terça-feira, 14 de abril de 2015

PROBLEMAS DE ÉTICA AMBIENTAL: A PROTEÇÃO DA NATUREZA

PROBLEMAS DE ÉTICA AMBIENTAL: A PROTEÇÃO DA NATUREZA




«Não herdamos a Terra dos nossos pais. Pedimo-la emprestada aos nossos filhos.»
Provérbio índio americano.

O termo ambientalismo surgiu na década de 70 do século passado. Com a crise petrolífera, a dependência energética tornou-se um problema, e a reflexão sobre o grau de consumo das reservas energéticas do planeta veio para primeiro plano. O consumo energético dos países ocidentais desde a Segunda Guerra Mundial tinha atingido proporções desmesuradas. Começou também a notar-se que havia menos abelhas e menos pássaros. Os solos estavam a ser estragados pelos pesticidas que pretendiam preservar os campos de milho e de trigo, as vinhas e os pomares, as árvores e as flores. Os ovos dos pássaros desenvolviam-se com mais dificuldade do que antes porque, devido aos pesticidas, as cascas tornaram-se mais finas e porosas. Os sapos estavam a desaparecer das zonas húmidas, e estas eram cada vez menos devido às drenagens que as destinavam ao cultivo. Soou o alarme. Durante uma década, o consumo diminuiu e procuraram-se alternativas energéticas menos poluentes, as pessoas passaram a usar menos os elevadores, a desligar as luzes das casas quando saíam, a reciclar latas e papel, a usar mais os transportes públicos do que os seus carros. São recomendações que hoje ouvimos com um tom mais grave: ajudar-nos-ão a salvar o planeta. Os pássaros e as abelhas regressaram em maior número. Mas o petróleo tornou-se de novo barato. A escalada consumista regressou, e a consciência ecológica como que atrofiou. Nas décadas seguintes, os climatologistas avisaram que, se assim se continuasse, o efeito de estufa e o aquecimento global aumentariam devido às crescentes emissões de dióxido de carbono – CO2 ‒ associadas ao desenfreado consumo energético. Durante algum tempo, pareceu uma teoria alarmista até relatórios que indicavam que os glaciares estavam a derreter e a perder tamanho fizeram regressar as preocupações.
Reciclar para voltar a usar voltou – agora com mais intensidade – a ser a palavra de ordem. Pense na quantidade de ilhas ecológicas que vê em muitas cidades do seu país, no facto de nos restaurantes somente se servir água a pedido, de as toalhas dos hotéis não serem mudadas todos os dias para poupar água usada na sua lavagem e mesmo na água verde que algumas comunidades usam mediante a sua reciclagem. Protocolos como os de Quioto – com mais de 160 países como membros – estabeleceram como meta a redução das emissões de dióxido de carbono responsáveis pelo aquecimento global e pelo efeito de estufa. Uma verdade inconveniente? Al Gore, antigo vice-presidente dos EUA, defendeu que catástrofes terríveis nos esperam se não mudarmos os nossos hábitos consumistas: os desertos crescerão, as tempestades serão mais violentas e destruidoras, o mar invadirá a terra e reduzirá o espaço habitacional, etc. Esta tese tornou-se quase universalmente consensual.
A preocupação com o futuro do planeta está assim na ordem do dia e o cuidado com o planeta também. Não é de admirar que a ética ambiental se tornasse uma disciplina filosófica importante.
Separa o lixo biológico do lixo reciclável? Pretende comprar um carro que não seja movido a gasóleo ou gasolina? A sua alimentação baseia-se em produtos de agricultura biológica? Bebe chá em vez de café? Usa dentífricos e desodorizantes naturais? É por estas e por outras razões muito provavelmente um ambientalista. A proteção do ambiente, da natureza, é para si uma preocupação. Mas por que razão age assim? O que torna a natureza valiosa para si? Como entende esse valor?
A ética ambiental é a disciplina filosófica que, pertencendo ao campo da ética aplicada, reflete sobre os problemas que envolvem a proteção da natureza, tendo como objetivo encontrar justificações ou razões morais a favor da proteção ambiental.
Há várias correntes ou perspetivas sobre este assunto. Antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo são as mais referidas. É importante dizer desde já que todas têm uma preocupação comum, apesar das suas diferentes motivações: proteger a natureza evitando que a vida no planeta se torne inviável ou difícil de suportar. Antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo apresentam argumentos ou justificações éticas a favor da proteção ambiental. Assumindo perspetivas diferentes, convergem de forma geral num mesmo objetivo, reconhecendo como consensual que todos devemos proteger a natureza.
Para compreender o debate em torno da proteção do ambiente e do tipo de valor que lhe devemos reconhecer, importa começar por uma distinção importante: a distinção entre valor intrínseco e valor extrínseco.

