podia não
ter feito. Se o fez nestas condições, é o autor da ação e por
ela pode responder. Se agiu livremente, não pode evitar ter de
enfrentar e responder pelas consequências dos seus atos. Se forem,
boas pode ser elogiado. Se forem más, pode ser censurado e mesmo
sentir remorso.
II
TRÊS
TEORIAS SOBRE O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
1.
Em termos gerais, há três teorias que respondem ao problema do
livre-arbítrio. Quais são?
As
três teorias são: o determinismo radical, o libertismo e o
determinismo moderado.
2.
O que é o determinismo radical?
Chama-se
determinismo radical ao ponto de vista segundo o qual só o
determinismo é verdadeiro. Para o
determinista radical, a crença no determinismo significa acreditar
que é verdade que todo e qualquer acontecimento é o desfecho
necessário de acontecimentos anteriores. Daqui decorre que não
há livre-arbítrio (todas as nossas ações são determinadas pelos
nossos genes e pelo meio no qual crescemos) e que, assim sendo, não
podemos ser responsabilizados pelas nossas ações.
Em
suma, o determinismo radical é a teoria que considera que, sendo
verdade que tudo o que acontece resulta necessariamente do que
aconteceu antes, não há livre-arbítrio nem possibilidade de
responsabilizar alguém pelo que fez.
3.
O que é o determinismo moderado?
É
a teoria que defende que as nossas ações são livres, apesar de
determinadas.
4.
O que é o libertismo?
O
libertismo é a teoria que considera que há
ações que não são nem causalmente determinadas nem produto do
acaso, mas livres, e que, portanto, as pessoas são responsáveis por
essas ações. As ações do ser humano
decorrem das suas deliberações decisões
e não de acontecimentos anteriores que escapem ao seu controlo.
O
libertista pensa que, apesar das influências hereditárias e das
influências do meio (relativas ao modo como somos educados e
criados), escolhemos livremente o que fazemos. Não é o passado que
decide por nós.
5.
Acerca do problema do livre-arbítrio, fala-se de teorias
incompatibilistas e compatibilistas. O que significam estes
conceitos?
Uma
teoria é compatibilista quando admite que o determinismo é
conciliável ou pode coexistir com o livre-arbítrio e a
responsabilidade moral.
Uma
teoria é incompatibilista quando não admite a possibilidade de
conciliar o determinismo com o livre-arbítrio e a responsabilidade
moral.
6.
O determinismo radical é uma forma de incompatibilismo. Porquê?
O incompatibilismo
defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não são
compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O
determinismo radical defende que só a crença no determinismo é
verdadeira. Se liberdade e determinismo fossem compatíveis, pensa o
determinista radical, teríamos acerca de uma ação de dizer que o
agente podia não ter feito o que fez (caso
em que seria livre) e que não podia não ter
feito o que fez, ou seja, tinha de fazer o
que fez, a ação não poderia ter sido diferente (caso em que não
seria livre). Ora, isto é contraditório.
7.
O libertismo é uma forma de incompatibilismo. Porquê?
O
incompatibilismo
defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não são
compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O libertismo
defende que só a crença no livre-arbítrio é verdadeira. A crença
no determinismo é falsa porque este defende que tudo
faz parte de um encadeamento causal, tese que o libertista nega
porque as nossas deliberações e decisões não são o resultado
necessário de acontecimentos anteriores.
Há ações que têm como causa as nossas deliberações.
Deliberar
implica que pudemos escolher agir de modo diferente.
Podendo
ter sido outras, as nossas escolhas não são o resultado necessário
e inevitável de acontecimentos anteriores. Não são o desfecho de
uma longa cadeia causal de acontecimentos porque, ao escolher fazer A
em vez de B, suspendo o domínio dos acontecimentos anteriores sobre
as minhas decisões e desencadeio por minha vontade uma nova série
de acontecimentos.
8.
Das três teorias que referimos, somente o determinismo moderado é
uma teoria compatibilista. Justifique.
O determinismo moderado defende que são compatíveis as
proposições «Um agente praticou livremente a ação A» e «A ação
praticada por esse agente tem uma causa e deriva necessariamente
dessa causa». Liberdade e determinismo são compatíveis, para esta
teoria.
9. Que distinção permite ao
determinista moderado defender a compatibilidade entre determinismo e
liberdade?
Trata-se da distinção entre ação causalmente
determinada e ação constrangida. Só esta última não é livre.
10. Como é caraterizada a
liberdade pelo determinista moderado?
O determinista moderado define a liberdade do
seguinte modo: É livre a ação em que o agente não é impedido por
fatores externos de a realizar. Na ausência destes impedimentos, o
agente pode fazer o que tem vontade de fazer. Um
dos mais famosos defensores do determinismo moderado foi David Hume.
Hume chamou a atenção para o facto de as pessoas tenderem a
confundir causalidade – o facto de uma ação ser causada – e
coação ou constrangimento – o facto de uma ação ser compelida.
Assim, há uma grande diferença entre estas duas ações: Fazer algo
porque quero fazê-lo e fazer algo porque alguém me aponta uma arma
à cabeça e me obriga a fazê-lo. No primeiro caso, a ação é
causada e, no segundo caso, a ação é compelida ou constrangida. O
oposto da liberdade é a coação e não a causalidade.
Ser livre, para David Hume, significa ser livre de coação.
11. Para o determinista
moderado, uma ação livre é causada. É causada pelo quê?
É
causada pelas suas crenças e desejos, isto é, pela sua
personalidade.
12.
Por que razão para o determinista moderado é importante que a ação
do agente seja causada ou determinada pelas suas crenças e desejos?
Se
as ações não fossem causadas pelas nossas crenças e desejos, não
poderíamos ser responsabilizados pelas nossas ações. Não seriam
as nossas ações.
13.
Esclareça através
de um exemplo o que é agir livremente para um determinista moderado.
Para os deterministas moderados, uma ação é livre
desde que o sujeito, caso o tivesse desejado, tivesse agido de outra
forma. Imagine, por exemplo, que tem amanhã um teste da disciplina
de Filosofia para o qual está a estudar afincadamente porque
acredita que assim terá boa nota. Uma vez que
a sua ação resulta dos seus desejos e crenças e não lhe foi
imposta (por exemplo, pelos seus pais, devido a maus resultados em
testes anteriores), ela é uma ação livre.
Mas, se a sua ação de estudar resultasse de uma imposição paterna
que não lhe deixasse qualquer alternativa, então ela não era uma
ação livre. Repare que em ambos os casos a sua ação tem causas.
Contudo, no primeiro caso as causas são os seus próprios desejos e
crenças, ao passo que no segundo caso as causas são os desejos e
crenças dos seus pais. É essa diferença que faz com que num caso a
ação seja livre e no outro não. No primeiro caso, a sua ação é
livre porque está sob o controlo das suas crenças e desejos e, se
tivesse tido outros desejos, poderia ter escolhido e realizado uma
ação diferente. No segundo caso, de nada lhe valeria ter outros
desejos e crenças porque não poderia agir de acordo com eles.
14. Esclareça, através de
exemplos, que fatores podem impedir o agente de fazer o que tem
vontade de fazer.
Sirvam estes dois exemplos: quero beber água, mas estou
no deserto e não há água disponível; quero viajar, mas não tenho
dinheiro.
15. Segundo o determinismo
moderado, para que uma ação seja livre ela, tem de ser causada de
uma certa maneira. O que significa esta afirmação?
Esta afirmação significa que a distinção entre ações
livres e não livres implica a distinção entre causalidade interna
e causalidade externa.
Assim:
a) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é
um estado de coisas interno (desejos e crenças do agente e também a
sua personalidade) são livres.
b) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é
um estado de coisas externo não são livres.
16. O sentido comum de
liberdade consiste em dizer que agir livremente é, não só fazer o
que queremos fazer, como também poder não ter feito o que se fez,
ou seja, a ausência de coação é acompanhada por outra condição
que é o agente possuir alternativas reais de ação. Será que o
determinismo moderado salvaguarda esta ideia de liberdade?
Parece que sim e parece que não. Vejamos: Um agente
dispõe de alternativas reais se a sua ação pudesse ter sido
diferente da que realizou. Assim, ajo livremente se, escolhendo comer
um bolo, pudesse não o ter feito e, eventualmente, tivesse escolhido
uma peça de fruta. Vejamos como o determinista moderado explica a
mesma ação. Comi uma peça de fruta e agi livremente porque o fiz
de acordo com as minhas crenças – fruta é mais saudável, assim
me ensinaram – e os meus desejos – quero ser saudável. O que
significa dizer que podia ter agido de modo diferente e comer o bolo
em vez da fruta? Que os meus desejos e crenças teriam de ser
diferentes. Por outras palavras, teria de ser uma pessoa diferente do
que sou, de ter outra personalidade (esta é constituída pelas
nossas crenças e desejos). Mas, se somos deterministas, mesmo
moderados, temos de reconhecer que não temos controlo sobre o
passado, que somos o resultado necessário da educação e criação
que tivemos. Não podemos ser uma pessoa diferente da que somos.
Assim, o determinismo moderado não salvaguarda a ideia
comum de liberdade e por isso tem problemas em explicar como podemos
responsabilizar alguém pelas suas ações.
17.
Qual é uma das principais críticas de que o determinismo moderado é
alvo?
Uma
crítica que se faz ao determinismo moderado é a de não explicar o
comportamento compulsivo. Quando alguém age compulsivamente, age de
acordo com os seus próprios desejos e crenças. Contudo,
dificilmente se pode dizer que quem o faz é livre. É o caso do
cleptómano. Parece também difícil acreditar que uma pessoa que,
por exemplo, seja uma compradora ou jogadora compulsiva e que, por
causa disso, contraia muitas dívidas e destrua o casamento, seja
livre. No entanto, ela, ao agir compulsivamente, respeita
completamente o critério do determinismo moderado, segundo o qual
uma ação é livre se resultar dos desejos e crenças da pessoa que
a realiza.
18.
Que outra crítica podemos dirigir a quem defende o determinismo
moderado?
Segundo
o determinismo moderado, somos livres quando não somos impedidos de
fazer o que desejamos. As nossas crenças e desejos constituem a
nossa personalidade. Ora, a nossa personalidade está determinada
pelo nosso passado, ou seja, pela educação e pelo meio em que fomos
criados. Não será isso uma forma de constrangimento, uma vez que
não controlamos o passado? Não será que somos constrangidos pelo
que nos aconteceu e julgamos que agimos livremente porque não temos
consciência das influências que nos formaram e determinaram a nossa
maneira de ser?
19.
Qual é a principal crítica que se faz ao determinismo radical?
A
principal crítica é esta:
Se não somos responsabilizáveis pelo que fazemos – porque não
podemos agir de modo diferente –, então:
1.
Como condenar e
ilibar alguém?
2.
Como elogiar e
censurar?
3.
Como dizer a
alguém que não devia ter feito o que fez?
4.
Como explicar
sentimentos de remorso, de arrependimento e de culpa?
Muitos
críticos do determinismo radical pensam que não é possível
construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral.
Por
outro lado, os nossos juízos morais perderão qualquer fundamento.
Se o determinismo implica a negação da liberdade e da
responsabilidade, se é verdade afirmar que as nossas ações são o
resultado de causas que de modo algum podemos controlar, que
diferença moral há entre um criminoso como Hitler e Nelson Mandela?
Faz sentido condenar Hitler e admirar Nelson Mandela?
20.
Qual é a principal crítica que se faz ao libertismo?
Segundo
o determinismo moderado, a minha ação é livre se for causada por
desejos ou crenças – estados internos − que são meus. Segundo o
libertismo, a minha ação é livre se for causada por mim
e não por
um dos meus estados internos.
O
que é este eu
que através
das suas deliberações é, segundo os libertistas, a causa de certas
ações? Uma entidade física? Então não escapa ao determinismo
universal, ao encadeamento causal necessário que rege todas
as coisas
físicas. Uma entidade não física? Mas as ações são atos
físicos, acontecem num dado momento e lugar.
Será
que este eu
é uma
entidade puramente mental? Mas como é que uma causa puramente mental
pode produzir efeitos físicos? Se é a mente que causa as nossas
ações, será que é possível que ela exista independentemente do
cérebro, que é obviamente uma realidade física?
Este
contra-argumento parece condenar os libertistas a reconhecerem o
seguinte: que as ações de uma pessoa só são livres se não
tiverem nenhuma causa, nem mesmo as suas próprias crenças e
desejos. Ora, deste modo, o libertismo transforma-se numa espécie de
indeterminismo, algo que os libertistas sempre rejeitaram.
QUADRO
ESQUEMÁTICO 1
|
||||||
Problema: Qual das crenças é
verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?
|
||||||
A resposta
do determinismo radical
|
||||||
Crença no determinismo
|
Crença no livre-arbítrio
|
|||||
Verdadeira
1.
Todos os acontecimentos, sem exceção, são causalmente
determinados por acontecimentos anteriores
2.
As escolhas e ações humanas são acontecimentos.
3. Logo,todas as escolhas e ações
humanas são causalmente determinadas por acontecimentos
anteriores.
|
Falsa
Se todas
as ações são o desfecho inevitável de causas anteriores, não
há ações livres.
|
Falsa
|
||||
O
determinismo radical é a teoria que só reconhece como
verdadeira a crença no determinismo. Todos os acontecimentos são
o resultado inevitável de causas anteriores.
|
||||||
QUADRO
ESQUEMÁTICO 2
|
||||||
Problema: Qual das crenças é
verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?
|
||||||
A resposta
do libertismo
|
||||||
Crença no determinismo
|
Crença
no livre-arbítrio
|
Crença
na responsabilidade moral
|
||||
Falsa
1.
Nem todos os acontecimentos são causalmente determinados por
acontecimentos anteriores.
2.
As ações humanas são acontecimentos.
3. Logo,
há ações humanas desligadas do encadeamento causal e que dão
origem a uma nova série de acontecimentos.
|
Verdadeira
Se nem
todos os acontecimentos são o desfecho inevitável de causas
anteriores, então há ações livres.
|
Verdadeira
Se
há ações livres, então podemos ser responsabilizados pelo que
fazemos.
|
||||
O
libertismo é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença
no livre-arbítrio porque não aceita o determinismo universal –
que todo o acontecimento seja o resultado necessário e
inevitável de causas anteriores.
|
QUADRO
ESQUEMÁTICO 3
|
||
Problema: Qual das crenças é
verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?
|
||
A resposta
do determinismo moderado
|
||
Verdadeira
1.
Todos os acontecimentos, sem exceção, são causalmente
determinados por acontecimentos anteriores
2.
As escolhas e ações humanas são acontecimentos.
3. Logo,
todas as escolhas e ações humanas são causalmente determinadas
por acontecimentos anteriores.
|
Verdadeira
1. Todas
as ações são determinadas por causas anteriores.
2. As
ações cujas causas são forças externas ao sujeito que age são
ações compelidas ou constrangidas.
3. Há
ações cujas causas são estados internos do sujeito (crenças e
desejos).
4. Ações
que não derivam da força de fatores externos são ações
livres.
5. Há
ações unicamente causadas
por desejos, motivos, crenças ou outros estados internos do
sujeito que age.
6. Logo, há
ações livres
|
Verdadeira
Se há
ações livres, podemos ser responsabilizados pelo que fazemos.
|
O
determinismo moderado é a teoria que reconhece como verdadeiras
as crenças no determinismo e no livre-arbítrio.
|
UNIDADE 3
OS VALORES: ANÁLISE E
COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA VALORATIVA
CAPÍTULO
1 – VALORES E VALORAÇÃO: A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS VALORATIVOS.
1.
O que são os valores?
Os
valores são termos que usamos para atribuir muita, pouca ou nenhuma
importância às coisas que avaliamos. As coisas que avaliamos –
acerca das quais emitimos juízos de valor – podem ser objetos,
pessoas e atos. Os valores são padrões ou referências em função
das quais julgamos as coisas. Os valores exprimem
aquilo que julgamos que é importante
e significativo na
nossa vida.
2.
Há diversas espécies de valores?
Sim.
Há valores religiosos (sagrado, profano), valores estéticos (belo,
feio, sublime, dotado de harmonia), valores éticos (bem, mal,
justiça, igualdade), valores monetários e utilitários, entre
outros. Utilizamos a palavra valor
em diversas situações e com diferentes sentidos.
3.
Damos o mesmo valor a todas as coisas?
Não. Além de diversos, os valores são hierarquizados,
ou seja, uns são considerados mais importantes do que outros.
Toda e qualquer pessoa dá mais importância a determinados valores
em relação a outros, estabelecendo-se assim uma espécie de
hierarquia de valores. Os valores a que cada pessoa confere mais
importância vão refletir-se nas suas ações e decisões, vão de
certa forma organizar e orientar toda a sua conduta. Os valores
podem, por sua vez, ser agrupados em vários tipos. Assim, e
destacando apenas os principais tipos, podemos falar em valores
religiosos, estéticos, éticos (sendo provavelmente estes três
domínios aqueles que enquadram os valores mais importantes),
políticos, teoréticos (da ordem do conhecimento), sensíveis (da
ordem do prazer e satisfação), vitais e económicos.
4. Qual
o valor que costumamos considerar mais importante?
Habitualmente, o valor que consideramos mais valioso é
o valor da vida humana.
5. Qual a disciplina que estuda
a natureza dos valores?
A disciplina que estuda a natureza dos valores é a
axiologia ou teoria dos valores.
Coloca questões como: O que é um valor? Onde e como
existe? Será apenas o resultado das avaliações que fazemos das
coisas? Para muitos pensadores, os valores não são coisas que
existam fora da nossa mente, mas algo que apenas existe para um
sujeito que avalia as coisas. Para outros, os valores têm uma
existência própria, independente do sujeito.
Pense
no seguinte caso: Muitas pessoas julgam
determinadas coisas belas, enquanto outras discordam. Então o que
fazemos quando dizemos que algo é belo ou feio, magnífico ou
vulgar? Estamos somente a declarar o que sentimos (prazer ou
desprazer) quando contemplamos um objeto ou estamos a referir algo
que são propriedades do próprio objeto, que são independentes do
que sentimos? No primeiro caso, estamos perante uma tese ou posição
filosófica denominada subjetivismo estético. No segundo caso, a
posição que adotamos é conhecida por objetivismo estético.
Para
os defensores do subjetivismo estético, um objeto é belo ou feio em
virtude de sentirmos prazer ou desprazer ao observá-lo. A beleza ou
fealdade dependem, não das propriedades intrínsecas do objeto, mas
dos sentimentos que em nós provoca e desperta.
Para
os partidários do objetivismo estético, dizer «A catedral de Milão
é bela» é muito diferente de dizer «Gosto da catedral de Milão».
Os juízos estéticos não são, para o objetivista, simples juízos
de gosto. A beleza ou a fealdade está nos próprios objetos. É
devido a determinadas propriedades intrínsecas que um objeto é
considerado belo ou feio.
6. Que relação existe entre
valores e ações?
Os
valores são os critérios das nossas preferências (são os motivos
fundamentais das nossas decisões). Ao
tomarmos decisões, agimos segundo valores que constituem o
fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) de tais
decisões.