                                              1. Conceitos básicos
1. 1. Valor intrínseco
Uma coisa tem valor intrínseco quando tem valor por si própria e não simplesmente por ser um meio que serve um dado propósito ou finalidade. Assim sendo, não é um simples objeto ou instrumento que podemos usar de acordo com os nossos interesses e desejos. Valor intrínseco é sinónimo de valor inerente. Vale como fim em si mesmo, independentemente de poder servir para certos fins ou objetivos. O valor intrínseco de uma coisa significa que ela é boa em si mesma e determina que a seu respeito temos obrigações ou deveres morais. Assim, se reconhecermos valor intrínseco ou inerente à natureza, devemos agir de modo a protegê-la e evitar a sua degradação não porque isso é necessário à nossa sobrevivência, mas porque a natureza tem valor próprio e importância em si.

1. 2. Valor instrumental
Uma coisa tem valor instrumental ou extrínseco quando vale simplesmente por ser um meio que serve um dado propósito ou finalidade que consideramos útil ou valioso. Assim, uma caneta ou um relógio valem, não por si próprias, mas como objetos de uso ou de coleção. A uma certa planta podemos atribuir valor instrumental porque dela retiramos ingredientes para a fabricação de um remédio. Estas coisas devem ser preservadas e cuidadas porque é do nosso interesse, pelo que podemos obter a partir delas, e não porque tenham valor inerente ou sejam boas em si mesmas. O valor instrumental de uma coisa significa que ela não é boa em si mesma e determina que a seu respeito não temos obrigações ou deveres morais diretos, mas quando muito indiretos. Assim, se não reconhecermos valor intrínseco ou inerente à natureza, o dever de agir de modo a protegê-la e evitar a sua degradação é indireto: é necessário para a nossa sobrevivência e bem-estar.
Prestados estes esclarecimentos, passemos à exposição das correntes filosóficas que no campo da ética ambiental debatem a relação entre homem e natureza, o estatuto desta e a razão fundamental porque a devemos proteger. Sabemos que devemos preservar a natureza, protegê-la. Mas por que razão se deve protegê-la? Parece indiscutível que devemos proteger o ambiente. O que se debate em ética ambiental é até onde devemos ir nesta salutar preocupação.

2. Respostas ao problema
2. 1. A resposta do antopocentrismo
A ética antropocêntrica defende que só os seres humanos têm valor intrínseco ou inerente e que por isso as obrigações morais a respeito da natureza dependem dos nossos interesses. Não temos obrigações morais diretas a respeito da natureza. Só a espécie humana é, nesta perspetiva, objeto direto de consideração moral.

O termo antropocentrismo tem má fama porque a ideia de ser humano como centro do mundo esteve durante muito tempo associada à ideia de que a natureza existia para ser dominada e usada pelos humanos. O uso da natureza para servir os nossos interesses conduziu a abusos, a uma exploração desenfreada dos recursos naturais que agora ameaça virar-se tragicamente contra os seres humanos. Por isso, o antropocentrismo de que aqui falamos é um antropocentrismo esclarecido e iluminado (e nalgumas versões bastante mitigado ou fraco) pela consciência de que o nosso destino é inseparável do da natureza e de que, em nosso interesse, a devemos preservar e conservar. Trata-se de assegurar a sustentabilidade da vida humana no planeta e a qualidade de vida. Assim, se for melhor para os nossos interesses impedir a construção de uma barragem ou a destruição total de uma floresta, é nosso dever fazê-lo.

«De acordo com o tipo de interesses humanos podemos ter éticas de conservação e éticas de preservação da natureza. As primeiras estão interessadas em conservar os recursos naturais, porque eles são limitados e as gerações futuras também têm direito a esses recursos. A natureza deve ser protegida para satisfazer as necessidades materiais do ser humano. As segundas querem preservar a natureza para o crescimento humano e espiritual.
Éticas conservacionistas

As éticas de conservação podem assumir o modelo do «bote salva-vidas» de G. Hardin. Dada a crise ambiental, comparam a Terra a um mar tempestuoso com botes salva-vidas. Os países ricos são botes com poucas pessoas e os países pobres, botes sobrecarregados que querem embarcar nos botes ricos. Aqueles não têm condições de acolher a sobrecarga, porque o bote se afundaria e todos pereceriam. Por isso é necessário tomar medidas coercitivas que limitem o consumo nas nações ricas e o crescimento populacional excessivo nas nações pobres. Trata-se de medidas drásticas que a todos atingem. É uma proposta que tenta pensar a humanidade como um todo, visando a sobrevivência da espécie humana. Não toma em consideração moral direta a preservação do ecossistema da terra. Procura a sobrevivência da civilização e a preservação da biosfera natural é um meio para esse fim.
Outro modelo é o da “nave espacial”de K. Boulding. Considera a Terra como um sistema fechado, finito e autorreprodutor. A Terra é uma nave espacial, onde natureza e seres humanos estão intimamente relacionados. Um incidente na nave põe-nos a todos em perigo. Não se pode sacrificar a estabilidade e integridade do nosso meio de transporte, a nave Terra, em nome da satisfação de interesses privados. Por isso é necessário criar as condições para chegar a consensos que ajustem as preferências dos indivíduos aos interesses do ecossistema Terra.


Éticas preservacionistas
As éticas de preservação apontam para valores não materiais da natureza.
Um primeiro modelo vê a importância da proteção da natureza em vista da formação e consolidação da identidade civil e cultural de um grupo nacional. Essa identidade não depende apenas de iniciativas económicas e políticas, mas de símbolos que se escolhem e abraçam. Símbolos podem ser tradições culturais, jurídicas e políticas, mas também elementos da natureza. Uma nação pode identificar-se por uma montanha, um rio, uma floresta, uma árvore, um animal, etc. O tipo de configuração natural e geográfica de um país faz parte do sistema de orientação simbólica de um povo. Por isso é importante preservar a natureza e criar atitudes de defesa e apreço em relação a ela.
Outro modelo parte da importância do conhecimento da natureza para a formação do caráter moral dos seres humanos. Conhecer a natureza não é apenas um facto puramente intelectual, mas leva a uma redefinição de si mesmo e da relação com o mundo. Trata-se do valor transformativo da natureza e não tanto de seu valor intrínseco. Por valor transformativo entende-se a capacidade do conhecimento da natureza de corrigir preferências irrefletidas e imediatas opondo-lhes decisões esclarecidas. A ecologia como ciência é um exemplo dessa capacidade de chegar a decisões adequadas ao meio ambiente, porque vê o ser humano como parte de uma comunidade biótica e dependendo dela para a sua sobrevivência. Ensina a conhecer os níveis de interdependência dos diferentes elementos de um ecossistema, preservando o equilíbrio e prevendo as consequências de uma intervenção humana. Assim, o conhecimento ecológico ajuda a esclarecer preferências e a fundamentar decisões éticas.
Um terceiro modelo privilegia a fruição das belezas naturais, sublinhando a conexão entre a preservação do belo natural e o aperfeiçoamento do caráter moral.»