A
atitude valorativa é uma constante da nossa existência: em nome da
amizade, preferimos controlar e orientar noutra direção uma atração
física pela namorada ou mulher do nosso amigo; em nome do amor,
preferimos desafiar as convenções sociais em vez de perder a
oportunidade de sermos felizes; por uma questão de saúde,
preferimos o exercício físico, a dieta e o fim do consumo de tabaco
aos hábitos prejudiciais até então seguidos; em nome da liberdade,
preferimos combater, lutar e correr riscos a aceitar um estado de
coisas que, apesar de tudo, satisfaz os interesses económicos da
família a que pertencemos; por solidariedade, preferimos auxiliar os
famintos e os doentes na Somália a permanecer em Lisboa dando
consultas; por paixão pela música, decidimos interromper um curso
que não corresponde à nossa vocação profunda; em nome de Deus,
renunciamos a certas «ligações terrenas», etc.
QUADRO
ESQUEMÁTICO 1
|
|
AÇÕES
|
VALORES
EM QUE SE BASEIAM
|
1 – Parar quando o
semáforo está vermelho.
2 –
Consultar regularmente o médico.
3 –
Cumprir o que se prometeu.
4 –
Participar numa manifestação contra a repressão em Timor.
5 –
Assumir e cumprir as obrigações inerentes a determinada função.
6 –
Defender as suas convicções de forma racional em ambiente hostil
e opressivo.
7 – Vestir «roupas de marca»
combinando bem as cores.
|
Civismo
Saúde
Honradez
Solidariedade
Responsabilidade
Coragem
Elegância
|
Os
valores são ideias que influenciam as nossas decisões e ações, as
nossas escolhas e preferências. À razão que
justifica a decisão de agirmos de um modo e não de outro damos o
nome de motivo. Quando justificamos as nossas ações e decisões –
quando indicamos o porquê ou a razão de ser –, estamos sempre a
referir-nos a valores.
Agimos sempre segundo valores que constituem o
fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) das nossas
ações.
7. O que são valores
relativos?
Os valores relativos são valores que só valem para
algumas pessoas ou apenas numa determinada época.
8. O que são valores
absolutos?
Os valores absolutos são valores que valem
independentemente de todas as pessoas e de qualquer época.
9. O que significa dizer que
uma coisa tem valor intrínseco?
Uma
realidade tem valor intrínseco quando tem valor em si. O seu valor
não depende do que com ela se pode conseguir, não é um meio para
um fim, a origem do seu valor está em si e não em algo externo.
Assim, julga-se que o dinheiro não tem valor em si porque o seu
valor depende do que com ele podemos conseguir, e que o amor pelos
filhos, por exemplo, tem valor em si, não depende de outros fatores.
10. O que significa dizer que
uma coisa tem valor extrínseco?
Uma
coisa tem valor extrínseco quando apenas tem
valor instrumental, quando se lhe reconhece valor por ser útil ou
por ser um meio para algo que é valioso. Uma
coisa, ação ou objeto têm valor instrumental quando valem como
meios para atingir certo fim. Tem valor intrínseco se e só se for
valiosa em si mesma. O dinheiro tem claramente valor instrumental ou
extrínseco. Considera-se que um ser humano, por ser uma pessoa e ter
dignidade, é um fim em si, tem valor intrínseco independentemente
do seu estatuto económico, da nacionalidade, etnia e género.
11.
O que são valores objetivos?
Os
valores objetivos são valores que se referem à
realidade tal como ela é e não ao modo como o sujeito a interpreta
ou vê. Não dependem da opinião ou ponto de vista de cada pessoa.
12.
O que são juízos de fato?
Os juízos de facto são juízos sobre o modo como as
coisas são. Descrevem um estado de coisas ou uma situação podendo
essa descrição corresponder ou não à realidade, ou seja, ser
verdadeira ou falsa. São juízos totalmente descritivos,
que têm valor de verdade
(podem ser verdadeiros ou falsos). A sua verdade ou falsidade depende
de como a realidade é e não da opinião ou ponto de vista de cada
pessoa: são, portanto, objetivos.
Ex.: O gato é um mamífero que mia.
13. O que são juízos de
valor?
Os juízos de valor são juízos sobre que coisas são
boas ou agradáveis e sobre como devemos agir. Os juízos de valor
atribuem um valor a um certo estado de coisas – valor esse que pode
ser positivo ou negativo. Ex.: «Este quadro é belo» – valor
positivo – ou «Este quadro é horrível» – juízo negativo.
- QUADRO ESQUEMÁTICO 2
A FORMA HABITUAL DE DISTINGUIR JUÍZOS DE FACTO DE JUÍZOS DE VALOR
Juízos de factoJuízos de valorDescrevem a realidade ou informam-nos acerca de factos, coisas, acontecimentos ou ações.Durante a Segunda Guerra Mundial seis milhões de judeus morreram nos campos de concentração nazistas.Avaliam determinados acontecimentos, coisas e ações.A morte de seis milhões de judeus nas mãos dos nazistas foi um ato criminoso e horrendo.Os juízos de facto são verdadeiros ou falsos, isto é, referem-se aos factos, podendo ser negados ou confirmados pela experiência.Não se tem a certeza sobre o número de judeus que morreram nos campos de concentração nazis. Só se sabe que o número de vítimas mortais foi elevado.O juízo de valor refere-se, de forma explícita ou implícita, a valores ou princípios fundamentais nos quais nos baseamos para produzir uma avaliação.A morte de seis milhões de judeus foi um ato criminoso porque (justificação do juízo) o respeito pela vida e dignidade do homem é valioso.Os juízos de facto são descritivos ou informativos: não prescrevem ou proíbem o que deve ou não fazer-se.Os juízos de valor são normativos ou prescritivos.Ao julgar-se que a morte de seis milhões de judeus foi um ato criminoso dos nazis, considera-se que esse ato não devia ter sido cometido. O respeito pelo valor da vida e da dignidade humanas traduz-se na norma «Não matarás», que, neste caso, foi infringida.
14.
Distinga os seguintes juízos: a) «A pena de morte é aplicada na
Arábia Saudita» e b) «A pena de morte é injusta».
O
juízo a) é apenas descritivo: limita-se a dizer como é que as
coisas são na Arábia Saudita no que respeita à pena de morte. Não
avalia nada.
O
juízo b) não é apenas descritivo porque faz uma avaliação. O que
significa dizer que a pena de morte é injusta? Significa dizer que a
pena de morte não deveria existir. Assim, este juízo diz-nos, não
somente como as coisas são, mas como deveriam ser. Ora, ao dizermos
como as coisas deveriam ser, estamos a usar um critério para fazer a
nossa avaliação. Neste caso, o critério valorativo é a justiça.
Quando há avaliação, têm de existir critérios.
15.
A distinção juízos de facto/juízos de valor é consensual?
Não,
porque há filósofos que a contestam argumentando em defesa da ideia
de que todos os juízos são juízos de facto.
16. O que são critérios
valorativos?
Os critérios valorativos são as justificações em
que nos apoiamos para determinar que coisas – ações, pessoas,
locais, objetos – têm valor ou importância.
Assim, valorizamos uma ação honesta porque damos importância à
honestidade, porque a consideramos um elemento importante que deve
estar presente nas relações humanas.
17. Em que consiste a questão
dos critérios valorativos?
Um juízo de valor é um ato mediante o qual formulamos
uma proposição que avalia certos aspetos da realidade, não se
limitando a descrever como as coisas são.
Uma vez que, ao avaliarmos as coisas, utilizamos
critérios ou razões que se baseiam em valores
(ao dizer «A pena de morte é injusta» julgo como a realidade devia
ser baseando-me num valor, em algo que valorizo e a que dou
importância: o valor da justiça), a questão
dos critérios valorativos pode traduzir-se assim: «Será que
existem valores objetivamente verdadeiros? Ou será que a sua verdade
depende daquilo que um indivíduo ou uma sociedade consideram
verdadeiro?».
Este problema surge porque nos apercebemos de que há
pessoas e culturas com valores muito diferentes dos nossos, que
preferem aquilo que nós rejeitamos ou que valorizam aquilo que temos
dificuldade em considerar importante. Muitas pessoas julgam que os
valores são uma questão de gosto pessoal, ou que variam de cultura
para cultura. Em ambos os casos, não têm qualquer objetividade.
Trata-se
do problema da verdade e da objetividade dos juízos de valor. Como
os juízos morais são os que mais importância têm na vida humana,
a questão pode enunciar-se desta dupla forma:
- Os juízos morais têm valor de verdade?
- Se têm valor de verdade, essa verdade é objetiva, ou seja, não depende dos gostos dos indivíduos ou do modo de pensar da sociedade em que vivem?
18.
O que significa dizer que as normas morais são objetivamente
verdadeiras?
Significa
dizer que os juízos morais que as exprimem são objetivamente
verdadeiros, ou seja, não dependem do ponto de
vista do observador. Se uma pessoa disser que a pena de morte é
injusta e outra disser que a pena de morte é justa, uma delas está
obrigatoriamente errada. Uma norma moral objetivamente verdadeira
acerca da pena de morte não pode ser ao mesmo tempo justa e injusta.
Seria semelhante a juízos de facto do género «A Lua é um satélite
da Terra» e «A Lua não é um satélite da Terra».
A
questão consiste em saber se há normas morais objetivamente
verdadeiras. Nas teorias que vamos estudar sobre este problema,
encontraremos vários tipos de respostas: umas negam que os juízos
morais que exprimem essas normas sejam objetivos, mas reconhecem-lhes
valor de verdade; outras reconhecem que são objetivos e têm valor
de verdade.
19.
Acerca da natureza dos valores, o que distingue a posição
relativista da posição objetivista?
O
objetivismo defende
que os valores são propriedades, qualidades das próprias coisas,
pessoas, objetos, situações e instituições, embora sejam
propriedades difíceis de conhecer porque não existem num sentido
físico. Nesta perspetiva, os juízos de valor são uma espécie de
juízos de facto com a diferença de que sobre o seu conteúdo ainda
não obtivemos qualquer certeza. Isso não impede que haja verdades
morais universais e objetivas. Nós é que, provavelmente por causa
das nossas limitações, ainda não os descobrimos.
Para
o relativismo, os
valores não são propriedades, qualidades, das próprias coisas,
pessoas, objetos, situações e instituições. São simplesmente
ideias ou crenças que existem na mente dos seres humanos e dependem
do modo como sentimos e somos educados pelo meio em que nascemos e
vivemos.
20.
Caraterize o subjetivismo moral.
O que é
moralmente correto? O que a sociedade considera ser moralmente certo?
Ou será o que eu acredito ser moralmente correto? Ou nem uma coisa
nem outra?
O
subjetivismo moral responde que é moralmente verdadeiro o que cada
indivíduo sente que é verdade. O subjetivismo moral ou relativismo
individual afirma que há juízos morais verdadeiros, mas nega que
essa verdade seja objetiva. A cada um a sua verdade. Os juízos
morais traduzem sentimentos de aprovação e de reprovação. Se
genuinamente uma pessoa sente que uma determinada ação é correta,
se a ação está de acordo com o que ela sente ser correto, então o
juízo moral que sobre ela faz é verdadeiro. Moralmente verdadeiro é
o que depende dos meus sentimentos. Cada indivíduo tem um código
moral próprio que lhe permite distinguir por si o certo do errado
sem precisar de consultar os outros ou submeter-se ao que a maioria
das pessoas pensa sobre o assunto.
21.
Como defenderia o subjetivista moral a sua posição?
Podemos
imaginar o seguinte discurso: «Ninguém pode e deve dar lições de
moral a ninguém. A cada qual a sua verdade, e assim deve ser. Há
desacordo entre os seres humanos acerca de questões morais. Ninguém
tem o direito de julgar no lugar dos outros o que é certo e errado.
Cada um de nós, baseado nos seus sentimentos e gostos, é capaz de
distinguir o certo do errado. Ninguém é melhor do que os outros em
assuntos morais. Porque hei de deixar que os outros me digam e
queiram impor a sua perspetiva? Não devemos julgar os outros. Por
que razão tenho de seguir o que os outros dizem se eles não se
entendem? Cada um deve ter a liberdade e a autonomia para decidir o
que é moralmente correto ou incorreto. Cada um de nós decide por si
o seu estilo de vida e os valores que estão corretos. Quem desafia
os valores estabelecidos está a agir corretamente, desde que esteja
a ser fiel aos seus sentimentos».
22.
Para os subjetivistas,
há verdades morais, mas cada um pode ter a sua, e nenhuma é melhor
do que qualquer outra. Explicite esta afirmação.
Admitindo que
os subjetivistas têm razão, uma pessoa que diga «A pena de morte é
injusta» está a exprimir um sentimento, ou seja, a dizer «Não
gosto que a pena de morte seja aplicada». Unicamente descreve um
sentimento, neste caso negativo, acerca da pena de morte. Qual é a
condição para que este juízo moral seja verdadeiro? Que os seus
sentimentos sejam sinceros. Se, contudo, outra pessoa disser de forma
sincera que sente que a pena de morte é justa, também estaria a
dizer a verdade. Portanto, sentimentos negativos e positivos,
aprovação e desaprovação da pena de morte, dão origem a juízos
morais que são ambos verdadeiros. Para os subjetivistas morais, há
verdades morais, mas cada um pode legitimamente ter a sua, e nenhuma
é melhor do que qualquer outra, desde que se exprimam sentimentos
sinceros. Tudo depende do ponto de vista. Ninguém está
objetivamente certo ou objetivamente errado no que respeita a valores
morais – e a outros valores.
23.
Quais são as objeções mais frequentemente dirigidas ao
subjetivismo ético?
Podemos
destacar duas:
a)
O subjetivismo moral torna inviável a discussão de questões
morais.
O
subjetivismo moral parece sugerir que não podemos dizer que as
opiniões e juízos morais dos outros estão errados. Se as verdades
morais dependem dos sentimentos de aprovação ou de desaprovação
de cada indivíduo, basta que os nossos juízos morais estejam de
acordo com os nossos sentimentos para serem verdadeiros. Um genuíno
debate moral em que cada interlocutor tente convencer o outro das
suas razões acerca de algo em que acredita perde qualquer sentido.
Para o subjetivista, será mesmo sinal de intolerância.
b)
O subjetivismo ético acredita que não há juízos morais objetivos
porque os assuntos morais são objeto de discórdia generalizada, mas
isso não prova que não haja uma resposta correta ou verdades
objetivas.
Será
que o facto de as pessoas discordarem acerca da existência de Deus
prova que não há uma resposta à questão Será
que Deus existe? Durante muito tempo as
pessoas pensaram que as doenças eram causadas por demónios. Sabemos
hoje em dia que na maioria dos casos são causadas por microrganismos
como bactérias e vírus.
c)
O facto de as pessoas terem
crenças opostas acerca de questões morais não prova que essas
crenças sejam ambas verdadeiras.
Se
dois indivíduos não estão de acordo acerca de um dado assunto,
então têm ambos razão, ou seja, as suas crenças são ambas
verdadeiras. Mas e se as duas crenças se negam uma à outra, se
contradizem? Duas crenças que se contradizem não podem ser ambas
verdadeiras.
24.
Imagine dois discursos: a) «Hugo:
É moralmente
errado matar animais para os comermos além de desnecessário» e b)
«Marco: É moralmente correto matar animais para os comermos». Qual
deles tem razão para o subjetivismo moral?
Segundo
o subjetivismo, ambos os juízos morais são verdadeiros porque cada
um está em conformidade com os princípios em que cada um dos
indivíduos acredita. Uma vez que João aceita o princípio de que
matar animais para os comer não é incorreto, o seu juízo é
verdadeiro para ele. Como Miguel tem como princípio moral pessoal
que é errado matar animais para esse fim, o seu juízo também é
verdadeiro. Para o subjetivismo moral, não tem sentido perguntar
quem está errado acerca da correção ou incorreção moral de matar
animais para os comer, desde que os juízos sejam expressão de
sentimentos sinceros.
25.
«Matar é errado», «Roubar é incorreto» e «Mentir é imoral».
Será que estes juízos são verdadeiros? Será que são objetivos e
universais? «Há verdade e falsidade em assuntos morais?», «Faz
sentido dizer que uma crença moral é correta e que outra é
errada?». Qual é a resposta que o relativismo cultural dá a estas
perguntas?
O
relativismo cultural
afirma que aqueles juízos são verdadeiros, mas não em todo o lado
e para todas as pessoas. A verdade dos juízos morais depende do que
cada sociedade aprova, ou seja, as afirmações morais só são
verdadeiras ou falsas em determinadas culturas. Moralmente correto é
aquilo que a maioria das pessoas de uma sociedade considera correto.
Não existe nenhum critério objetivo e
universal para determinar quem tem razão. Um
juízo moral é falso quando os membros – a maioria – de uma
sociedade o consideram falso e verdadeiro quando o consideram
verdadeiro. Assim, afirmar que «Matar é errado» significa dizer «A
sociedade X considera que matar é moralmente incorreto». Afirmar
que «Matar é moralmente correto» significa dizer «A sociedade X
considera que matar é moralmente correto».
26.
Qual é o argumento central em que o relativismo moral se baseia?
O
argumento pode ser exposto do seguinte modo:
Premissa
1 – O que é
considerado moralmente correto ou incorreto varia
de sociedade
para sociedade (diversas culturas
dão diferentes respostas às mesmas questões morais).
Premissa
2 – O que é
moralmente correto ou incorreto depende
do que cada
sociedade acredita ser moralmente correto ou incorreto.
Conclusão
– Logo, não há nenhuma resposta
objetivamente verdadeira a essas questões (não há verdades morais
universais).
Resumindo
o argumento:
Premissa – Diversas
culturas dão diferentes respostas às mesmas questões morais.
Conclusão
– Logo, não há nenhuma resposta objetivamente verdadeira a essas
questões (não há verdades morais universais).
27. Este argumento é bom?
Não, porque não respeita uma condição necessária
para ser bom: a validade. Trata-se de um argumento inválido, como o
prova a seguinte contra-argumento:
Premissa – Diversas
culturas discordaram quanto à forma da Terra (umas pensaram que era
esférica, outras plana, outras esférica, mas um pouco achatada).
Conclusão
– Não há nenhuma verdade objetiva acerca da forma da Terra.
A
premissa é verdadeira, mas a conclusão é falsa (sabemos que a
Terra é redonda).
Como de premissa verdadeira não se pode
logicamente derivar conclusão falsa, este argumento não é válido.
Como o argumento do relativismo cultural tem a mesma forma deste,
temos de concluir que não é válido.
28.
Será que relativismo cultural e ceticismo moral são a mesma coisa?
Não.
Para o ceticismo moral nenhum juízo moral tem valor de verdade, ou
seja, os juízos morais não são nem verdadeiros nem falsos. Não há
práticas moralmente corretas ou incorretas. Ora, o relativismo
cultural afirma que os juízos morais são verdadeiros ou falsos
conforme o que cada cultura julga ser verdadeiro ou falso.
29.
Quais são as outras objeções mais frequentemente dirigidas ao
relativismo moral?
São
as seguintes:
A)
Há uma diferença significativa
entre o que uma sociedade acredita ser moralmente correto e algo ser
moralmente correto.
O
relativismo cultural transforma a diversidade de opiniões e de
crenças morais em ausência de verdades objetivas. Mas isso pode ser
sinal de que há pessoas e sociedades que estão erradas e não de
que ninguém está errado. Se duas sociedades têm diferentes crenças
acerca de uma questão moral, o relativista conclui que então ambas
as crenças são verdadeiras. Os adversários do relativismo cultural
objetam que a conclusão não deriva necessariamente da premissa
porque essa discórdia pode ser sinal de que uma sociedade está
certa e a outra errada.