2. 1. 1. O antropocentrismo mitigado de Hans Jonas: a ideia de responsabilidade ecológica e de direitos das gerações futuras
)
A natureza deve ser protegida porque devemos reconhecer que o direito a um planeta habitável é um direito das gerações futuras (dos que ainda não nasceram). Esta posição foi defendida originalmente, mas de forma ambígua, pelo filósofo alemão Hans Jonas, na obra O Princípio da Responsabilidade, publicada em 1979.
Na obra O Princípio de Responsabilidade, Hans Jonas dá a entender que a ação das gerações humanas atuais deve ter um sentido fundamental: assegurar a possibilidade de uma existência digna às gerações futuras mediante a salvaguarda da qualidade de vida. A responsabilidade a respeito das gerações futuras exige que lhes leguemos um planeta habitável e que não alteremos as condições biológicas da humanidade. Nós somos o resultado de um trabalho da natureza que durou milhares de anos. A nossa continuidade e a preservação e cuidado da natureza são uma obrigação em relação àquilo que Jonas considera ser a nossa matriz.
Qual é o nosso dever no momento atual para que essa finalidade se cumpra? Antecipar as consequências eventualmente nefastas do nosso poder científico-tecnológico e impor limites à sua dinâmica suicida.
A moral que Jonas propõe rompe com uma tradição que separava a experiência moral da ciência. Segundo Jonas, temos obrigação de conhecer as consequências dos nossos atos. E de que atos se trata? De atos não somente individuais, mas sobretudo coletivos. O filósofo alemão dirige-se sobretudo aos políticos e aos tecnocratas. Nas suas decisões, eles devem tornar possível que uma vida humana digna de ser vivida continue sobre a Terra. Três exigências fundamentais são colocadas a quem age e decide:
1. Formar uma ideia dos efeitos longínquos da atividade tecnológica.
2. Mobilizar as populações para o sentimento do perigo – A vida humana com um mínimo de qualidade está a médio prazo ameaçada.
3. Os políticos e os homens de ética devem insistir nas suas posições públicas nos efeitos negativos futuros do nosso comportamento atualmente irresponsável em vez de adotarem um otimismo pateta ou suicida. O diagnóstico negativo deve prevalecer sobre o diagnóstico positivo.
Para Hans Jonas, a ciência e a técnica têm sido postas exclusivamente ao serviço de um aumento ilimitado do poder sobre a natureza para implementar o desenvolvimento industrial e a voracidade da sociedade de consumo. Ora, a ciência e a técnica são indispensáveis para, tornando-se sistemas produtivos respeitadores das exigências ecológicas, lutar pela preservação do planeta e da espécie humana.
Jonas fala de responsabilidade num sentido muito especial e inovador. Ao contrário das morais tradicionais, dá ao conceito de responsabilidade um lugar central na sua reflexão. Em segundo lugar, entende a responsabilidade em relação à natureza – e às gerações vindouras que a devem vir a habitar ‒ segundo um modelo paternalista. Devemos cuidar da natureza como é dever dos pais cuidarem dos seus rebentos, assegurando o desenvolvimento de algo frágil e que depende de nós e do nosso bom senso. A ideia de Jonas é a de que a natureza está nas nossas mãos para o bem ou para o mal. Por isso, três coisas importantes devem ser ditas:
1. A ideia de responsabilidade ecológica não corresponde a um contrato entre iguais (a natureza depende de nós – podemos destruí-la ou preservá-la).
2. A responsabilidade não é acerca de estes ou aqueles indivíduos, mas da ideia de ser humano na natureza, isto é, somos responsáveis pela possibilidade real de continuidade da espécie humana como membro do mundo natural.
3. Trata-se de uma responsabilidade coletiva que vale para as gerações atuais, mas também para as futuras embora pareça mais premente agora. Não se trata somente de agora assegurarmos a possibilidade de haver seres humanos no futuro. Esses homens futuros também terão por sua vez de assumir a responsabilidade de deixar aos vindouros uma terra habitável.
A responsabilidade acerca das gerações futuras é indissociável de uma responsabilidade global a respeito da biosfera. Aquilo por que, em última análise, somos responsáveis é menos o homem do que a natureza, menos a humanidade futura do que a humanidade na natureza futura. A responsabilidade a propósito da humanidade futura não se inspira numa declaração dos direitos do homem, mas aparece como obrigação que deriva de «um direito ético autónomo da natureza».
Aparentemente, não se trata, quando Jonas fala de «direitos da natureza», de fazer valer esses direitos contra a humanidade. Do que se trata é de impor a ideia de deveres do homem para com a natureza. E se nós devemos à «totalidade das produções da natureza uma fidelidade» é «porque ela nos produziu a nós». A fidelidade que devemos ao nosso ser é «o ponto culminante», a expressão máxima da fidelidade que devemos à própria natureza. Não há, portanto, negação do primado e da superioridade do homem.
Tal como a dependência e a fragilidade da vida de uma criança são fonte de obrigações para os seus pais e suscitam neles um sentimento de responsabilidade, a dependência e a fragilidade da natureza exigem que o ser humano adote em relação a ela uma atitude de solicitude e de responsabilidade.