B)
O relativismo cultural reduz a
verdade ao que a maioria julga ser verdadeiro.
Desde
quando o que maioria pensa é verdadeiro e moralmente aceitável? Os
nazis acreditavam e fizeram com que a maioria dos alemães
acreditasse que os judeus eram sub-humanos e que exterminá-los era
um favor que faziam à humanidade. Isso é claramente falso.
C)
O relativismo cultural parece convidar-nos ao
conformismo moral, a seguir, em nome da coesão social, as crenças
dominantes.
Algumas
pessoas ao longo da história quiseram e conseguiram mudar a nossa
maneira de pensar acerca de certos problemas morais. Estou a
lembrar-me de quem combateu a escravatura em nome dos ensinamentos de
Cristo – embora os defensores da escravatura dissessem que a Bíblia
justificava o que faziam –, de quem lutou contra o apartheid
na África do Sul (Nelson Mandela) e contra a segregação racial nos
EUA (Martin Luther King). Essas pessoas fizeram bem à humanidade,
combateram injustiças e devemos-lhes grande progresso moral. Ora, o
relativismo cultural parece implicar que a ação dos reformadores
morais é sempre incorreta.
D)
O relativismo cultural torna
incompreensível o progresso moral.
É
verdade, ou pelo menos parece, que não há acordo entre os seres
humanos sobre muitas questões morais. Mas também é verdade que a
humanidade tem realizado progressos no plano moral. A abolição da
escravatura, o reconhecimento dos direitos das mulheres, a condenação
e a luta contra a discriminação racial são exemplos. Falar de
progresso moral parece implicar que haja um padrão objetivo com o
qual confrontamos as nossas ações. Se esse padrão objetivo não
existir, não temos fundamento para dizer que em termos morais
estamos melhor agora do que antes. No passado, muitas sociedades
praticaram a escravatura, mas atualmente quase nenhuma a considera
moralmente admissível. Muitos, e com razão, consideram esta mudança
de comportamento e de atitude um sinal de progresso moral. Mas, se
para o relativismo cultural nenhuma sociedade esteve ou está errada
nas suas crenças e práticas morais, torna-se difícil compreender a
ideia de progresso moral.
E)
O relativismo cultural torna
impossível criticar os valores dominantes numa cultura.
Como
explicar as mudanças de perspetiva moral em relação a temas como
os direitos dos animais? Como denunciar e convencer a maioria dos
membros que numa cultura consideram a pena de morte justa de que ela
afinal é injusta se justo é para o relativismo cultural o que é
socialmente aprovado pela maioria? Não compreenderiam como alguém
pode considerar esse castigo injusto, tal como um japonês não
compreenderia que o correto é comer de faca e garfo.
F)
Torna incompreensível a noção de
direitos humanos universais.
Estes
direitos são próprios dos seres humanos por serem humanos e não
por pertencerem a esta ou aquela cultura. Esta ideia é, para o
relativista, produzida por uma cultura – neste caso, a ocidental, e
por isso só pode valer no interior desta. Pode haver direitos
humanos, mas eles não são universais.
30. O que distingue o
relativismo cultural do subjetivismo moral?
A
cada cultura a sua verdade, defende o relativismo cultural. A cada
indivíduo a sua verdade, defende o subjetivismo moral.
Contrariamente ao relativismo individual ou subjetivismo moral, o
relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o código
moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da
sociedade em que vive e foi educado. Os juízos morais de cada
indivíduo são verdadeiros se estiverem em conformidade com o que a
sociedade a que pertence considera verdadeiro.
SÍNTESE
|
|||
QUESTÕES
|
O
Relativismo Cultural
|
O
Objetivismo Moral
|
O
Subjetivismo Moral
|
HÁ VERDADES MORAIS? |
Sim.
O
relativismo cultural defende que cada cultura considera
verdadeiros certos juízos de valor morais. Há uma diversidade de
verdades morais.
|
Sim.
Há
verdades morais que valem por si.
|
Sim.
Mas essa
verdade é puramente subjetiva. Depende do modo como cada pessoa
vê ou sente as coisas.
|
HÁ
VERDADES MORAIS OBJETIVAS E UNIVERSAIS?
|
Não.
Uma
proposição como «Matar é errado» é verdadeira para certas
sociedades e culturas e falsa para outras. Em si mesma, nenhuma
proposição moral – nenhum juízo de valor moral – é falsa
ou verdadeira. Verdadeiro ou correto é igual a aprovado ou
valorizado pela maioria.
|
Sim.
Há
verdades morais que valem por si, são independentes do que cada
cultura pensa e do que cada indivíduo sente. No
que respeita aos valores e práticas morais, é
errado pensar que ninguém está objetivamente certo ou
objetivamente errado.
|
Não.
No que
respeita aos valores e práticas morais,
ninguém está objetivamente certo ou objetivamente errado.
|
ALGUMA
SOCIEDADE É PROPRIETÁRIA DA VERDADE EM ASSUNTOS MORAIS?
|
Não.
Nenhuma sociedade ou cultura tem legitimidade para
«dar lições de moral» a outra. Cada uma define o que é certo
ou errado de forma autónoma e soberana.
|
Não.
Havendo
verdades objectivas, podemos considerar como certas ou erradas
certas práticas morais de certas culturas ou de indivíduos. A
moral é a mesma para todos e não depende de crenças culturais
ou de sentimentos.
|
Não.
Cada pessoa responde às questões
morais baseado no seu código moral pessoal e não pode estar
errado se for sincero. Não admite que a moral
seja a mesma para todos. É moralmente
incorreto que alguém – outro indivíduo ou
uma sociedade – tente impor as suas conceções morais
porque ninguém possui a verdade absoluta
sobre estes assuntos. Não há princípios
e normas morais, a não ser os que cada indivíduo escolhe para si
mesmo.
|
CAPÍTULO 2
VALORES
E CULTURA: DIVERSIDADE E DIÁLOGO ENTRE CULTURAS
1. Uma das razões pelas quais
muitas pessoas são atraídas pelo relativismo cultural é pensarem
que este promove a tolerância e o respeito pelas formas de vida de
outras culturas. Será que isto é verdade?
Para o relativismo cultural, a verdade dos juízos
morais depende do que cada sociedade aprova, ou seja, as afirmações
morais só são verdadeiras ou falsas em determinadas culturas.
Moralmente correto é aquilo que a maioria das pessoas de uma
sociedade considera correto. Por isso, nenhuma cultura tem o direito
de dizer que outra está moralmente errada e de tentar interferir
numa certa forma de vida para a tentar mudar. É errado que os
membros de uma dada sociedade condenem o modo de vida de outras
sociedades. Cada sociedade deve tolerar as práticas de outras
sociedades.
Podemos colocar algumas objeções:
A) O relativismo acredita que o bem é tudo aquilo
que cada sociedade aprova. Se a maioria dos
membros de uma sociedade aprovar a intolerância (por exemplo, por
motivos raciais como os nazis), nessa sociedade a intolerância é um
bem.
Se o relativista pertencer a uma
sociedade em que a maioria aprove a intolerância, cai em
contradição. Por um lado, o relativista dirá que uma das vantagens
da sua teoria está na promoção da tolerância entre as culturas. O
relativista está, portanto, a defender que a tolerância é um bem.
Por outro lado, o relativista moral defende que tudo o que a sua
sociedade aprovar é um bem. Se a sua sociedade aprovar a
intolerância, terá de dizer que a intolerância é um bem. Isto é
evidentemente contraditório.
B) Esta defesa da tolerância baseia-se num conceito
universal de tolerância, numa noção não relativista de
tolerância. O relativista pensa assim:
devemos respeitar todos os juízos morais de todas as pessoas e
sociedades ou culturas. O que admite aqui? Que pelo menos este é um
juízo universal e que há uma obrigação universal. Mas isto
contradiz a ideia relativista de que os juízos de valor são
relativos, ou seja, de que os juízos morais só são verdadeiros em
determinadas culturas. O princípio tão caro aos relativistas de que
devemos ser tolerantes com todas as culturas não é um princípio
relativista.
2. Se considerar que o
relativismo cultural é verdadeiro, terei alguma razão para
desobedecer a leis que o meu grupo cultural não aprova? Justifique a
sua resposta.
Não parece possível ter razão. Segundo o relativismo
cultural, é moralmente correto o que uma sociedade acredita ser
moralmente correto. Mas para muitos de nós esta ideia é
contraintuitiva. Se uma sociedade rejeita o direito das mulheres ao
voto e a igualdade de oportunidades no acesso a empregos, diremos que
isso é moralmente correto só porque é socialmente aprovado? As
sociedades são moralmente infalíveis? Então porque mudaram ao
longo da história várias das suas convicções?
3. Não há práticas morais
intoleráveis? O RMC é uma teoria adequada para defender a
tolerância e o diálogo entre culturas?
Na perspetiva relativista, basta uma sociedade instituir
como «normal» um certo conjunto de práticas para que tenhamos de
as respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e
normas de comportamento que nos são culturalmente estranhas. Se cada
coletividade ou, melhor dizendo, se cada comunidade se define pelos
valores e normas que a identificam (que lhe são próprios) e não
existem valores e normas valiosos para toda a humanidade, como
condenar certos atos que de um ponto de vista humano são
indesejáveis e inaceitáveis? Como defender os indivíduos de
sociedades diferentes da nossa da prepotência dos seus governos, da
tortura? Se condeno a excisão, praticada em vários países
africanos e na Europa, aceitarei que me digam que a minha indignação
é sinal de intolerância e de incompreensão dos valores de cada
cultura?
UNIDADE
4
A
DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DO AGIR
CAPÍTULO
1
INTENÇÃO
ÉTICA E NORMA MORAL
1.
O que são normas morais?
As
normas morais são regras que pretendem regular as nossas ações,
estabelecendo o que é proibido e o que é permissível. Dizem-nos o
que devemos e o que não devemos fazer. Ajudar os necessitados, ser
fiel aos seus compromissos, não matar, não mentir são exemplos de
normas morais. As normas morais podem
expressar-se de várias formas. Assim, a norma que condena o roubo
pode enunciar-se destes modos: «Não deves roubar!», «Não
roubes!», «Roubar é errado», «Roubar não é moralmente correto»
e «As pessoas não devem roubar».
2.
O que distingue as normas morais das normas jurídicas?
As
normas morais pretendem regular a nossa
consciência distinguindo o certo do errado. As normas morais são
impostas pela vontade a si própria. Nenhuma força ou ameaça
institucional as impõe.
Moral e
direito: Normas morais e normas jurídicas
|
|
Normas
morais
|
Normas
jurídicas
|
Pretendem regular a nossa
consciência distinguindo o certo do errado.
|
Não têm a pretensão de regular
a nossa consciência, pelo menos de uma forma direta.
|
As normas morais são impostas
pela vontade a si própria. Nenhuma força ou ameaça
institucional as impõe.
|
As normas jurídicas são
coativas, isto é, são acompanhadas pela ameaça de imposição
de penas e punições de tipo físico e financeiro. São
elaboradas, instituídas e reforçadas pelo poder político, isto
é, pelo Estado.
|
A violação de certas normas
morais é moralmente errada, mas não é legalmente errada. Ser
infiel à namorada ou não ajudar pessoas necessitadas não é
objeto de punição pelos tribunais.
|
A violação de certas normas
morais é moralmente errada e também legalmente errada. É o caso
de matar, roubar ou não cumprir determinados contratos. Mas uma
coisa é experimentar sentimentos de culpa e outra bem diferente é
ser declarado culpado pelas autoridades judiciais.
|
A transgressão das normas morais
não é punida com multas ou prisão. Pode dar origem a
sentimentos de culpa, de remorso e a reprovação social, mas não
a castigos juridicamente estabelecidos
|
A sua transgressão é punida com
multas ou prisão.
|
A sua aceitação e cumprimento
não são impostos pelo Estado mas resultam de uma decisão
voluntária ou de adesão interior.
|
A sua aceitação e cumprimento
são impostos pelo Estado, apoiam-se no poder coercivo do Estado.
|
Posso não as cumprir se me
parecerem injustas.
|
Sou obrigado a cumpri-las, mesmo
que me pareçam injustas.
|
O
reconhecimento de que há normas jurídicas injustas – caso de
leis de segregação racial, de leis que discriminam conforme o
sexo ou a orientação sexual – e aplicações injustas da lei
mostram que uma ação não é moralmente correta só porque é
legalmente admitida nem moralmente incorreta só porque é ilegal.
Que
certas ações sejam ao mesmo tempo imorais e ilegais não
implica, contudo, que a moral e o direito sejam a mesma coisa.
|
3.
Por que razão é importante a intenção ética?
A
intenção ética é importante porque não basta a conformidade ou o
acordo externo com as normas morais. A
avaliação da moralidade de uma ação exige mais do que a
verificação da sua conformidade externa com a norma moral. Uma
coisa é não roubar porque tenho receio de represálias – adesão
exterior e não íntima ao que a norma exige –, outra é não
roubar porque considero isso errado e indigno. Por maior que seja a
pressão social, a moralidade é uma questão de consciência, a
única autoridade perante a qual tenho de responder.
Procure
mostrar através de um exemplo por que razão a intenção é
importante na avaliação da moralidade das nossas ações.
Imagine
que a sua tia está a conduzir o automóvel. Ao aproximar-se de uma
passadeira para peões numa descida muito inclinada, os travões do
carro falham. Atravessa a faixa para peões atropelando e ferindo
gravemente duas pessoas. Imagine que um bandido, fugindo da polícia,
atravessa a faixa a alta velocidade vê dois peões e os atropela e
fere gravemente. As duas ações tiveram o mesmo resultado, mas
diremos que são iguais? É claro que não. A sua tia não atropelou
e feriu intencionalmente os transeuntes. Simplesmente houve uma falha
mecânica e, mesmo que vá ter de pagar os prejuízos causados, não
diremos que agiu mal. Não cometeu nenhum crime. Diferente é o caso
do bandido. Viu os peões, mas, querendo fugir da polícia, não
hesitou em atropelá-los. A sua ação foi intencional e, apesar de o
resultado ter sido igual, todos diremos que a sua ação foi má. O
seu comportamento foi criminoso.
5.
Apenas conta o que se faz e o que resulta do que se faz? A intenção
ou o motivo da ação não é importante para avaliarmos o que uma
pessoa faz?
Muitas
pessoas pensam que é importante. Voltemos ao exemplo dado. A sua tia
poderia ser moralmente responsabilizada pelo que aconteceu?
Provavelmente não. Atravessar a faixa não foi algo que tenha feito
com intenção, não podendo, portanto, ser censurada
pelas consequências (desagradáveis) da sua ação. Imagine que em
vez de serem atropelados, os peões conseguem correr e escapar do
embate. Continuaria a não fazer sentido responsabilizá-la por algo
que não tinha a intenção de que acontecesse. O facto de só
podermos ser responsabilizados pelas ações que praticamos com
intenção é um argumento a favor de o valor moral das nossas ações
depender unicamente
das nossas intenções.
CAPÍTULO
2
A
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL: ANÁLISE COMPARATIVA DAS
PERSPETIVAS DE KANT E DE MILL
INTRODUÇÃO
1.
O que se entende por fundamentação da moral?
Por
fundamentação da moral entende-se
estabelecer um critério, uma base que distinga uma ação boa ou
moralmente correta de uma ação má ou moralmente incorreta. A
necessidade de fundamentar a moral é a necessidade de encontrar esse
critério, essa forma de distinguir o que é certo do que é
moralmente errado.
O
problema da fundamentação da moral costuma colocar-se mediante as
seguintes questões: Como distinguir o bem do mal? Como distinguir o
moralmente correto do moralmente incorreto? Em que consiste o valor
moral de uma ação?
2.
Quais são os critérios mais frequentemente apresentados?
Os
dois critérios mais frequentemente apresentados são: a) intenção
e b) as consequências ou resultados da ação. São as respostas
mais frequentes à questão seguinte: «Em que consiste o valor moral
de uma ação?».
As
duas teorias que vamos estudar (a teoria deontológica de Kant e a
teoria utilitarista de Mill) distinguem-se pelo valor que atribuem a
cada um dos critérios.
3.
O que há de comum às duas teorias éticas que vamos estudar?
O
que carateriza, em termos gerais, as teorias éticas de Kant e Mill é
tentarem esclarecer o critério (princípio fundamental) que torna
possível determinar que espécies de ações são corretas e que
normas morais devem ser seguidas.
Pensemos no seguinte juízo: «Os vizinhos de
A comportaram-se de forma moralmente errada (não ajudaram uma pessoa
inocente cuja sobrevivência dependia do socorro dos vizinhos dado
que fora apunhalada por um bandido)». Trata-se de um juízo
moral porque avalia a correção moral de um
ato. Muito frequentemente, ajuizamos o valor moral de um ato
confrontando-o com uma determinada regra ou norma
moral. Se o ato cumpre essa regra é correto,
se não a cumpre é errado. Podemos supor que a regra violada neste
caso foi esta: «Devemos ajudar pessoas indefesas». Parece simples:
moralmente errado é o que não está de acordo com uma certa norma
moral e moralmente correto é o que a cumpre. Mas, se perguntássemos
por que razão não cumprir a referida regra foi errado, alguém
poderia responder-nos: «Foi errado não cumprir a regra porque as
consequências foram más». O que fez quem nos respondeu assim?
Utilizou um critério mais geral do que qualquer das normas morais
que conhecemos e avaliou a ação referindo-se ao seguinte princípio
ético: «São erradas as ações que têm
más consequências e certas as que têm boas consequências».
A
maioria das pessoas, tenha ou não consciência explícita disso,
baseia as suas avaliações morais em teorias éticas. É frequente
ouvir-se dizer que «As boas intenções fazem as boas ações», que
«A árvore se conhece pelos frutos» ou que «De boas intenções
está o inferno cheio».
4.
Por que razão as teorias éticas são importantes?
As
teorias éticas são importantes porque:
a)
Procuram reduzir a diversidade das normas morais concretas a um
princípio geral, denominado fundamento, que nos diz como devemos
agir.
b)
Os princípios éticos são o critério para caraterizar ações
particulares como certas ou erradas, boas ou más.
Os
princípios éticos costumam formular-se segundo o esquema «São
erradas (ou corretas) as ações do tipo X». Uma das teorias a
analisar de seguida tem como princípio fundamental que são errados
os atos que não respeitam a humanidade de cada pessoa. A outra
teoria considera errados os atos que não promovem a maior felicidade
para o maior número de pessoas por eles afetadas. Assim, se mentir à
minha namorada para não ter de me encontrar com ela estiver na
origem de mais infelicidade do que felicidade global, essa ação
será errada.
c)
Os princípios éticos são o critério fundamental da correção
moral das normas que regulam os nossos atos.
Temos
normas morais que proíbem o roubo, o assassínio, a mentira e a
maleficência. Os princípios éticos explicam em certa medida por
que vivemos há tantos séculos com essas regras. Por que razão
temos estas regras? Porque, dirá uma teoria ética, do cumprimento
de tais normas tem resultado, de um modo geral, boas consequências.
Outra teoria baseada num diferente princípio dirá que é uma
exigência da nossa razão e uma forma de consolidar e promover a
nossa dignidade.
d)
Precisamos de princípios éticos para decidir situações de
conflito entre normas morais.