ATIVIDADE 1
I
1. O que é a ética ambiental?
R.: É um ramo da ética aplicada que procura definir em que termos devemos considerar a natureza e a sua proteção. Discute essencialmente a abrangência do conceito de «consideração moral» ‒ se se aplica só aos seres humanos – e o estatuto do ser humano no seio do mundo natural (se é o protagonista que ocupa uma posição central ou se é mais uma forma de vida entre outras, caso em que o primado caberia à vida e não a uma forma de vida).
2. O que é uma ética ambiental antropocentrista?
R.: É uma ética que defende que só o ser humano é dotado de valor intrínseco e que por isso são sobretudo os seus interesses que devem ser tidos em conta ou são dignos de consideração moral direta. O cuidado com a natureza não se deve ao valor intrínseco desta, mas ao interesse humano em preservar um ambiente em que a sua vida seja viável e com a melhor qualidade possível.
3. A ética antropocêntrica nega que tenhamos obrigações morais para com a natureza?
R.: Não. Mas essas obrigações não têm diretamente outro fundamento que não os interesses humanos. Estes são a justificação última de qualquer dever que tenhamos para com a natureza. Se devemos preservar um dado ambiente, a razão está em que isso é antes de mais importante para nós.
4. A ética de tipo antropocêntrico é incapaz de produzir argumentos fortes a favor da preservação da natureza?
R.: Não. Alguns argumentos são bastante fortes porque, dado o grau de degradação da natureza, há o risco relativamente provável de a vida humana na Terra se tornar extremamente desagradável e perigosa. Assim, defende-se uma redução do consumo e, consequentemente, da exploração dos recursos naturais. Para evitar este consumo que pode ameaçar a nossa sobrevivência no planeta, advoga-se também um controlo do crescimento populacional. Centrada no ser humano, a ética antropocêntrica, em algumas das suas versões, defende a adesão à ideia de ser humano como ser radicalmente natural e que não pode compreender-se como desligado desta. Logo, preservá-la é, em certa medida, preservar-se.

II
As gerações futuras têm direitos?

Leia o texto seguinte.
«A Natureza como responsabilidade do Homem é certamente uma novidade sobre a qual a teoria ética deve meditar. Que tipo de obrigação é decente ter para com ela? Trata-se simplesmente de prudência a aconselhar-nos que não matemos a galinha dos ovos de oiro ou que não serremos o ramo sobre a qual estamos sentados? Mas este “nós”, que lá está sentado e se arrisca a cair do abismo, quem é? E qual o meu interesse em que se mantenha lá ou caia?
Na medida em que é o destino do Homem na sua dependência relativamente ao estado da Natureza que constitui a última palavra de um interesse moral pela preservação da Natureza, a orientação antropocêntrica de toda a ética clássica continua a existir […]. Mas a nova forma de atuar do Homem não poderia significar que não é somente o ‘interesse’ do Homem que é preciso ter em conta, que o nosso dever se prolonga para lá disso e que o confinamento antropocêntrico de todas as éticas anteriores já não é válido? Pelo menos, não é absurdo perguntar se o estado da natureza não humana, a biosfera como totalidade e com as suas partes, doravante submetida ao nosso poder, está confiada à nossa guarda e nos faz um apelo ético, não somente por causa do nosso interesse futuro, mas por si e de direito próprio. Se assim fosse, isso exigiria uma remodelação profunda da nossa conceção dos fundamentos da ética.
Porque significaria que se tem de procurar, não somente o bem do homem, como o bem das coisas extra-humanas, e de se ampliar o reconhecimento de “fins em si” para além da esfera humana, incluindo a preocupação com esta noção do bem do homem […]. A perspetiva científica dominante acerca da Natureza recusa-nos em absoluto o direito teórico de considerar a Natureza como uma coisa digna de respeito, tendo-a reduzido à indiferença do acaso e da necessidade e tendo-a desagregado de qualquer finalidade que seja valorizada.
Mesmo que a obrigação a respeito do homem continue ainda a ter um valor absoluto, ela não deixa agora de incluir a natureza como condição da sua própria sobrevivência e como um dos elementos da sua integralidade existencial. Agora vamos mais longe e dizemos que a solidariedade de destino entre o homem e a natureza, solidariedade redescoberta através do perigo, nos faz igualmente redescobrir a dignidade autónoma da natureza e nos exige o respeito pela sua integridade, ultrapassando a perspetiva meramente utilitária.
Um imperativo apropriado à nova maneira de agir humana e do sujeito desse agir poderia enunciar-se assim: “Age de tal forma que as consequências da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na Terra”; se fosse dito na negativa, teríamos: “Age de tal maneira que as consequências da tua ação não sejam destruidoras para a possibilidade futura de uma tal vida”; ou ainda, simplesmente: “Não ponhas em perigo as condições de uma perpetuação indefinida da humanidade na Terra”; ou de novo expresso na positiva; “Inclui nas tuas escolhas atuais a integridade futura da humanidade como objeto da tua vontade”.»