Por
vezes, entram em conflito regras como «Deves dizer a verdade» e
«Não deves causar sofrimento». Não podendo seguir ambas, temos de
escolher qual a mais importante. Um princípio ético pode ajudar-nos
(embora nem sempre o consiga) a decidir qual das normas tem
prioridade. Estas situações mostram que a vida moral é muito mais
do que simplesmente seguir regras estabelecidas. É preciso pensar.
Note que quando a violação de uma regra é a coisa correta a fazer
não estamos a abrir uma exceção à regra. Acontece simplesmente
que uma regra foi suplantada por outra de importância prioritária.
A PERSPETIVA DEONTOLÓGICA DE
KANT
1. Por que razão é a ética
de Kant uma ética deontológica?
Considera-se
que a ética kantiana é deontológica porque defende que o valor
moral de uma ação reside em si mesma – na sua intenção – e
não nas suas consequências.
Em geral, uma teoria é deontológica se considera que
agir moralmente consiste em cumprir o dever pelo dever e que há
deveres absolutos, ou seja, deveres que é obrigatório cumprir
independentemente das consequências.
2. Segundo Kant, uma ação
pode ter boas consequências e não ter valor moral. Porquê?
As consequências de uma ação não têm qualquer
relevância para determinar o valor moral dessa ação, quer essas
consequências sejam boas ou más, uma vez que o valor moral de uma
ação é determinado pela intenção do agente. Uma ação com valor
moral pode ter boas consequências, mas não são as boas
consequências que a tornam moralmente valiosa.
3. O que é agir por dever?
Agir por dever
é fazer do cumprimento do dever a única razão de ser da minha
ação. Faço do cumprimento do dever um fim em si: é isso que quero
e mais nada.
A
intenção de cumprir o dever não se apoia em mais nenhuma outra.
Não há «segundas intenções».
O
cumprimento do dever é o único motivo em que a ação se baseia.
Ex.:
Não roubo quando podia fazê-lo e era conveniente.
Se
cumpro o dever de não roubar por medo das consequências, não estou
a agir por dever. Se cumpro o dever de roubar porque considero que é
sempre errado roubar, então estou a
agir por dever.
Não
roubo porque considero que assim é que deve ser, isto é, porque
esse ato é errado em si mesmo, por melhores que até possam ser as
consequências.
Agir
por dever é
cumprir o dever pelo dever.
4.
Para
Kant, basta cumprir o dever?
Não.
O que importa é o modo ou a forma como cumprimos o dever. Por outras
palavras, a intenção ou o motivo que nos leva a fazer a coisa certa
– não matar, não roubar, não mentir – é que conta. É que
podemos fazer a coisa certa por interesse ou conveniência. Isso,
para Kant, retira valor moral à ação. Quando o
propósito do agente é cumprir o dever pelo dever é que
verdadeiramente agimos bem. Para que uma ação
seja correta, não basta cumprimos os nossos deveres, porque não é
o que fazemos mas a intenção com que o fazemos que determina se a
nossa ação é moralmente valiosa.
5.
Quando
é que a intenção tem valor moral ou é boa?
Quando o propósito do agente é cumprir
o dever pelo dever.
6. Kant distingue ações
feitas por dever e ações em conformidade com o dever. O que são
ações conformes ao dever?
Ações
conformes ao dever são ações que têm como única motivação o
cumprimento do dever, mas um interesse pessoal. São ações
que cumprem o dever com a intenção de evitar uma má consequência
– perder dinheiro, reputação – ou porque daí resulta uma boa
consequência – a satisfação de um interesse. O comerciante que
pratica preços justos para criar boa reputação e aumentar a
clientela cumpre o dever por interesse, mas não cumpre o dever por
dever.
7. Uma ação pode ser conforme
ao dever e não ser por dever. Justifique.
O que determina se uma ação é realizada por dever ou
em conformidade ao dever é a sua intenção. Duas ações podem ter
as mesmas consequências, mas só a que é realizada com a intenção
de cumprir o dever pelo dever é uma ação
por dever.
8. O que são ações
contrárias ao dever? Dê exemplos.
Ações contrárias ao dever são ações que violam o
dever. Por exemplo, matar, roubar, mentir.
9. Por que razão distingue
Kant entre ações por dever e ações em conformidade com o dever?
A razão de ser ou o objetivo da distinção é duplo:
1.
Defender que o valor moral das ações depende unicamente da
intenção com que são praticadas.
2.
Mostrar que duas ações podem ter consequências igualmente boas e
uma delas não ter valor moral.
10.
O que é a lei moral?
É
uma lei da nossa consciência racional que exige
que se cumpra o dever por dever.
A
lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de
certas normas como não matar, não roubar e não mentir.
Obedeço à lei moral quando respeito absolutamente o
dever, quando não preciso de mais nenhum motivo – a não ser a
honestidade – para cumprir o dever (para ser honesto).
11. Por que razão, Segundo
Kant, a lei moral tem um caráter formal?
Porque
me diz a forma como é
correto cumprir o dever. Não é uma regra concreta como «Não
matarás!», mas um princípio geral que deve ser seguido quando
cumpro essas regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a
mentira, etc. Pense
em normas morais como «Não deves mentir», «Não deves matar»,
«Não deves roubar». A lei moral, segundo Kant, diz-nos como
cumprir esses deveres, qual a forma correta de os cumprir. Assim
sendo, é uma lei puramente racional e puramente formal.
12.
Por que razão, segundo Kant, a lei moral tem a forma de um
imperativo categórico?
A
lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de
certas normas como não matar, não roubar e não mentir. A palavra
imperativo designa dever, ordem, obrigação. A palavra categórico
significa absoluto, incondicional.
Assim,
respeitar a lei moral ou o que ela ordena é uma obrigação
absoluta.
O
que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e simples
respeito pelo dever – é, para Kant, uma
exigência que tem a forma de um imperativo categórico.
Ordena
que uma ação boa seja realizada pelo seu valor
intrínseco, que seja querida por ser boa
em si e não por causa dos seus efeitos ou
consequências. O cumprimento de deveres como não roubar ou não
mentir é uma obrigação absoluta.
13. O que são deveres
absolutos?
Deveres absolutos, ou perfeitos, são deveres que não
admitem exceções. Os deveres absolutos são deveres incondicionais
(não dependem de condições ou interesses). Os deveres morais
propriamente ditos são deveres absolutos. A lei moral enquanto
imperativo categórico diz-nos que deveres é obrigatório respeitar
de forma absoluta.
14.
Por que razão o cumprimento do dever é uma obrigação absoluta ou
categórica?
Se
cumprir o dever dependesse dos nossos interesses ou sentimentos,
teríamos a obrigação, por exemplo, de cumprir a palavra dada
apenas em certas condições, mas não sempre. Esta obrigação
dependeria, digamos, do desejo de ficarmos bem vistos aos olhos de
Deus ou aos olhos dos outros, do desejo de agradar a alguém, etc. Se
agradar a Deus ou aos outros deixasse de nos preocupar, a obrigação
de cumprir a palavra dada simplesmente desapareceria. Ora, não é
isso que deve acontecer, segundo Kant. Continuamos a ter o dever de
cumprir a palavra dada quer isso nos agrade quer não.
15. O que são deveres
relativos?
Deveres relativos são deveres cujo cumprimento depende
de se querer ou desejar algo, isto é, que se devem
cumprir apenas quando se deseja algo.
16. O que são imperativos
hipotéticos? Dê exemplos.
Os imperativos hipotéticos são ordens que expressam
deveres relativos, isto é, deveres que devemos cumprir na condição
de querermos ou desejarmos uma dada coisa. Os
imperativos hipotéticos expressam ações conformes ao dever.
Exemplos: «Deves cumprir o Código da Estrada se não queres ser
multado»; «Se queres ser louvado pelos teus concidadãos, deves
fazer apenas ações que a comunidade aprove».
17. Exponha as duas formulações
principais do imperativo categórico.
As duas formulações do imperativo a que Kant dá mais
importância são a fórmula da lei universal e a fórmula da
humanidade. A primeira diz que devemos agir apenas segundo uma máxima
tal que possamos querer ao mesmo tempo que se torne uma lei
universal; a segunda afirma que devemos agir de tal maneira que
usemos a humanidade, tanto na nossa pessoa como na pessoa de outrem,
sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
18.
Qual
é a função destas duas fórmulas? Para que servem?
Para
sabermos, em cada circunstância da vida, se a ação que queremos
praticar está, ou não, de acordo com a moral, temos de perguntar se
aquilo que nos propomos fazer poderia servir de modelo para todos os
outros e se não os transforma em simples meios ao serviço dos
nossos interesses. Se faltar a uma promessa não é algo que todos
possam imitar e viola os direitos dos outros, então temos a
obrigação de não o fazer, por muito que isso nos possa custar; se
mentir não serve de modelo para os outros e os reduz a meios que
usamos para satisfazer o nosso egoísmo, então não temos o direito
de abrir uma exceção apenas para nós.
19. O que está presente nestas
duas fórmulas do imperativo categórico?
Está presente a máxima que deve orientar a nossa ação
para que ela tenha valor moral. A máxima dá-nos a conhecer a
intenção ou o motivo que está na base da ação do agente.
Kant atribui a estas duas formulações do
imperativo categórico a função de critérios para determinar se
uma máxima expressa ou não um dever moral.
20. Analise a primeira
formulação do imperativo categórico. Recorra a um exemplo.
A
fórmula é: «Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer
ao mesmo tempo que se torne lei universal».
Cumpro
o imperativo categórico (equivalente a obedecer à lei moral ou a
agir por dever) quando a
minha máxima pode ser universalizada sem contradição.
Imagine-se
a seguinte situação: Eva precisava de dinheiro. Pediu algum
dinheiro emprestado a Bernardo com a promessa de lho devolver. No
entanto, já tinha a intenção de não lhe devolver o dinheiro.
Eva
agiu de acordo com a seguinte máxima: «Sempre que precisar de
dinheiro, peço o dinheiro emprestado, mas com a intenção de não o
devolver». Em
termos mais gerais, a regra que orienta a ação de Eva é esta:
«Mente sempre que
isso for do teu interesse».
Poderá
esta máxima ser universalizada? Não será contraditória? O que
aconteceria se esta regra fosse universalizada, se funcionasse como
modelo para todos, se todos a seguissem? Ninguém confiaria em
ninguém. Ora, a mentira só é eficaz se as pessoas confiarem umas
nas outras. É preciso que Bernardo confie em Eva, para poder ser
enganado por ela. Mas, se eu souber que todos mentem sempre que isso
lhes convém, deixarei de confiar nos outros e por isso Bernardo não
confiará em Eva. Não vale a pena Eva prometer porque Bernardo não
irá acreditar em nada que ela diga. Logo, Bernardo não lhe iria
emprestar o dinheiro se a máxima de Eva fosse uma lei universal. Por
estranho que pareça, ao exigir que todos mintam, estou a tornar a
mentira impossível.
21. O imperativo categórico
promove a ideia de imparcialidade?
Sim. Só podemos universalizar a máxima da nossa ação
se não nos deixarmos influenciar pelos nossos interesses e pelo
egoísmo.
22. Como é que a fórmula da
lei universal determina se uma máxima expressa um dever moral?
A primeira formulação do imperativo categórico
determina se uma máxima expressa um dever moral verificando se ela é
universalizável, isto é, se é possível que todos ajam segundo
essa máxima. Se for possível universalizar a máxima, ela expressa
um dever moral. Se não for possível, não expressa.
23.
Analise a segunda formulação do imperativo categórico.
A
fórmula é: Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e
simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
Segundo
esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não um simples
meio. Por isso, será moralmente errado instrumentalizar um ser
humano, usá-lo como simples meio para alcançar um objetivo. Os
seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto é, dignidade.
Por exemplo, a vida de um ser humano não vale mais do que a de
outro.
Quem
pede dinheiro emprestado sem intenção de o devolver está a tratar
a pessoa que lhe empresta dinheiro sem respeito pela sua dignidade. É
evidente que está a tratá-la como um meio para resolver um problema
e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensa
unicamente em utilizá-la para resolver uma situação financeira
grave sem ter qualquer consideração pelos interesses próprios de
quem se dispõe a ajudá-lo.
24. A segunda formulação do
imperativo categórico impede-nos de tratar os outros como meios?
Não. Se impedisse, poria em causa a própria existência
da sociedade e de muitas relações entre os seres humanos, que
dependem de que nos tratemos uns aos outros como meios para os nossos
fins. O que a segunda formulação do imperativo categórico proíbe
é que tratemos os outros apenas como meios para os nossos fins, sem
qualquer respeito pela sua dignidade e racionalidade.
25. Qual é o principal
objetivo de Kant ao apresentar estas duas formulações do imperativo
categórico, sobretudo a segunda fórmula?
Kant
pretende mostrar que a sua ética é a ética do
respeito absoluto pelos direitos da pessoa humana e não simplesmente
uma ética do dever.
Para
Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e
nunca somente como um meio, porque é o único ser de entre as várias
espécies de seres vivos que pode agir moralmente. Se não existissem
os seres humanos, não poderia haver bondade moral no mundo e, nesse
sentido, o valor da pessoa é absoluto.
Assim,
a fórmula da humanidade, também conhecida por fórmula do respeito
pelas pessoas, exprime a obrigação moral básica da ética
kantiana.
Como
pessoa, o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma podem
ser violados ou infringidos. A ética kantiana parece a ética de um
fanático do dever, mas mais do que isso é a ética dos direitos da
pessoa humana.
26. Estabeleça a relação
entre cumprimento do dever, imparcialidade e respeito pela pessoa
humana.
A
ação moralmente correta é
decidida pelo indivíduo quando adota uma perspetiva universal. Como?
Colocando de parte os seus interesses, a pessoa pensará como
qualquer outra que também faça abstração
dos seus interesses, adotando,
portanto, uma perspetiva universal.
Pense em deveres morais comuns como «Paga o que
deves», «Sê leal», «Não roubes». Só o interesse e a
parcialidade do agente podem levar à violação de tais regras ou
deveres morais. Eliminada a parcialidade, pensamos segundo uma
perspetiva universal e
aprovamo-los. Sempre que fazemos da satisfação dos nossos
interesses a finalidade única da nossa ação,
não estamos a ser imparciais e a máxima que seguimos não pode ser
universalizada. Assim sendo, estamos a usar os outros apenas como
meios, simples instrumentos que utilizamos para nosso proveito.
27. O que é a boa vontade?
É
uma vontade que age de forma moralmente correta independentemente das
consequências da ação.
É
uma vontade que cumpre o dever respeitando absolutamente a lei moral,
ou seja, cuja única intenção é cumprir o dever.
É
uma vontade que age segundo regras ou máximas que podem ser seguidas
por todos.
É
uma vontade que respeita todo e qualquer ser humano considerando-o
uma pessoa e não uma coisa ou um simples meio ao serviço deste ou
daquele interesse.
É
uma vontade autónoma porque decide cumprir o dever por sua
iniciativa e não por receio de autoridades externas ou da opinião
dos outros.
A boa vontade é a vontade que age por respeito pela
lei moral. A boa vontade é a única coisa absolutamente boa. O que a
torna boa é a intenção que preside à realização da ação.
Quando um agente age com a intenção de cumprir o dever pelo dever,
age de boa vontade.
28. O que é uma vontade
autónoma?
É
a vontade que age com a intenção de cumprir o dever pelo dever. Por
isso é também dita uma boa vontade ou uma vontade que respeita a
lei moral. A autonomia da vontade designa a capacidade de a vontade
decidir respeitar uma lei – a lei moral – que exige o respeito
absoluto pela dignidade e autonomia da pessoa humana. A autonomia da
vontade não é fazer o que apetece. O agente autónomo aceita a lei
moral porque essa lei é criada por ele mesmo,
quando faz escolhas morais
imparciais e desinteressadas determinadas pela
sua razão. Uma
vontade autónoma é uma vontade puramente racional, que faz sua uma
lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que a lei moral
exige». Ao agir por dever, obedeço à voz da minha razão e nada
mais.
29. O que é a vontade
heterónoma?
É
a vontade que não cumpre o dever pelo dever. Não é uma boa
vontade. O cumprimento do
dever não é razão suficiente para agir tendo de se invocar razões
externas como o receio das consequências, o temor a Deus, etc. A
vontade submete-se a autoridades que não a razão.
É a vontade que é incapaz de vencer o conflito entre o
dever e os interesses e inclinações sensíveis. Nestas
circunstâncias, a vontade não tem a razão como fonte da obrigação
e rege-se pelo que a religião ou a sociedade em geral pensam, o que
é um sinal de menoridade moral.
30.
Para Kant, há deveres morais absolutos? Porquê?
Para
Kant, há ações que, apesar das boas consequências
previsíveis, nunca devem ser praticadas.
Há
ações que é sempre obrigatório ou sempre errado fazer. Há
ações que são moralmente erradas, quaisquer que sejam as
consequências que resultem delas. Matar, roubar, mentir são
exemplos de ações que são sempre erradas, por mais vantagens que
resultem delas, e temos a absoluta obrigação de não matar, não
roubar e não mentir. Isto quer dizer que há deveres morais
absolutos, ou seja, obrigações que devemos cumprir sempre.
Mas
por que razão há deveres morais absolutos? Porque há direitos
invioláveis. Os direitos da pessoa humana. Como
pessoa, o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma,
podem ser violados ou infringidos. Estes direitos implicam deveres, e
estes deveres implicam restrições. Nem tudo é permissível em
nome, por exemplo, do bem-estar geral ou da felicidade do maior
número.
A
PERSPETIVA UTILITARISTA DE STUART-MILL
1. Qual é, Segundo Mill, o
critério da moralidade de uma ação?
Segundo Mill o que faz com que uma ação tenha valor
moral é a utilidade. O critério da moralidade de um ação é o
princípio de utilidade. Este princípio é o teste da moralidade das
ações. Uma ação deve ser realizada se e só se dela resultar a
máxima felicidade possível para o maior número possível de
pessoas que são por ela afetadas. O princípio de utilidade é por
isso também conhecido como o princípio da maior felicidade. Uma
ação boa é a mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade
global ou, dadas as circunstâncias, menos infelicidade. Quando não
é possível produzir felicidade ou prazer, devemos tentar reduzir a
infelicidade. É costume resumir-se o princípio de utilidade
mediante a fórmula «A maior felicidade para o maior número».
2. Por que razão o
utilitarismo de Mill é uma teoria consequencialista?
O valor moral de uma ação depende das suas
consequências. A ação boa é a ação que tem boas
consequências ou, dadas as circunstâncias, melhores consequências
do que ações alternativas.
Uma ação moralmente correta, para
John Stuart Mill, é a que, de todas as ações possíveis, tem
as melhores consequências.
Por «melhores consequências» o utilitarista entende o
bem-estar ou felicidade da maioria. Assim, o utilitarista pensa que a
melhor coisa a fazer numa dada situação é aquela que, entre todas
as alternativas disponíveis, mais promove o bem-estar ou felicidade
de um ponto de vista inteiramente imparcial, isto é, que promove o
bem-estar do maior número possível de pessoas que são afetadas
pelas nossas ações. O utilitarista advoga «o maior bem para o
maior número». A melhor ação, deste ponto de vista, não é a que
tem efetivamente as
melhores consequências, mas a que tem a maior utilidade esperada,
que se determina calculando a taxa de bem-estar produzida por uma
ação com a probabilidade de sucesso na realização dessa ação. A
ação que tiver a maior utilidade esperada é a que deve ser
realizada.
3. A felicidade de que fala o
utilitarismo de Mill é a felicidade individual?
Também,
mas não só. Prevalece a ideia de felicidade geral, embora não se
despreze a felicidade individual. A
felicidade de que fala o utilitarismo não é simplesmente a
felicidade individual. Mas também não é a felicidade geral à
custa da felicidade do agente. A minha felicidade é tão importante
como a dos outros envolvidos, nem mais nem menos. Dada a tendência
humana para o egoísmo, Mill acentua esta ideia:
a minha felicidade não conta mais do que a felicidade dos outros.
4.
O utilitarismo de Mill pretende ser uma forma de avaliação
imparcial do que é correto fazer em termos morais. Esta afirmação
é correta?
Sim.
Para decidir o que é moralmente correto fazer,
o agente deve ter tanto em conta, não só o seu bem-estar, como o
de todas as outras pessoas que são afetadas pela ação. A sua
felicidade não conta mais do que a felicidade dessas outras pessoas
e não deve abrir exceções, mesmo para conhecidos, familiares e
amigos. Quando delibera sobre o que vai fazer, o agente tem de ser
completamente imparcial. Por isso, o utilitarismo rege-se pelo
princípio da imparcialidade.
5.
Considera-se que o utilitarismo de Mill é uma teoria hedonista. O
que significa isso?
Significa
que todas as atividades humanas têm um objetivo último, isto é,
são meios para uma finalidade que é o ponto de convergência de
todas. Esse fim é a felicidade ou bem-estar que Mill identifica com
o prazer.
Procuramos
em todas as atividades a que nos dedicamos viver experiências
aprazíveis e evitar experiências dolorosas ou desagradáveis. Esta
perspetiva que identifica a felicidade com o prazer ou o bem-estar
tem o nome de hedonismo.
6.
Para Mill, todos os prazeres se equivalem?
Qual a natureza da felicidade identificada com o prazer? De que tipo
de hedonismo se trata? Que prazeres segundo Mill promovem a
felicidade?
Estaria
Mill de acordo connosco se pensássemos que consideraria feliz a
pessoa que passa toda a sua vida a comer e beber, a ver novelas e
futebol, a colecionar automóveis topo de gama e a satisfazer os seus
impulsos sexuais?
A
resposta é não, e Mill faz questão de ser bem claro. Nenhuma
felicidade humana é verdadeiramente possível sem um «sentido de
dignidade». Nem todos os prazeres se equivalem. Há prazeres
superiores e prazeres inferiores. Não podemos reduzir a felicidade à
satisfação dos prazeres físicos. Sem negar estes, Mill afirma
convictamente que os prazeres do espírito ou os prazeres
intelectuais são superiores e qualitativamente distintos.
7.
Caraterize o princípio de utilidade.
1.
É o critério que permite distinguir uma ação moralmente correta
de uma ação moralmente incorreta.
2.
É o princípio supremo da moralidade porque:
a)
Permite
reduzir a diversidade das normas morais concretas a um princípio
geral, denominado fundamento, que nos diz como devemos agir.
b) Permite orientar-nos em casos
de conflito moral, retirando às normas socialmente aprovadas o seu
caráter inviolável.
8.
Distinga, segundo a perspetiva utilitarista de Mill, ações com boas
consequências de ações com más consequências.
A
ação com boas consequências é aquela cujos
resultados contribuem para um aumento da felicidade (bem-estar) ou
diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas
por ela afetadas. É uma ação subordinada ao princípio de
utilidade.
A
ação com más consequências é aquela cujos resultados
não contribuem para um aumento da felicidade (bem-estar) ou
diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas
por ela afetadas.
É
a ação parcial em que a felicidade do maior número não é tida em
conta ou a ação egoísta em que só o meu bem-estar ou satisfação
é procurado. Em suma, é a ação que não se subordina ao princípio
de utilidade.
9.
Exponha as linhas gerais da ética utilitarista, esclarecendo de
que tipo de teoria da ética normativa se trata e quais os seus
principais conceitos.
A ética de John Stuart Mill é uma ética
consequencialista, porque defende que o valor moral de uma ação
depende das suas consequências. A ação boa é a que tem as
melhores consequências possíveis. Para Mill, ao
contrário de Kant, não determinamos a correção moral de uma ação
com base no motivo ou intenção do agente, mas sim nos resultados da
ação. Mill discorda completamente da posição segundo a qual a
intenção do agente é vital para determinar o valor moral de uma
ação. Para ele, uma ação que tenha boas consequências é sempre
boa qualquer que seja a motivação do agente.
Mill pensa também que a ação a realizar é aquela da
qual resulta a maior felicidade ou bem-estar para todas as pessoas
envolvidas. Uma ação boa é, portanto, a mais útil, ou seja, a que
produz mais felicidade global. A este princípio que funciona como
critério da moralidade chama-se princípio de utilidade e afirma que
a ação que deve ser realizada é aquela de que resulta a máxima
felicidade possível para as pessoas que são afetadas por ela. O
princípio de utilidade é, por isso, conhecido também como
princípio da maior felicidade.
Em que consiste esta felicidade que deve, segundo Mill,
ser o objetivo de toda a ação moral? A felicidade consiste no
prazer e na ausência de dor. Chama-se hedonismo a esta conceção da
felicidade. O consequencialismo de Mill é, por este motivo, um
consequencialismo hedonista. A esta forma de consequencialismo
chama-se utilitarismo. Mill é, portanto, utilitarista.
Outra ideia importante na ética de Mill é a de
imparcialidade. Para decidir o que é moralmente correto fazer, o
agente deve ter em conta, não só o seu bem-estar, como o de todas
as outras pessoas que são afetadas pela ação. A sua felicidade não
conta mais do que a felicidade dessas outras pessoas e não deve
abrir exceções, mesmo para familiares e amigos. Quando delibera
sobre o que vai fazer, o agente tem de ser completamente imparcial.
Por isso, o utilitarismo rege-se pelo princípio da imparcialidade.
A felicidade consiste no prazer, mas nem todos os
prazeres são considerados da mesma maneira. Mill distingue dois
tipos de prazeres, os inferiores e os superiores. Os prazeres
inferiores são os prazeres físicos. Os superiores são os do
espírito. Sem negar os prazeres físicos, Mill afirma que os
prazeres do espírito ou os prazeres intelectuais são superiores e
qualitativamente distintos.
10.
Por que razão o princípio de utilidade é superior às normas
morais comuns tais como não matar, não roubar e não mentir?
É
superior porque por vezes –
especialmente em casos de conflito moral – temos de recorrer ao
princípio de utilidade para resolver uma situação moral a que as
normas morais não respondem cabalmente.
Ex.: Tenho de optar entre salvar e deixar morrer. As
regras morais comuns dizem-me que não devo deixar morrer inocentes.
Mas neste caso tenho de tomar uma decisão, por mais difícil que
seja.
11.
O utilitarismo implica o abandono das normas morais aceites na
generalidade das sociedades?
O utilitarismo não implica necessariamente o abandono
das normas morais aceites na generalidade das sociedades. Estas
normas resistiram à prova do tempo, e em muitas situações fazemos
bem em segui-las nas nossas decisões. Mas há situações em que não
respeitar uma determinada norma moral e seguir o princípio de
utilidade tem melhores consequências do que respeitá-la. O
princípio de utilidade ajuda-nos a deliberar e a tomar decisões
quando as regras morais vigentes não nos permitem determinar como
agir. É o caso quando há conflitos e dilemas morais. Há quem
pense, por isso, que a ética de Mill é ao mesmo tempo um
utilitarismo das regras e um utilitarismo dos atos. O utilitarismo
das regras é a ideia de que devemos agir de acordo com as regras que
mais promovem a felicidade. Ao defender a importância das normas
morais comuns para a ação, Mill está, supostamente, a abraçar
esta forma de utilitarismo, porque como estas regras passaram o teste
do tempo são as que têm as melhores consequências. No entanto, ao
defender que, quando há um conflito entre normas, se deve deliberar
com base no princípio da utilidade, Mill está a defender o
utilitarismo dos atos, isto é, uma escolha com base nas
consequências, de cada ato específico.
12. Na perspetiva utilitarista
de Mill, há deveres morais absolutos?
O utilitarismo defende que há princípios e regras
morais objetivas, como é o caso do princípio de utilidade, válido
independentemente das opiniões dos indivíduos e das culturas, mas
admite que em certas situações um dever pode ser suplantado por
outro mais importante. Assim, salvar uma vida pode exigir que se
minta, se roube e mesmo que se mate. Por isso, ao contrário do que
pensava Kant, não há ações intrinsecamente boas. Uma ação é
moralmente correta ou incorreta conforme as consequências que dela
resultam numa dada situação, pelo que, para o utilitarista, não há
deveres que devam ser respeitados em todas as circunstâncias, isto
é, não há deveres morais absolutos.
13. A crítica mais frequente
ao utilitarismo é a de que justifica a prática de ações imorais.
Isto acontece, segundo os críticos porque o utilitarismo dá apenas
importância às consequências das ações enquanto critério para
avaliarmos a moralidade das mesmas. Para o utilitarista, na
perspetiva dos seus críticos, uma pessoa pode desrespeitar uma das
regras morais básicas, como a de «não matar» ou de «não
mentir», e, ainda assim, agir moralmente, desde que essa sua ação
proporcione uma maior quantidade de felicidade a um número de
pessoas maior do que as pessoas a quem provocou dor ou sofrimento.
Para dar um exemplo, na perspetiva do utilitarismo é correto matar
um indivíduo inocente se se souber que a morte desse indivíduo vai
permitir salvar a vida a outras três pessoas. Ora, é inadmissível
que seja moralmente permitido matar inocentes. Assim, segundo os seus
críticos, o utilitarismo é inaceitável.
Como poderia um utilitarista
responder a esta crítica?
Em primeiro lugar, um utilitarista pode objetar que esta
crítica é hipócrita, porque afinal acusa o utilitarismo de uma
prática comum da sociedade. Embora exista a ideia muito difundida de
que matar pessoas inocentes é errado, a verdade é que em situações
excecionais, as pessoas e as sociedades às vezes têm do tomar
decisões que conduzem à morte de pessoas inocentes. Por exemplo,
quando se manda soldados para a guerra, o objetivo não é,
obviamente matá-los, mas tal ato acabará inevitavelmente por causar
a morte de muitas pessoas que, normalmente, não são responsáveis
pelo conflito e que tinham a intenção de ocupar melhor a sua vida
do que a disparar sobre outros seres humanos. Quando um médico
durante a guerra divide os seus pacientes em aqueles que sobrevivem
sem o tratamento, os que morrem mesmo que tratados e os que se
tratados sobrevivem, está a tomar decisões que, se se enganar,
podem conduzir à morte de inocentes. Quando, numa epidemia, os
governos decidem, na ausência de vacinas para todos (como aconteceu
em Portugal durante a recente ameaça da gripe A), que grupos sociais
e profissionais devem levar em primeiro lugar a vacina, estão a
tomar decisões que podem conduzir à morte de muitos cidadãos
inocentes. E em muitos casos, como nestes exemplos, em nome de fazer
o que tem as melhores (ou as menos más) consequências para as
pessoas envolvidas! E, no entanto, ninguém contesta que, dadas as
circunstâncias, essas são as melhores ações. Porquê, então,
acusar os utilitaristas de uma prática frequente e aceite da
sociedade? Em vez de criticar o utilitarismo, o que se deveria fazer
era elogiá-lo por fornecer uma justificação racional para ações
que, intuitivamente, já sabemos serem corretas.
Mas atenção! O utilitarismo defende que é correto
roubar, mentir ou matar apenas em certas circunstâncias muito
excecionais, quando as regras morais comuns pelas quais as sociedades
se regem não podem ser aplicadas. Em todos esses exemplos, as
situações são excecionais e levam a escolhas, elas também,
excecionais. Mandar inocentes para a guerra é, geralmente, a
resposta encontrada para evitar, correta ou erradamente, um mal
maior. E o mesmo se passa nos exemplos do médico e dos governos.
Também desta perspetiva, a crítica parece injustificada, pois os
utilitaristas limitam-se a defender o que é prática comum em
situações fora do comum.
14. Uma
crítica feita ao utilitarismo é diretamente dirigida ao princípio
da imparcialidade.
Este princípio exige que os interesses de todos os envolvidos nas
ações sejam considerados de modo igual. Isto significa que um
utilitarista, ao decidir como agir, deve considerar do mesmo modo os
interesses de familiares, de amigos, de vizinhos, concidadãos e
estranhos que possam, por hipótese, viver do outro lado do mundo. No
entanto, é difícil agir em todas as situações sem ter em conta
aquilo que a pessoa é, porque não nos comportamos da mesma forma em
relação aos nossos amigos e familiares como em relação a
estranhos. Sentimos necessariamente uma maior afetividade pelos
nossos familiares e amigos do que por estranhos, em parte porque
também a nossa responsabilidade e os nossos deveres em relação aos
nossos familiares e amigos são diferentes. Além disso, se
seguíssemos em todas as nossas ações o critério utilitarista da
imparcialidade, correríamos o risco de destruir as relações
pessoais que mantemos com as pessoas de que mais gostamos.
Como poderia um utilitarista
responder a esta crítica?
Pode parecer natural a exigência de que os interesses,
por exemplo, dos nossos filhos sejam considerados de modo diferente
dos de estranhos, devido às fortes relações afetivas que mantemos
com eles e que são inexistentes no segundo caso. É claro que somos
seres afetivos e que as nossas afeções têm um papel importante nas
nossas relações com os outros. Essas afeções tornam difícil agir
de acordo com o princípio da imparcialidade e levam de facto a que
não ajamos em algumas situações. Mas se baseássemos a nossa
conduta nas afeções, as nossas ações variariam ao sabor dessas
afeções, favorecendo uns, prejudicando outros. Retirar o princípio
da imparcialidade ao utilitarismo seria transformá-lo numa espécie
de egoísmo que incorpora, para além dos nossos interesses, os
interesses daqueles que nos são próximos. Uma tal doutrina, embora
praticável e praticada por muitos, tem pouco de moral. O princípio
da ação moral tem de ser um princípio racional, sob pena da moral
se tornar completamente arbitrária. O princípio da imparcialidade
parece estar de acordo com as nossas intuições morais mais básicas.
Uma pessoa que, tendo de tomar uma decisão por um grupo de pessoas,
decida de forma vantajosa para si ou para os que lhe são próximos é
objeto de crítica e não de louvor. É preciso lembrar o que o povo
português pensa do suposto favorecimento dos políticos a amigos e
familiares? Uma vez mais
parece haver aqui alguma hipocrisia da parte dos críticos do
utilitarismo. Criticam o utilitarismo por defender aquilo que é,
vistas bem as coisas, é o ponto de vista aceite pela generalidade
das pessoas sobre o assunto. Outra coisa, diferente, é se somos
capazes de agir sempre segundo esse princípio. Talvez não sejamos,
talvez sejamos uns mais do que outros, talvez uns muito e outros
pouco. Somos seres racionais, mas também afetivos. Talvez a nossa
afetividade se sobreponha algumas vezes à nossa racionalidade. Mas
isso mudará alguma coisa relativamente à nossa obrigação, se o
princípio da imparcialidade for verdadeiro?
COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS
PERSPETIVAS
1. Compare a ética de Kant com
a ética de Mill a respeito do critério para avaliar moralmente uma
ação.
Para a ética de Kant, a moralidade ou o valor moral de
uma ação depende da intenção com que a ação é praticada.
Embora Kant não as despreze completamente, as consequências das
ações não são o critério de que depende a moralidade da ação.
Com efeito, uma ação pode ter consequências boas e ainda assim não
ser moralmente boa. Kant ilustra este ponto com o exemplo do
merceeiro honesto. Quer o merceeiro que é honesto para não perder
clientes (que age conforme ao dever) quer o merceeiro que é honesto
porque pensa que é essa a sua obrigação (que age por dever) fazem
exatamente a mesma ação (são honestos), com as mesmas
consequências boas para os clientes, e, no entanto, apenas a ação
do segundo é moralmente boa. A ação do primeiro é realizada por
interesse, isto é, a pensar no que aconteceria se fosse desonesto. A
do segundo merceeiro não é realizada por interesse, mas por esse
merceeiro ter consciência da sua obrigação de ser honesto. O que é
diferente num e noutro caso não é a ação nem as consequências da
ação, mas a intenção com que a ação é praticada. Num caso, a
intenção é incorreta e no outro é correta. Só nesse caso, isto
é, quando a ação é praticada pela intenção correta, a ação é
moralmente boa. Portanto, segundo Kant, o que determina se uma ação
é moralmente boa é a intenção e uma ação só é moralmente boa
se a intenção for a de cumprir o dever pelo dever. Por esse motivo,
a ética de Kant é uma ética deontológica.
Segundo Mill, a moralidade de um ato depende das
consequências ou resultados desse ato para todas as pessoas
abrangidas por ele. Para Mill, a intenção com que a ação é
praticada é irrelevante para determinar o seu valor moral. A ação
pode ser praticada com as melhores intenções e ter consequências
desastrosas. Por isso, a intenção revela mais sobre o caráter do
agente do que propriamente sobre o valor moral da ação. Para Mill,
a felicidade (sob a forma de prazer e ausência de dor) deve ser o
fim último da ação moral. Por esse motivo, para que uma ação
seja boa, tem que promover a felicidade. As ações que mais promovem
a felicidade, isto é, as que têm as melhores consequências, são,
portanto, as ações boas. Mill, contudo, não é um egoísta ético,
isto é, não defende que a melhor ação é que tem as melhores
consequências para o agente da ação. Pensa que os interesses de
todos os envolvidos devem ser tidos em conta e de forma idêntica.
Devemos, segundo ele, guiarmo-nos, para determinar qual a ação
moralmente correta, pelo princípio da imparcialidade. Nestas
condições, a ação que produz mais prazer e menos dor é a que tem
valor moral. A ética de Mill é, assim, ao contrário da de Kant,
uma ética consequencialista.
2. Compare a ética de Kant com
a ética de Mill a respeito da questão de saber se os fins
justificam os meios.
Para Kant os fins nunca justificam os meios. Há ações
que são moralmente erradas quaisquer que sejam as consequências que
resultem delas. Matar, roubar, mentir são exemplos de ações que
são sempre erradas por mais vantagens que resultem delas, e temos a
absoluta obrigação de não matar, não roubar e não mentir.
Suponhamos, por exemplo, que alguém pensa que a maneira de acalmar a
população de uma cidade agitada pela ocorrência de uma série de
homicídios seria condenar um indigente que apareceu a vaguear por
essa cidade. Fazendo um cálculo custo-benefício, essa seria a ação
com as melhores consequências, embora o indigente claramente não
fosse o responsável pelos homicídios. Será que, neste caso, os
meios se justificavam tendo em conta o benefício, isto é, o fim em
vista? Para Kant não. Por melhores que sejam, as consequências de
uma ação, se essa ação viola um imperativo categórico, é imoral
praticá-la. Seria o caso no exemplo dado. Prender o indigente seria
agir de acordo com uma máxima que não passa o teste do imperativo
categórico, seja porque não pode ser universalizada seja porque
implica tratar o indigente apenas como um meio para um fim. Numa
palavra, os meios, para Kant, nunca justificam os fins, seja porque
não são as consequências que decidem da moralidade de uma ação
seja porque desse modo violar-se-iam deveres absolutos e direitos
invioláveis. Para Mill, as coisas são diferentes. Não há à
partida nem direitos invioláveis nem deveres absolutos. Não há
ações que seja sempre obrigatório ou sempre errado fazer. As ações
são erradas ou corretas em função das suas consequências ou fins.