H. Jonas, citado por Gilbert Hottois, O Paradigma Bioético, Lisboa, Edições Salamandra, pp. 123-126 (adaptado).

1. O que há de inédito na ética proposta por Jonas?
R.: A novidade consiste na ideia de responsabilidade a respeito das gerações futuras. Mas a inovação não fica por aqui. A responsabilidade a respeito das gerações futuras inclui (ou é parte de) uma responsabilidade a respeito da natureza. Somos responsáveis pela garantia no futuro de presença humana na natureza, e esta é, por isso, parte indissociável dessa responsabilidade.
Trata-se de uma «ética em tempos perigosos» porque, dada a ameaça da tecnociência, a presença humana no planeta deixou de ser um dado inquestionável. Aparentemente, é o ser humano que está no centro das preocupações

2. Considera indiscutível falar de direitos das gerações futuras? O que ainda não existe pode ser sujeito de direitos? Podemos ser responsabilizados pelo mal que não impedimos ou que não tentamos impedir?
R.: É de certo modo estranho falar de direitos de pessoas que ainda não existem. Não seremos simplesmente responsáveis pelas gerações nascentes? Não será a necessidade de assegurar a vida destas gerações suficiente para nos dissuadir de continuarmos a explorar e maltratar a natureza?
Somos responsáveis pelo que fazemos perante quem? Perante, ao que parece, os nossos contemporâneos. A responsabilidade supõe que existam outras pessoas, possuidoras de direitos (que são dignas de proteção – as crianças e os deficientes – ou que podem defender os seus direitos). Assumimos compromissos, fazemos promessas, mas perante quem respondemos pelos nossos atos e omissões? Perante os nossos contemporâneos, as gerações de pessoas atuais. As gerações futuras são virtuais. Terão representantes contemporâneos dos seus «direitos»?
Há dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade «natural» e a responsabilidade contratual. A primeira é, por assim dizer, uma instituição natural e não um contrato, sendo exemplificada pelo dever de os pais protegerem a vida dos filhos que geraram. A segunda é instituída por um contrato, por um acordo que define e estabelece para cada parte os respetivos direitos e deveres. Será que se pode aplicar às gerações futuras qualquer destes tipos de responsabilidade? Estamos obrigados a protegê-las. Está fora de causa a responsabilidade contratual porque é impossível fixar os deveres das gerações futuras (a eventual responsabilidade pelas gerações futuras seria uma responsabilidade não recíproca). E a responsabilidade natural? Perante recém-nascidos frágeis e dependentes, sentimos a obrigação de os proteger e de deles cuidar: essa obrigação é-nos igualmente imposta sem contrapartida porque há direitos das crianças. Podemos sentir o dever de ter em conta as gerações futuras, mas poderá legitimamente ser-me imposta alguma obrigação em seu nome? Não dependerão as gerações futuras simplesmente dos nossos bons sentimentos, da nossa boa vontade? A afirmação de um «direito ético autónomo da natureza» por Jonas parece ser uma saída para estes problemas. Se respeitarmos a natureza, respeitamos indiretamente o direito à vida das gerações vindouras. Tratar-se-ia de «responsabilidade ecológica» no sentido próprio da palavra: há um dever prioritário (proteger e salvaguardar a biosfera) e uma consequência que do seu cumprimento pode decorrer (a salvaguar­da das gerações humanas futuras entendidas mais como representantes de uma espécie natural do que da espécie humana).