Podemos, portanto, dizer que do ponto de vista de Mill os fins
justificam sempre os meios, porque é em função dos fins
(consequências esperadas) que os meios (as ações a praticar) são
determinados. Isto é verdade mesmo nos casos que a opinião comum
tende a considerar imoral. Embora, em geral, seja útil respeitar
normas como «Não matar» ou «não mentir», pode haver
circunstâncias em que violar essas normas se justifique porque
fazê-lo é o que produz o melhor estado de coisas para todas as
pessoas envolvidas. Quer dizer, há situações em que matar ou
mentir, sendo condição para a obtenção de certos fins, pode em
certas circunstâncias ser o correto a fazer. O exemplo do indigente
dado acima pode ser uma dessas situações. Normalmente consideramos
errado prender pessoas inocentes. Para Kant, como vimos, seria
absolutamente errado fazê-lo porque há deveres absolutos. Para Mill
não há deveres absolutos, e uma análise custo-benefício pode
justificar uma ação que o senso comum tende a considerar imoral.
3. Compare a ética de Kant com
a ética de Mill a respeito da questão dos deveres absolutos, ou
seja, dos deveres que é nossa obrigação cumprir sempre.
Segundo Kant, como pessoa, o ser humano tem direitos
que, em circunstância alguma, podem ser violados ou infringidos.
Estes direitos implicam deveres, e estes deveres implicam restrições.
Nem tudo é permissível em nome do bem-estar geral ou da felicidade
do maior número. Se maximizar o bem-estar implica violar esses
direitos, a ação não é moralmente admissível.
Para Mill, as ações são moralmente corretas ou
incorretas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o
bem-estar, são boas. São as consequências que as tornam boas ou
más. Não há, pois, para o utilitarista, deveres que devam ser
respeitados em todas as circunstâncias. Para Mill, o dever
fundamental é maximizar o bem-estar criando um melhor estado de
coisas no mundo. E, em circunstâncias especiais, o cumprimento deste
dever pode levar a ações que chocam com as nossas intuições de
senso comum. Seria esse o caso no exemplo do indigente dado na
resposta à questão anterior. Prender pessoas inocentes ou mentir
pode ser chocante e perturbador, mas não errado, se forem as
consequências o que conta para decidir se uma ação tem ou não
valor moral.
Para Kant, há ações que, apesar das boas
consequências previsíveis, não devem nunca ser praticadas. Há
direitos invioláveis e por isso há deveres absolutos. Para Mill,
certas ações, dadas as suas consequências, devem ser praticadas.
Não há direitos invioláveis e por isso não há deveres absolutos.
COMPARAÇÃO ENTRE AS
ÉTICAS DE KANT E DE MILL
|
||
QUESTÕES
|
RESPOSTA DE KANT
|
RESPOSTA DE MILL
|
As consequências são o
que mais conta para decidir se uma ação é ou não moralmente
boa?
|
Não. A minha ética não é
consequencialista.
|
Sim. A minha ética é
consequencialista.
|
A intenção é o
critério ou fator decisivo para avaliar se uma ação é
moralmente boa?
|
Sim. A minha ética considera boa a ação
cuja máxima exprime a intenção de cumprir o dever pelo dever. A
intenção de fazer o que é devido sem mais outro motivo que não
o cumprimento do dever é a única coisa que torna uma ação boa.
A moralidade consiste em cumprir o dever pelo dever. A minha
ética é deontológica.
|
Não. O fator que decide se uma ação é
boa ou não é o que dela resulta. As consequências são o
critério decisivo da moralidade de um ato. A intenção diz
respeito ao caráter do agente e não à qualidade moral da ação.
Se uma ação é motivada pela vontade de obter o melhor resultado
possível mas tem más consequências, diremos que, apesar de o
agente ser bom, a ação não é boa.
|
Há ações boas em si mesmas, isto é, que tenham um valor intrínseco? |
Sim. O valor moral de uma ação depende
da máxima que o agente adota, sendo independente das
consequências, efeitos ou resultados do que fazemos.
|
Não. Não podemos dizer que uma ação é
boa ou má antes de olharmos para as suas consequências.
|
Há deveres absolutos?
Há normas morais que não devemos nunca desrespeitar?
|
Sim. Mentir, roubar e matar, por exemplo,
são atos sempre errados. Há normas morais absolutas que
proíbem o assassínio, o roubo, a mentira e que devem ser
incondicionalmente respeitadas em todas as circunstâncias.
|
Não, exceto o dever de promover a felicidade
geral. Há situações em que não cumprir certo dever tem
como consequência um melhor estado de coisas. Há normas
morais que se têm revelado úteis para organizar a vida dos seres
humanos, mas devemos ter em conta que nem sempre o seu cumprimento
produz bons resultados.
|
Qual é o princípio
moral fundamental que temos de respeitar para que a nossa ação
seja moralmente boa?
|
O princípio moral fundamental a respeitar é
o que exige que nunca trate os outros – nem a minha pessoa –
como meio ou instrumento útil para um certo fim. Respeitar a
nossa humanidade, eis o princípio incondicional. Para isso ser
possível, devo agir segundo máximas que possam ser seguidas
pelos outros, isto é, que possam ser universalizadas.
|
O princípio moral fundamental a respeitar é
o princípio de utilidade. Exige que das nossas ações resulte a
maior felicidade possível para o maior número possível de
pessoas. É também conhecido como princípio da maior
felicidade possível. A minha ética é consequencialista e
utilitarista.
|
Há valores absolutos? |
Sim. A dignidade da pessoa humana é um
valor absoluto. Nenhuma ação pode ser boa se desrespeita esse
valor absoluto. A boa vontade é a vontade de nunca violar a
dignidade absoluta e incondicional da pessoa humana.
|
Sim. O único valor
absoluto é a felicidade entendida como prazer. Todas as
outras coisas só têm valor se produzirem felicidade.
|
Maximizar o bem-estar ou
a felicidade é obrigatório?
|
Não. Não é
obrigatório e muitas vezes não é permissível. Porquê? Porque
há direitos das pessoas que são absolutos. Os deveres absolutos
de que falo são restrições que impõem limites à
instrumentalização dos indivíduos em nome do bem-estar geral.
A minha ética é deontológica porque o respeito absoluto pelos
direitos da pessoa humana implica que haja deveres absolutos ou
coisas que é absolutamente proibido fazer.
|
Sim. Se o valor moral das ações depende
da sua capacidade para maximizar o bem-estar dos agentes afetados
pelas consequências de uma ação, então obter esse resultado é
obrigatório, mesmo que por vezes isso implique a violação de
algum direito. A minha ética não é deontológica porque não
admite que haja deveres absolutos que impõem restrições ao que
é possível fazer. A minha ética centra-se no bem-estar geral
que das ações pode resultar, e maximizar esse bem-estar é a
única obrigação moral.
|
O que é a felicidade? É o fim ou objetivo último das ações humanas? |
A felicidade é um bem, mas não deve
influenciar as nossas escolhas morais. O fim último da ação
moral é o respeito pela pessoa humana, pelo valor absoluto que a
sua racionalidade lhe confere.
|
A felicidade é o objetivo fundamental da
ação moral, embora não se trate da felicidade individual nem da
felicidade que se traduza na redução do bem-estar da maioria das
pessoas a quem a ação diz respeito.
|
O que é o egoísmo? |
O egoísmo, impedindo ações desinteressadas
e imparciais, é o grande inimigo da moralidade.
|
O egoísmo é condenável porque impede que se
tenha em vista um fim objetivo que é a maior felicidade para o
maior número possível de pessoas.
|
UNIDADE 4
CAPÍTULO
3
- O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO
Por
que devemos consentir em ser governados e em obedecer a regras
impostas por uma autoridade externa?
1.
O que se entende por teorias contratualistas clássicas?
São
teorias que defendem o estabelecimento de um acordo entre vários
indivíduos, implicando compromissos recíprocos. A este acordo entre
os indivíduos chama-se pacto ou contrato social (porque estabelecido
entre os indivíduos de uma determinada sociedade).
2.
Qual é a finalidade do acordo?
Este
acordo visa alterar uma determinada situação na sociedade que se
tornou insustentável, concretamente o desrespeito pelos direitos
básicos dos indivíduos, desrespeito esse que gera um estado
conflituoso. O acordo vai permitir eliminar ou reduzir os conflitos
na sociedade.
3.
Que compromissos recíprocos são estabelecidos com o acordo?
Estes
compromissos traduzem-se geralmente no seguinte: todos os indivíduos
comprometem-se a obedecer a um poder exterior que garanta uma
melhoria das relações entre eles e promova um maior bem-estar
geral.
4.
Que poder exterior é esse a que todos os indivíduos se comprometem
obedecer?
Esse
poder é o Estado. Neste sentido, o contrato social é uma forma de
legitimação do Estado. As teorias contratualistas que vamos estudar
são as de Thomas Hobbes
e John Locke.
5.
Por que razão é necessário, para Hobbes, o contrato social e, por
conseguinte, a autoridade do Estado?
Para
Hobbes, no estado de natureza, o indivíduo vive num permanente
estado de violência e de medo, estado no qual ninguém se encontra a
salvo e onde a vida de cada um corre sempre um grande risco. Hobbes
sintetizou este estado de guerra permanente entre todos com a
seguinte expressão: «O Homem é o lobo do Homem».
Os
indivíduos não podem continuar a viver neste estado de permanente
angústia e temor. Torna-se necessário o estabelecimento de um
contrato ou pacto entre todos os indivíduos que salvaguarde as suas
vidas e os seus bens.
6.
De que modo entende Hobbes o estabelecimento deste pacto?
Hobbes
defende que, para se instaurar a paz e a segurança na sociedade, é
necessário transferir os direitos de todos os indivíduos (direitos
esses que eram ilimitados no estado de natureza) para uma pessoa que
seria o titular desses mesmos direitos. Esta pessoa, o soberano,
estaria acima dos indivíduos e deteria um poder absoluto (detém
todos os poderes: poder legislativo, executivo e judicial), não se
encontrando submetido a qualquer poder ou lei que não a sua.
7.
Por que razão o poder do soberano é absoluto?
Para
Hobbes, o soberano não se encontra submetido ao contrato ou pacto
estabelecido entre os vários indivíduos, porque nesse caso também
estaria limitado pelo pacto e, portanto, limitado ao nível dos
direitos como os outros indivíduos. Se todos estivessem igualmente
limitados nos seus direitos, não haveria ninguém que pudesse
governar os outros.
8.
Mas não se pode transformar este poder absoluto do soberano num
poder despótico?
Hobbes
responde que, mesmo que se transforme num poder despótico, os
súbditos não têm direito de resistência (a não ser apenas quando
o soberano obriga o próprio súbdito a matar-se – porque também
esta situação não ocorria no estado de natureza), porque o seu
poder lhe foi confiado legitimamente pelos próprios súbditos a
partir de um pacto ou contrato.
9.
O que carateriza o estado de natureza segundo Locke?
O estado de natureza corresponde à vida sem
governantes. Cada ser humano tem o poder de se autogovernar. Ao
contrário do que Hobbes pensava, o estado de natureza não é um
estado lastimável e completamente negativo, marcado pelo constante
medo dos outros, da morte e das agressões que neles teriam a sua
origem. Há restrições e deveres que os seres humanos nesse estado
são obrigados a cumprir pela sua consciência moral e em nome do seu
interesse. Esses deveres e obrigações estão ligados ao facto de
haver direitos naturais por todos reconhecidos: os direitos à vida,
à liberdade e à propriedade.
10. Por que razão vai ser
necessária a autoridade política ou Estado?
O estado de natureza não é o estado de guerra de todos
contra todos. Locke não o considera um estado calamitoso. Mas
reconhece que pode ser um estado de guerra de alguns contra alguns.
Porquê? Porque, embora a maioria dos seres humanos no estado de
natureza respeitem os direitos básicos acima referidos, alguns não
o fazem. É evidente que cada pessoa lesada ou ameaçada tem neste
estado o direito a defender-se e a punir e castigar os infratores.
Contudo, nem sempre somos suficientemente fortes para defender e
fazer respeitar esses direitos. Assim surge a necessidade do Estado
com as suas leis, os seus tribunais e as forças que impõem a sua
autoridade. Protegerá as nossas vidas, liberdades e propriedades
daqueles que não as respeitam. Vemos por que razão, para Locke, o
estado de natureza é insatisfatório: a ausência de leis, tribunais
e autoridades policiais não garante aos seres humanos uma defesa
adequada dos seus direitos, ou seja, não protege a vida, a liberdade
e a propriedade como deve ser.
11. O surgimento do Estado
implica que os indivíduos renunciem aos seus direitos naturais?
O surgimento do Estado não significa que os indivíduos
renunciem aos seus direitos naturais. Bem pelo contrário, o Estado é
instituído para, em caso de violação, defender os direitos
naturais. O contrato ou pacto social significa que os seres humanos,
naturalmente livres, iguais e independentes, renunciam, não aos seus
direitos, mas a fazerem justiça por suas próprias mãos. A justiça
privada – muitas vezes impotente – dá lugar, com o Estado, à
justiça pública – polícia, tribunais, multas e prisões.
12. A transferência de poderes
e de direitos para o Estado que surge do contrato social é
ilimitada?
Não. Como
é o consentimento dos cidadãos que dá origem à autoridade
política, a vontade do povo tem prioridade sobre aquela. O governo é
o servidor da vontade dos cidadãos, que, por acordo mútuo,
consentiram em confiar-lhe a defesa dos seus direitos e interesses.
Para Hobbes, em nome da segurança não havia aparentemente limites
ao que o Estado podia fazer. Para Locke, a autoridade do Estado é
limitada pelos direitos naturais dos indivíduos. O Estado deve
garantir a segurança dos cidadãos, mas isso não pode nunca ser
pretexto para violar os direitos naturais dos cidadãos. Os direitos
que temos no estado de natureza continuam a existir no estado de
sociedade. O Estado não deve tirar-nos a vida, a liberdade e a
propriedade. Se alguma lei ou decreto do governo desrespeita direitos
fundamentais, então justifica-se a desobediência ou a resistência
dos cidadãos.
COMPARAÇÃO
ENTRE HOBBES E LOCKE
|
||
QUESTÕES
|
HOBBES
|
LOCKE
|
O Estado é uma
instituição natural?
|
Não. Apesar de se poder reconhecer nos seres
humanos a aptidão para viverem em sociedade, o Estado é uma
construção humana, algo que impomos à nossa natureza.
|
Não. Apesar de se
poder reconhecer nos seres humanos a aptidão para viverem em
sociedade, o Estado é uma construção humana, algo que impomos à
nossa natureza.
|
O que é o estado de
natureza?
|
É uma condição da vida humana marcada pela
possibilidade que cada um tem de fazer justiça por suas mãos.
|
É uma condição da vida humana marcada pela
possibilidade que cada um tem de fazer justiça por suas mãos.
|
O estado de natureza é
uma condição satisfatória? Porquê?
|
Não, porque é a guerra de todos contra
todos. É um estado calamitoso, anárquico, em que, ameaçada pela
possibilidade que cada um tem de fazer justiça por suas mãos, a
vida humana é curta e incerta. O profundo egoísmo da natureza
humana é a raiz de todos os males e tem de ser controlado.
|
Não, porque tende a ser a guerra de alguns
contra alguns. No estado de natureza não há leis escritas nem
órgãos – tribunais, forças da ordem – que controlem e
resolvam os conflitos entre os seres humanos. Há direitos
individuais, mas cada qual interpreta-os e defende-os à sua
maneira. Assim, a justiça privada – cada qual fazer justiça
por suas mãos ou fazer o que bem entende – conduz à
insegurança e à injustiça.
|
O Estado é um bem ou um
mal?
|
O Estado é um bem necessário porque garante,
em princípio, a segurança e protege a vida dos cidadãos.
|
O Estado é um bem necessário porque garante,
em princípio, a proteção da vida, da liberdade e da
propriedade.
|
Como se dá a passagem
do estado de natureza à sociedade política?
|
Os indivíduos transferem para o poder
político todos os seus direitos de forma ilimitada e renunciam à
liberdade em nome da segurança e proteção das suas vidas e dos
seus bens. Isto porque nenhum mal é comparável a viver no estado
de natureza.
|
Os indivíduos não abdicam de nenhum dos seus
direitos naturais, mas transferem para o Estado e seus órgãos o
poder de legislar, de executar as leis e de julgar. Em vez de cada
indivíduo defender perante os outros os seus direitos naturais,
delega no Estado esse poder, atribuindo-lhe a responsabilidade de
os proteger.
|
A autoridade do Estado tem limites? |
Em princípio não.
Os cidadãos renunciam ao seu direito, a todas as coisas, à sua
liberdade natural, e deixam de poder contestar as decisões de
quem governa, desde que o poder absoluto assim criado garanta a
paz e a segurança. Este é o único dever estrito do Estado:
manter a ordem e proteger as vidas que possam ser ameaçadas por
forças internas ou externas. A segurança e a ordem são os
valores mais importantes.
Como Hobbes pensa
que a função do Estado se deve concentrar na defesa da nação e
na segurança interna, a sua conceção de Estado deixa aos
cidadãos uma relativa liberdade na esfera económica, havendo
assim direito à propriedade e à iniciativa privada.
O contrato social garante ao governante poder
absoluto para fazer o que bem entender com vista a assegurar a paz
e a ordem sociais. Só a sua incapacidade em manter a segurança e
eliminar os conflitos justifica que seja contestado e deposto.
|
Sim. O contrato
social não garante ao governante poder absoluto para fazer o que
bem entender em nome da paz e da segurança. Há, para Locke,
valores mais importantes do que a segurança e a ordem. O direito
à liberdade é um deles. Os cidadãos não renunciam aos direitos
individuais naturais como a liberdade. Só renunciam ao direito de
aplicarem por si mesmos o direito natural de punirem quem
desrespeita e viola esses direitos básicos.
Os titulares da soberania continuam a ser os
cidadãos – o povo. Este delega o exercício do poder nos
governantes, mas, se estes não governarem bem, se não
respeitarem e garantirem os direitos básicos dos indivíduos,
serão depostos das suas funções.
|
2. O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL
1.
Qual é o objetivo da teoria da justiça de Rawls?
O
objetivo da teoria política de Rawls é o de conciliar, na medida do
possível, igualdade e liberdade.
Porquê
ambas? Porque, se apenas houver liberdade, põe-se em causa a
igualdade (uns indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros
e os que possuem mais possuirão sempre mais – a riqueza gera mais
riqueza). Se apenas houver igualdade, põe-se em causa a liberdade
(limita-se a liberdade de os indivíduos possuírem mais bens do que
a quantidade de bens que possuem).
2.
O que é uma sociedade justa?
É
uma sociedade em que:
- As pessoas são igualmente livres;
- Não há desigualdades excessivas na distribuição de bens e de riqueza; e
- A posição que cada qual ocupa no que respeita a bens e cargos mais desejados deriva do seu mérito e empenho.
3.
A posição que uma pessoa ocupa na sociedade – se é rico, se é
pobre, por exemplo ‒ deve depender das suas escolhas e do seu
empenho e do seu mérito. Mas não há obstáculos que podem impedir
a realização deste ideal?
Há,
sem dúvida. Quando começamos a nossa vida, nem todos estamos em
iguais condições. Uns nascem em meios socioeconómicos mais
favoráveis do que outros. Isto significa que se a nossa vida social
fosse uma corrida uns partiriam mais à frente do que outros. As
circunstâncias sociais e económicas em que nasci e que
eventualmente me favorecem não são mérito meu. São obra do acaso.
Mas prejudicam uns e beneficiam outros.
4.
O que defende Rawls para evitar que as circunstâncias sociais
impeçam que o esforço e o mérito tenham a última palavra? Como
combater as desigualdades devidas a fatores ambientais como a posição
social que detemos em virtude do nascimento?
Defende
o princípio da igualdade de oportunidades.
O acesso às profissões
mais valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que,
devido a uma condição
económica
desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser
engenheiro, arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais
reconhecidas.
Mediante ajustes
institucionais como bolsas de estudo, o Estado deve garantir uma
relativa igualdade na «corrida» às posições sociais mais
favoráveis.
Assim,
procura neutralizar fatores que impedem que só o mérito, o empenho
e a responsabilidade pessoal sejam decisivos para que alguém atinja
os seus objetivos no plano social.
5.
Esclareça em que consiste o princípio da igualdade de
oportunidades.
O
«princípio da igualdade de oportunidades» significa que cada um
deve ter as mesmas oportunidades de acesso às várias funções e
posições sociais. De
que igualdade se trata? De uma igualdade semelhante à que acontece
nas corridas de atletismo. Numa corrida de 400 metros planos, as
posições de saída dos atletas são diferentes. Esta medida tem
como objetivo compensar as desigualdades geradas pela forma da pista,
tornando possível a igualdade de condições de saída. Imaginemos a
seleção para postos de trabalho numa empresa. É justo que as
posições mais vantajosas e os restantes lugares sejam dados aos
mais qualificados. Contudo, a igualdade de oportunidades é mais do
que isso. Exige que todos os concorrentes aos lugares tenham tido a
possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em
qualquer outra instituição e não sejam discriminados pelas
circunstâncias sociais (não sejam prejudicados por fatores como o
género, origem cultural ou étnica ou as condições
socioeconómicas.
6.
Mas será que a igualdade de oportunidades é suficiente para que se
construa uma sociedade justa?
Supondo que
há efetiva igualdade de oportunidades, será que isso resolve o
problema da justiça social?
Rawls
pensa que não. Porquê?
Porque só é justo o resultado que decorre das escolhas pelas quais
somos responsáveis. Se estudamos pouco ou trabalhamos com pouco
empenho, não temos legitimidade para argumentar que não é justa a
posição social em que nos encontramos, dada a igualdade de
oportunidades que tivemos. Não aproveitámos as oportunidades. Mas
há outro fator que pode desequilibrar. Qual? Os dons da natureza. O
que há de insuficiente na ideia de justiça social como igualdade de
oportunidades é que se esquece de que o sucesso também depende do
talento natural ou dos dons da natureza.
As diferenças
socioeconómicas devem derivar do exercício da liberdade individual
em condições de igualdade. Ora, o talento natural é um dom que não
decorre da liberdade de escolha. Não somos responsáveis pelos
nossos talentos naturais – grau de inteligência, aptidões
musicais, físicas ‒ nem por limitações físicas e intelectuais
herdadas. Sendo assim, na corrida pelas melhores posições sociais,
o talento natural é um elemento perturbador na chegada à «meta».
7.
O sucesso social de alguém favorecido pela natureza – elevado QI,
força, destreza – não é merecido no sentido em que estes dons
não são adquiridos, mas oferecidos pela natureza. Os talentos
naturais não foram escolha sua. Foram dons da natureza. A este
respeito, o insucesso dos desfavorecidos pela natureza também não é
merecido. Foi obra do acaso natural e não responsabilidade sua. O
que fazer para que este obstáculo impeça uma injusta desigualdade?
A
solução de Rawls é esta: os mais favorecidos têm o direito de
usufruir dos bens cuja aquisição foi favorecida pelo talento
natural, desde que compensem os menos favorecidos por desigualdades
que não têm origem no mérito, ou seja, que foram condicionadas por
fatores que não são da sua responsabilidade. Por outras palavras,
posso, em virtude de dons que ninguém me pode subtrair, ganhar mais
do que os outros, ter melhor emprego e melhor estatuto social desde
que isso reverta a favor dos mais desfavorecidos.
As pessoas que, em boa parte, devido ao seu
talento natural, acederam às profissões socialmente mais
valorizadas e mais bem pagas não devem ser as únicas a beneficiar
com a sua situação. Ronaldo não deve ser o único a beneficiar do
talento e da capacidade que, em grande parte, deriva de a natureza
ter sido generosa com ele. A
solução é proceder à redistribuição da riqueza. Os mais
favorecidos pela natureza devem contribuir – impostos ‒ para a
melhoria da situação económica dos que a natureza não beneficiou.
8.
O que é o princípio da diferença?
É
o princípio que responde à pergunta: «Como combater as
desigualdades decorrentes da sorte e da fortuna genética dos
indivíduos?».
Os
princípios da liberdade igual e da igualdade de oportunidades são
insuficientes para fundar uma sociedade justa. O princípio da
diferença pretende reduzir a amplitude da diferença de rendimentos
e de bens entre indivíduos que esteja fundada na lotaria da
natureza: uns favorecidos em talentos preciosos para triunfar num
mundo competitivo e outros desfavorecidos ou pouco favorecidos nesse
aspeto. O princípio da
diferença consiste em admitir na sociedade
algumas desigualdades ou diferenças económicas e sociais, desde que
essas mesmas desigualdades possam também beneficiar os mais
desfavorecidos. Se a minha fortuna aumentar e os indivíduos com mais
dificuldades económicas receberem cada um em troca X euros com esta
minha ação, então a ação que possibilitou o aumento da minha
fortuna será justa para Rawls. Porquê? Porque também os mais
desfavorecidos beneficiaram com esta minha ação.
9.
Será que o princípio da diferença defende o igualitarismo ou a
igualdade estrita?
Não.
O princípio da diferença não defende o
igualitarismo ou a igualdade estrita. Estipula que os rendimentos e a
riqueza devem ser igualmente distribuídos, a
não ser que a desigualdade seja vantajosa
para todos os membros da sociedade. Rawls acrescenta que deve ser
vantajosa sobretudo para os menos favorecidos.
10.
Vemos que, apesar de querer conciliar liberdade e igualdade, Rawls
admite a desigualdade económica. Porquê?
A desigualdade económica
será vantajosa pelas seguintes razões:
1. As pessoas mais
talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se
houver uma distribuição igualitária da riqueza.
2. Menos produção de
riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar assistência
através de taxas e impostos aos menos favorecidos.
3.
As oportunidades dos que têm menos
são mais amplas num sistema de distribuição da riqueza que não é
estritamente igualitário – todos a ganharem o mesmo ou
aproximadamente – porque haverá mais recursos disponíveis para
que os desfavorecidos invistam na educação e na formação
profissional.
Assim,
a desigualdade funciona a favor da redução das desigualdades.
11.
O princípio da igual liberdade, da igualdade de oportunidades e da
diferença devem ser seguidos por uma sociedade que queira ser justa.
Será que este modelo de sociedade é, para Rawls, justo?
Sim,
Rawls pensa que este modelo económico, social e político é
condição necessária para que se possa falar de sociedade justa ou
de justiça social.
12.
Como justifica ou defende Rawls a sua tese?
Rawls
pensa que este seria o tipo de sociedade que escolheria pessoas que
não soubessem, no momento de criar uma sociedade, o seguinte:
1.
O que seriam (se
seriam homens ou mulheres, se pertenceriam a esta ou àquela etnia,
se seriam muito ou pouco inteligentes, dotados de muita força ou
fracos, com muita destreza e habilidade física ou não).
2.
Em que meio económico-social iriam nascer
(se pobres ou ricos ou pertencentes à classe média).
3.
Que profissão ou estatuto social iriam ter.
Se
as pessoas se encontrassem nesta posição original e cobertas por
este véu de ignorância acerca dos seus dotes naturais, da sua
condição económica e social futura, escolheriam os princípios de
justiça que Rawls apresentou.
Não
iriam escolher uma sociedade em que, por exemplo, um certo grupo
racial, uma certa etnia ou um dado género fossem discriminados.
Porquê? Porque, não sabendo qual vai ser a sua condição, é
razoável que queiram uma sociedade em que há liberdade igual.
Não
iriam escolher uma sociedade em que não se defende a igualdade de
oportunidades porque poderiam vir a pertencer a classes
desfavorecidas no acesso às melhores profissões.
Não
iriam escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos quer em
dotes naturais quer em meios económicos seriam a bem dizer
abandonados à sua sorte ou ficariam dependentes da compaixão ou da
boa vontade dos mais favorecidos.
Nesta
situação, optaríamos por uma sociedade que assegurasse as
liberdades básicas, nos desse a oportunidade de melhorar a nossa
condição social e impedisse um fosso gigantesco entre favorecidos e
desfavorecidos.
13.
O que é a posição original?
A
posição original é uma situação imaginária ou hipotética de
total imparcialidade – as pessoas pensam no que é justo e não
simplesmente no que é pessoalmente vantajoso – em que pessoas
racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios
de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas
devem estar «cobertas» por um «véu de ignorância».
14.
O que é o véu de ignorância?
O
«véu de ignorância» é o desconhecimento por parte de cada
indivíduo da sua condição social e económica no momento do
estabelecimento do contrato social, no momento em que dão origem a
uma determinada forma de sociedade.
15.
Qual é a vantagem do «véu da ignorância»?
Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua
situação social e económica, os indivíduos exijam uma organização
da sociedade que seja dentro dos possíveis a mais vantajosa e melhor
para todos, não inferiorizando qualquer grupo de indivíduos. Neste
sentido, vão exigir que a sociedade promova os valores básicos que
permitam a todos ter uma vida aceitável, designadamente a mesma
liberdade para todos e o mínimo de desigualdades sociais e
económicas.
16. O que entende Rawls pelo
princípio maximin?
O princípio maximin
é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa
situação de incerteza – o véu de
ignorância. É a estratégia do menor mal.
São preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma
sociedade em que o pior não será muito mau do que uma sociedade
que, por exemplo, haja muita pobreza e muita riqueza. A sociedade
preferível é aquela em que a pobreza e a riqueza sejam moderadas.
Se escolher uma sociedade em que a pobreza extrema convive com a
riqueza extrema, corro o risco de fazer parte do grupo de pessoas que
serão extremamente pobres.
OS
PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA OU DE UMA SOCIEDADE JUSTA
|
||
Princípio da igual liberdade
|
Princípio da igualdade de
oportunidades
|
Princípio da diferença
|
Todos
temos direito a conduzir as nossas vidas de acordo com a nossa
vontade. Mas a minha liberdade tem de ser compatível com a dos
outros. É injusto que umas pessoas tenham mais liberdade do que
outras. Por isso, cada pessoa deve ter um máximo
de liberdade
que seja compatível
com idêntico grau
de liberdade
de todos os outros.
O
princípio da igual liberdade para todos refere-se a liberdades
básicas como a liberdade de voto, de associação, de religião,
de expressão, e a direitos como o direito à integridade física,
à propriedade e a um tratamento legal justo.
O
princípio da liberdade igual ou do direito a iguais liberdades
básicas é o mais importante. A promoção da igualdade de
oportunidades e a redução da desigualdade económica não são
legítimas se violarem o direito à igual liberdade.
|
Muitas
pessoas tiveram a sorte de encontrar boas condições sociais e
económicas para conquistarem um lugar confortável ou de destaque
na sociedade. Outras são desfavorecidas ou pouco favorecidas por
nascerem em meios sociais e económicos que impedem o acesso a uma
razoável ou boa posição social.
O princípio
da igualdade de oportunidades pretende
garantir que apenas o mérito e o esforço pessoal, e não outros
fatores, são
decisivos
para alguém realizar as suas ambições no plano social. No
acesso às profissões mais valorizadas, todos os cidadãos
devem, à
partida, estar em igualdade de
condições.
|
É
injusto que muitos membros de uma sociedade sejam impedidos, por
fatores pelos quais não são responsáveis, de alcançar os seus
objetivos.
O
principal obstáculo é a desigualdade económica, ou seja,
condições económicas desfavoráveis.
Devemos
tentar corrigir essa desigualdade.
Como?
Os que tiveram sorte na lotaria natural e social e ascenderam a
uma boa posição social e económica devem contribuir para
benefício dos que não foram favorecidos. Qual o meio? Os
impostos que permitem indiretamente assistir e subsidiar quem
precisa de ajuda para tentar melhorar a sua condição social.
Haverá
sempre pessoas em melhor situação social do que outras, mas a
todos deve ser dada a oportunidade de melhorar a sua vida.
O princípio
da diferença defende que a distribuição da riqueza se deve
fazer de forma igualitária, exceto
se as desigualdades beneficiarem os
menos
favorecidos e lhes derem a oportunidade
de melhorar a
sua situação.
É injusta a sociedade em que as vantagens dos mais favorecidos
não são benéficas para mais ninguém.
|
17. Explicite uma das
principais críticas que se faz à teoria de Rawls.
Uma
das principais críticas a Rawls é a difícil harmonização entre
os princípios da igual liberdade e da diferença. Em primeiro lugar,
pode haver igual liberdade se não houver igual riqueza? Quem mais
bens possui não tem mais liberdade? Maior poder económico não
significa poder fazer mais coisas, sobretudo influenciar as decisões
de quem governa a seu favor? Se isto for verdade, o princípio de
diferença, admitindo as desigualdades económicas, restringe
indevidamente o princípio de igual liberdade. Em segundo lugar, se
as pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza, limitar a
quantidade de bens que uma pessoa pode adquirir ou receber restringe
a liberdade de cada indivíduo. Neste caso, uma correta aplicação
do princípio da liberdade igual negaria o princípio de diferença.
18.
O princípio da diferença tem sido um dos aspetos da teoria de Rawls
mais criticados. Exponha essa crítica.
O
princípio da diferença diz que as desigualdades de rendimento são
permitidas se beneficiarem os menos favorecidos.
Mas
será isto sempre correto? Não haverá pessoas que possuem mais bens
porque trabalham e se empenham mais e outras porque optam por
trabalhar menos e «gozar a vida»? Os críticos de Rawls pensam que,
antes de transferirmos recursos e bens para melhorar a posição dos
que têm menos rendimentos, devemos primeiro saber como chegaram a
essa posição menos favorecida.
Alguns
poderão estar nessa posição porque estão incapacitados para
trabalhar ou porque não conseguem encontrar trabalho. Mas outros
podem ter escolhido não trabalhar ou trabalhar muito pouco. Merecem
igualmente beneficiar do trabalho dos outros?
Não
será injusto que as pessoas esforçadas sejam obrigadas
indiretamente a contribuir para melhorar o nível de vida dos que,
sendo capazes, são contudo preguiçosos? Será isto correto?
A crítica de Nozick a Rawls
1.
Em termos gerais o que carateriza a teoria de Nozick sobre a justiça?
Nozick
defende um liberalismo radical que
considera absolutos direitos individuais como a liberdade e a
propriedade. Opõe-se ao conceito de justiça social de Rawls
defendendo um Estado mínimo que como um guarda-noturno proteja a
segurança dos cidadãos e as liberdades políticas, mas não
interfira na vida económica. Propõe uma distribuição da riqueza
baseada no mérito dos indivíduos – ideal que considera uma
utopia, mas que deve regular a vida social. O Estado mínimo é o
único poder político legítimo, e cada indivíduo é titular
absoluto do que ganha e adquire. A justiça social é incompatível
com a redistribuição da riqueza, seja qual for o critério, por
parte de Estado.
2. Qual é a tese central da
teoria de Nozick?
A tese central de Nozick é
a de que uma sociedade justa é a que não impõe qualquer limite
legal aos níveis de desigualdade económica nela presentes.
Cada indivíduo, segundo esta perspetiva, deve exigir do
Estado a máxima liberdade, sobretudo no que diz respeito à
possibilidade de adquirir e dispor de uma quantidade desigual de bens
sociais.
3. Como justifica Nozick a sua
tese?
Não há, segundo Nozick, uma forma padronizada de
distribuição da riqueza que determine até que ponto deve ir a
desigualdade económica entre os indivíduos, ou seja, o que cada
qual deve possuir.
4. As desigualdades sociais e
económicas não devem, segundo Nozick, ser ajustadas de modo a
favorecer também os mais carenciados. Porquê?
Por duas razões: a) distribuir os benefícios sociais
de acordo com uma regra ou fórmula geral – um padrão – exige
sempre o uso ilegítimo da força e da coerção; b) as livres
escolhas dos indivíduos perturbam frequentemente os padrões de
distribuição que as sociedades pretendem estabelecer.
Imaginemos uma sociedade em que cada qual tem o que deve
ter de modo que a desigualdade económica não seja injusta.
Suponhamos agora que um famoso basquetebolista – um dos maiores
jogadores de sempre da NBA, Willt Chamberlain – decide livremente
efetuar vários jogos de exibição recebendo por jogo 1 dólar de
cada espetador. Milhões de admiradores decidem também livremente
gastar essa quantia para o ver jogar. Resultado: no final da época o
jogador ganhou dezenas de milhões de dólares. É agora detentor de
mais bens do que aqueles que deve ter. Assim sendo, o padrão de
justiça em vigor na sociedade exige que algum do dinheiro que ganhou
seja transferido para outros indivíduos de modo que a apropriada
distribuição da riqueza seja reposta. Mas será correto este
procedimento? Os admiradores do basquetebolista sabiam que o dinheiro
seria de Willt. Não têm direito de se queixar, tanto mais porque
contribuíram para o seu enriquecimento por livre iniciativa. Por
outro lado, os bens dos que não assistiram aos jogos não foram de
modo algum afetados, e os que assistiram quase nada gastaram. A
distribuição que resultou da conjugação das referidas livres
escolhas, isto é, o facto de Willt ter ficado mais rico nada tem de
injusto.
5. Segundo Nozick, o conceito
de justiça de Ralws é imoral. Porquê?
«O que é meu é meu». Cada um de nós tem direito ao
que herdou, recebeu ou ganhou legitimamente – seja muito ou pouco
–, e esse direito de propriedade não deve ser violado pelo Estado.
Mesmo que numa sociedade haja assinaláveis desigualdades económicas,
esse facto não torna legítima a redistribuição da riqueza, isto
é, que se tire aos mais favorecidos para dar aos mais
desfavorecidos. Como o direito de propriedade é, para Nozick, um
direito absoluto, qualquer redistribuição da riqueza por parte do
Estado é uma violação de um direito fundamental. É imoral que me
forcem a partilhar com outros os bens que legitimamente adquiri.
6. Mas não é injusto haver um
grande fosso entre ricos e pobres como acontece em muitas sociedades?
O fosso entre ricos e pobres só é injusto se for
criado através de meios injustos, tais como a fraude e o roubo. Há
várias formas de sermos proprietários de bens: por heranças e
doações que recebemos, por esforço pessoal, etc. A não
redistribuição não viola nenhum direito e por isso não é
injusta. A justiça social consiste em permitir que os bens de que
sou proprietário legítimo permaneçam em meu poder, dispondo deles
conforme entendo. A justiça é a titularidade de posses legítimas.
Este direito ao que é meu é um direito moral que não pode ser
suplantado pelo objetivo utilitarista de aumentar o bem-estar geral
nem por ideais igualitários nem por outros direitos como os direitos
de subsistência. Providenciar serviços sociais e bens materiais aos
mais desfavorecidos redistribuindo a riqueza e forçando o pagamento
de impostos é violação do direito de propriedade individual.
Segundo Nozick, pode e deve apelar-se à generosidade dos mais
favorecidos, mas não é justo obrigá-los a socorrer os mais
necessitados.
7. Deste conceito de justiça
que conceito de Estado decorre?
Decorre um conceito minimalista de Estado. Uma conceção
minimalista do Estado entende que o poder político não deve
intervir na vida económica. Unicamente deve ocupar-se de assegurar
os direitos políticos dos cidadãos e da sua segurança
relativamente a ameaças internas e externas. Para assegurar estes
serviços mínimos é legítimo que o Estado cobre impostos. Assim,
forçar os indivíduos a pagar impostos para que o Estado mantenha
serviços como a defesa (exército e polícia), o governo e a
administração pública é perfeitamente legítimo e necessário.
Para além desses objetivos qualquer cobrança de impostos é uma
violação dos direitos individuais.
8. Por que razão diferem as
teorias de Rawls e de Nozick?
A razão de ser fundamental da divergência entre Rawls
e Nozick tem a ver com o modo como olham para a riqueza que existe
numa sociedade. Ao perguntar «O que é uma sociedade justa?»,
Nozick quer saber como foi adquirida a riqueza que em diversos graus
certas pessoas possuem. Ao perguntar «O que é uma sociedade
justa?», Rawls quer saber se a riqueza que existe numa sociedade
está bem distribuída. No primeiro caso, só interessa a origem da
riqueza; no segundo, interessa a sua distribuição.
Estas
diferentes formas de olhar para um aspeto da sociedade dão origem a
teorias muito diferentes. Uma das consequências tem a ver com o
problema do papel do Estado na vida económica. Rawls, preocupado com
a distribuição da riqueza, defende que o Estado deve intervir nas
relações económicas entre as pessoas em nome da igualdade, ou
seja, em nome de uma sociedade sem grandes desigualdades económicas.
Nozick defende que o Estado não deve interferir na vida económica
de uma sociedade para reduzir as desigualdades. Não
é correto que sejamos obrigados pelo Estado a contribuir para as
pessoas menos favorecidas.
COMPARAÇÃO
ENTRE RAWLS E NOZICK
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Questões
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Rawls
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Nozick
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O
que é uma sociedade justa?
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É uma sociedade que não põe em
causa as liberdades básicas iguais para todos nem a igualdade de
oportunidades. Para que isto seja possível, a desigualdade
económica terá de ser controlada para que possa reverter também
a favor dos mais carenciados.
|
É uma
sociedade que respeita de forma absoluta os direitos individuais –
direito à liberdade e à propriedade do que se recebe e adquire –
e permite que os bens de que sou proprietário legítimo
permaneçam em meu poder, dispondo deles conforme entendo. Uma
sociedade justa é a que não impõe qualquer limite legal aos
níveis de desigualdade económica nela presentes.
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Deve
o Estado ter algum papel a desempenhar na promoção e construção
de uma sociedade justa? Será que é sua função legítima
corrigir as desigualdades económicas através da redistribuição
da riqueza que a sociedade produz?
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Sim.
O Estado tem o direito e o dever de tirar a uns para dar a outros
ou, por outras palavras, de forçar alguns a contribuírem para a
melhoria do nível de vida de outros.
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Não.
O Estado não tem o direito de tirar a uns para dar a outros, de
forçar alguns a contribuírem para a melhoria do nível de vida
de outros. A redistribuição da riqueza é uma violação da
liberdade individual.
Não é correto que sejamos obrigados
pelo Estado a contribuir para ajudar as pessoas menos favorecidas.
|
Se
deve e é indispensável que tenha esse papel, como deve proceder
para realizar a justiça social?
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O Estado deve promover o princípio
da diferença e o princípio da igualdade de oportunidades. O
princípio da diferença
consiste em admitir na sociedade algumas desigualdades económicas
e sociais, desde que essas mesmas desigualdades beneficiem os mais
desfavorecidos. O princípio da igualdade
de oportunidades consiste em garantir a
todos os indivíduos as mesmas oportunidades de acesso aos vários
lugares na sociedade, independentemente de ser de raça branca ou
negra, rico ou pobre, homem ou mulher. Desde que os indivíduos
possuam as mesmas capacidades e competências, têm as mesmas
possibilidades de acesso a um emprego. Estes dois princípios
implicam que o direito à propriedade não é absoluto. Os mais
ricos devem contribuir para beneficiar todos os outros,
assegurando-lhes, no grau máximo possível, um nível de vida com
um mínimo razoável de bens básicos (princípio
maximin).
|
A justiça social é incompatível com a
redistribuição da riqueza, seja qual for o critério, por parte
de Estado. Este não deve interferir na vida económica. Deve
deixar que a distribuição da riqueza se faça de acordo com a
sorte e o mérito individual. Cada indivíduo é titular absoluto
do que ganha e adquire. O direito à propriedade é absoluto, e o
Estado não tem o direito de cobrar impostos para assistir os
desfavorecidos. Essa cobrança é uma violação desse direito.
|
UNIDADE 5
A DIMENSÃO RELIGIOSA DO AGIR
1.
Uma das provas da existência de Deus
«Suponha
que, ao atravessar uma mata, tropeço numa pedra e me perguntam
como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto
me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse
muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu
tinha encontrado um relógio
no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar.
Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado
antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia
sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que
serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão
não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no
primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando
inspecionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no
caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e
associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas
diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir
movimento, e que esse movimento está regulado de modo a assinalar
a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma
forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do
que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em
que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra
ordem qualquer, a máquina não produziria nenhum movimento ou não
produziria nenhum movimento que servisse para o que este serve.
[...] Tendo este mecanismo sido observado [...], pensamos que a
inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador;
teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou
artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora
e que compreenderam a sua construção e projetaram o seu uso.
[...] Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de
desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza,
com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau
tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos
da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em
subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda
vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num
grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não
são menos claramente artefactos, não são menos claramente
adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função
do que as produções mais perfeitas do engenho humano. [...] Em
suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante,
temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de
desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio
tem de ter um projetista. Esse projetista tem de ser uma pessoa.
Essa pessoa é DEUS.»
William Paley,
Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27
(adaptado)
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Explicitação
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Primeira premissa
– Se abrirmos um relógio e
inspecionarmos o modo como todas as peças do mecanismo trabalham
conjunta e harmoniosamente, compreenderemos que o relógio teve de
ser criado por alguém inteligente, o relojoeiro que o fabricou.
Segunda
premissa – O universo e os
organismos vivos são muito semelhantes aos relógios, isto é,
também revelam complexidade e organização e harmonia
(desígnio).
Conclusão
– Portanto, também o universo e os organismos vivos têm um
criador inteligente, que é Deus.
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Comentário
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O
argumento do desígnio, tal como o argumento cosmológico, parte
da observação de dados empíricos, de factos do mundo. No
entanto, quanto à sua estrutura há uma diferença importante em
relação ao argumento cosmológico. Este é um argumento de forma
dedutiva, ao passo que o argumento do desígnio é um argumento
analógico, não dedutivo. Por isso mesmo a verdade da sua
conclusão não é necessária, mas sim provável. O que ele prova
no caso de ser um bom argumento é a forte probabilidade de Deus
existir.
O argumento baseia-se numa analogia entre a
natureza e um relógio (compara a natureza, o universo, a um
relógio).
Um relógio é um objeto que foi concebido com um
determinado propósito ou desígnio, isto é, cumpre uma
determinada finalidade ou fim (telos,
em grego, significa «fim»; daí a designação de teleológico
dada ao argumento).
Ora,
a natureza é como um relógio. Tal como as peças do relógio
formam um mecanismo que funciona harmoniosamente (cada peça
cumpre a função que lhe está destinada no conjunto) porque não
foram colocadas ao acaso, também o mundo natural revela, pela
harmonia que reina entre as diversas partes, que não foi obra do
acaso ou da união fortuita dessas partes (não é o resultado de
causas puramente físicas). Cada coisa na natureza, analogamente
às peças do relógio, cumpre uma função. Mesmo que disso não
se possa aperceber, está harmoniosamente adaptada àquilo para
que aparentemente foi feita. Cada peça do todo que é a natureza
ocupa um lugar previamente definido dentro do conjunto.
Assim sendo, tal como não há relógio sem
relojoeiro, não há natureza ou universo sem um Criador, ser
superiormente inteligente que pôs a natureza a funcionar como se
fosse um relógio. Esse Criador, esse grande Relojoeiro, é Deus.
O argumento de Paley compara
– estabelece uma analogia – entre um relógio e as coisas e
seres vivos do universo para concluir que, se, devido a certas
caraterísticas, o primeiro tem um criador inteligente o universo
devido a caraterísticas semelhantes, também foi obra de um ser
inteligente.
Críticas
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1.
Fraca analogia –
Um relógio de pulso e um relógio de bolso são suficientemente
semelhantes para supormos que foram concebidos por um mesmo
relojoeiro. Mas os objetos naturais e os artificiais não são
significativamente semelhantes. A analogia entre o universo
natural e um relógio é demasiado fraca para que concluamos que,
tal como um relógio é obra de um ser inteligente que o destinou
a uma função, o universo é obra de um Ser Inteligente – de um
«Relojoeiro universal» – que o dotou de um propósito e de um
conjunto de funções preestabelecidas.
2.
Não
justifica a existência de um único Deus nem de um Deus
omnipotente, omnisciente e bom tal como é descrito pelas
religiões monoteístas – Mesmo
que admitíssemos que a analogia é forte, o argumento só
provaria a existência de um Ser inteligente que poderia muito bem
não ser o Deus das religiões monoteístas. Por outro lado, o
argumento poderia chegar sem qualquer incoerência lógica à
conclusão de que a complexidade e subtil ajustamento e harmonia
do funcionamento das diversas partes do universo é obra, não de
um projectista, mas sim de vários, o que poderia conduzir-nos ao
politeísmo.
3.
A complexidade
dos organismos vivos é, para Paley, superior à dos objetos
fabricados pelos seres humanos, mas isso não implica
necessariamente que tenha de ser explicada por uma causa
sobrenatural – Deus.
Para
Paley, a beleza de uma paisagem ou a formação dos órgãos dos
seres vivos (sobretudo do olho que associa harmoniosamente um
aparelho ótico e um aparelho nervoso) são exemplos dificilmente
desmentíveis de finalidade ou desígnio na natureza (de que as
coisas na natureza foram feitas para um determinado fim, isto é,
segundo um plano que atribui a cada uma a função a cumprir).
Considera extremamente improvável que a harmonia natural se deva
ao encontro acidental de causas puramente naturais. Contudo, na
sequência da teoria de Darwin, a biologia atual afirma que a
surpreendente harmonia e complexidade dos seres vivos pode ser
explicada através de causas simplesmente naturais, sem pressupor
um desígnio inteligente e sobrenatural. Essa complexidade dos
organismos é o resultado de uma longa evolução regida pela
capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio e à transmissão
das caraterísticas com maior valor adaptativo por parte dos mais
aptos e fortes na luta pela sobrevivência. A
teoria de Darwin enfraquece, de facto, a força do Argumento do
Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos sem mencionar
Deus como causa. A existência desta teoria acerca do mecanismo de
adaptação biológica impede o Argumento do Desígnio de
constituir uma demonstração conclusiva da existência de Deus.
|
2. Uma das críticas à
perspetiva religiosa: Freud e a religião como ilusão prejudicial
Para
Freud, a religião é uma ilusão que tem as suas raízes profundas
na mente humana. Uma das experiências fundamentais do ser humano é
a sensação de insegurança e a necessidade de proteção e de
amparo. A religião surge como mecanismo de defesa perante as ameaças
da natureza e a dureza das relações sociais. Deus será assim
concebido como o Protetor supremo, o ser todo-poderoso que alivia a
angústia e o medo do homem perante a realidade, que consola e
ampara. Tal como o pai está para o filho, assim Deus está para o
homem.
Para
a criança, o pai é um ser poderoso (logo, protetor) e exigente (que
o pode castigar e punir). A sensação de impotência, de fragilidade
e debilidade que leva a criança a sentir a necessidade de proteção
e amparo (satisfeita pela figura paterna) persiste ao longo da vida e
conduz o homem «a forjar» a existência de um pai imortal muito
mais poderoso (Deus). A religião corresponde, assim, a um estádio
infantil da humanidade, à constante necessidade de ter um pai na
relação com o qual se vive um sentimento ambivalente: amor e medo.
Nasce dos desejos mais intensos do ser humano, mas não passa de uma
ilusão, de uma projeção ilusória da situação do filho perante o
pai. Recorre-se a ela para acalmar a angústia, o medo perante a
imensidade desconcertante do universo e a imprevisibilidade da vida.
A religião é um remédio ilusório para as dores e a frustração
do ser humano. Qual o futuro desta ilusão? Poderá prescindir-se da
ilusão religiosa? Freud afirma que é dever do homem aceitar a sua
dura condição e enfrentar a realidade sem recorrer a consolações
celestes. Mas como suportar o peso da vida e a crueldade da
realidade?
Através
de uma educação «em vista da realidade», que não fabrique
doentes que depois precisem do narcótico religioso para entorpecer e
anestesiar a angústia e a ansiedade. Só uma educação fundada na
verdade pode encaminhar o homem para a maturidade e superar a
necessidade da religião. Esta, enquanto ilusória realização do
desejo de ser amado e protegido perante um meio hostil, não nos
ensina a enfrentar a realidade, é uma fuga para um além imaginário,
uma constante e sempre frustrada necessidade de paz e tranquilidade.
Por isso é a neurose obsessiva da humanidade.
A DIMENSÃO ESTÉTICA DO AGIR
OS
JUÍZOS ESTÉTICOS E O PROBLEMA DA SUA NATUREZA: SÃO OBJETIVOS OU
SUBJETIVOS?
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O
QUE É UM JUÍZO ESTÉTICO
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OBJETIVISMO
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SUBJETIVISMO
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Teoria
segundo a qual um objeto é belo ou feio em virtude de
propriedades ou caraterísticas que nele se encontram ou lhe
pertencem. A beleza e a fealdade dos objetos não dependem dos
sentimentos ou das reações de quem os observa.
Para os partidários do
objetivismo estético, dizer «A catedral de Milão é bela» é
muito diferente de dizer «Gosto da catedral de Milão».
|
Teoria
segundo a qual um objeto é belo ou feio em virtude de sentirmos
prazer ou desprazer ao observá-lo. A beleza ou fealdade dependem,
não das propriedades intrínsecas do objeto, mas dos sentimentos
que em nós provoca e desperta.
Para os partidários do
subjetivismo estético, dizer «A catedral de Milão é bela» é
igual a dizer «Gosto da catedral de Milão».
|
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Um ato mediante o qual formulamos
uma proposição que atribui determinada qualidade estética
(beleza, sublimidade, fealdade) a um objeto: «Este palácio é
belo» ou «O Requiem
de Mozart é uma obra-prima» e «O
Padrinho de Francis Ford Copolla é
um filme magnífico».
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O QUE SE
ENTENDE POR ARTE
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|||||||
A arte é
imitação da realidade.
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A arte é
expressão de sentimentos e emoções.
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A arte é
uma transfiguração da realidade.
|
A arte é
pura forma.
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||||
A arte — e
sobretudo a pintura — imita ou deve imitar a realidade,
constituindo-se como uma cópia ou espelho no qual os objetos são
refletidos o mais fielmente possível.
1.
O artista não representa as coisas que vê, mas o modo como vê e
também como imagina as coisas.
O quadro
aparentemente mais «realista» está condicionado na sua criação
pela experiência do artista, pelos seus sentimentos, pela forma
como avalia as relações sociais do seu meio, pelos ideais que,
porventura, queira transmitir. Um quadro de Daumier não é uma
cópia do que este viu, mas a tradução pictórica de uma
experiência ou a forma simbólica de expressar simpatia pela
condição dos desfavorecidos, de protestar contra as duras
condições de trabalho das mulheres e das crianças na sociedade
de meados do século XIX.
2.
Esta conceção baseia-se numa conceção ingénua da realidade.
A realidade não se
reduz aos objetos da nossa perceção imediata. A física
ensina-nos que os constituintes últimos da matéria (eletrões,
protões, neutrões) não são objetos dos nossos sentidos nem,
rigorosamente falando, coisas. Aquilo a que chamamos real não é
nada de evidente. Se olharmos para alguns quadros de Picasso,
podemos dizer que aquilo que mostra é tão pouco evidente como a
realidade que os físicos se esforçam por compreender.
3.
Encontramos na pintura abstrata, na música e na arte não
figurativa exemplos de obras artísticas que não imitam nada.
|
Um dos principais
representantes desta teoria é Tolstoi. Defende que só é arte o
que for a adequada expressão de um sentimento genuíno. Uma
obra é tanto melhor quanto melhor conseguir exprimir os
sentimentos do artista que a criou.
1.
Há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento.
2.
Mesmo que uma obra de arte provoque certas emoções em nós, daí
não se segue que essas emoções tenham existido no seu autor.
|
O que o artista
cria corresponde a uma transfiguração do mundo real. O universo
artístico é o real transfigurado, recriado, nunca algo de
absolutamente irreal. Podemos dizer que o artista abre à
realidade as portas da imaginação e alarga o horizonte da nossa
experiência sensível e também pensante. A arte é criação de
formas sensíveis (literárias, pictóricas, cinematográficas,
etc.) que, mesmo quando parecem não o fazer, interpretam a
realidade enriquecendo-a com novas perspetivas e modalidades de
expressão.
1.
Nem toda a obra de arte é simbólica.
2.
Há obras de arte que muito dificilmente podemos considerar uma
transfiguração da realidade dado o seu elevado grau de
abstração.
|
O principal
representante desta conceção de arte é Clive Bell. Uma obra é
artística se, e só se, provocar em nós emoções estéticas.
Estas derivam das próprias obras, da sua forma significante
(harmonia, equilíbrio da composição dos elementos).
Para os partidários
da conceção de arte como pura forma, o especificamente artístico
é a forma. A arte deve ser esvaziada de qualquer conteúdo. A
arte não deve ter qualquer preocupação temática ou em
transmitir uma mensagem. A arte abstrata é o expoente máximo
desta perspetiva. Nela manifesta-se de modo superior a autonomia
da arte a respeito de qualquer intenção ou exigência de
representar a realidade.
1.
Há pessoas que não sentem
qualquer tipo de emoção perante certas obras que são
consideradas arte.
2.
O critério da forma significante é demasiado vago e impreciso
para se aplicar às diversas artes.
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