3. A resposta do biocentrismo ou da ética da vida
A ética biocêntrica contesta a ideia de que os seres humanos são moralmente mais dignos de consideração do que as outras espécies que fazem parte da comunidade biótica da Terra. A sua origem está nos escritos de Albert Schweitzer e na tese da reverência pela vida. Schweitzer argumentava que cada coisa viva na natureza era portadora de algo de sagrado e intrinsecamente valioso, pelo que devia ser respeitada como tal.
Elaborada e desenvolvida por Paul Taylor, esta perspetiva defende que todos os seres vivos têm valor intrínseco, seja qual for a sua espécie. Valorizando a ideia de Singer e de Regan de que os organismos sencientes – capazes de experimentar sensações de dor e de prazer – têm interesses e direitos que devem ser respeitados, alarga o conceito de consideração moral e introduz a ideia de finalidade para defender que a natureza orgânica é sujeito de respeito moral. Nas palavras de Paul Taylor, todos os organismos vivos são «centros teleológicos de vida», ou seja, «procuram o seu bem-estar à sua maneira».
«Um ser vivo é concebido como um sistema unificado de atividade organizada cuja tendência constante consiste em preservar a sua existência ao proteger e promover o seu bem-estar. […] Mesmo quando consideramos organismos tão simples como os protozoários unicelulares certamente que faz perfeito sentido falar do que os beneficia ou do que os prejudica, que mudanças ambientais são para eles vantajosas e quais são desvantajosas, e que circunstâncias físicas lhes são favoráveis ou desfavoráveis.»
Paul Taylor, Respeito pela Natureza, Princeton, Princeton University Press, 1986, Trad. Célia Teixeira, pp. 45, 66.

Reconhecer valor intrínseco aos seres vivos é respeitar o facto de cada qual procurar o seu próprio bem-estar de um modo que lhe é peculiar. Taylor defende assim o valor intrínseco dos seres vivos particulares e não apenas o seu valor instrumental. Deve notar-se que Taylor não fala propriamente de direitos dos seres vivos, mas de valor. O que é relevante é o valor dos seres vivos e não propriamente os seus direitos. Assim, se reconhecemos valor intrínseco a um ser vivo, daí deriva o dever de o respeitar ou mesmo de o reverenciar. Podemos negar direitos aos seres vivos não humanos. Isso não impede, segundo Taylor, que lhes reconheçamos valor e relevância moral e que, por conseguinte, tenhamos deveres a seu respeito.
Para Taylor, enquanto seres que procuram o seu bem-estar (tenham ou não consciência disso ou sejam capazes de se dar conta do seu próprio bem), todos os seres vivos têm valor por si mesmos.
«A nossa conceção de cada organismo como um centro teleológico de vida é tanto o reconhecimento da realidade da sua existência como da sua individualidade única, que persegue o seu próprio bem à sua maneira (se conseguirmos a respeito de cada organismo), um entendimento pleno do ponto de vista definido pelo seu próprio bem. Então podemos adotar o compromisso moral de respeito por tal organismo».
Paul Taylor, Respect for Nature. A Theory of Environmental Ethics. Princeton University Press, Princeton, 1986, pp. 128-9 (adaptado).

Assim sendo, parece que, mesmo que seja útil para nós, é errado abater árvores, pescar e caçar e colher flores.
«Para finalizar a referência as ideias dos biocentristas é preciso acrescentar que elas são opostas à consideração da superioridade do ser humano. O centro da moral deve ser a própria vida, o respeito ou reverência por ela e não o ser humano, que é apenas mais um dos seres vivos. Daí se segue que a resolução de conflitos de interesses deve fazer-se em função da importância dos interesses e não da importância dos seres implicados no conflito.
De facto, o biocentrismo nega qualquer graduação no que diz respeito à importância dos seres vivos. Se os seres humanos não são os mais importantes, então também o não são os seres sencientes ou os animais considerados superiores. Quando há conflito apenas importa calcular a importância dos interesses em conflito.
Taylor apresenta cinco princípios que pretendem ser um guia para a resolução de conflitos.
O primeiro desses princípios é a autodefesa.
Se for a própria vida a estar em perigo, então é lícito eliminar ou ferir a fonte da ameaça. Por exemplo, é lícito para um ser humano tentar eliminar microrganismos patológicos que o invadem ou disparar contra um animal que o ataque.
Os outros quatro princípios (proporcionalidade, mal menor, justiça distributiva e justiça retributiva) servem para resolver conflitos menos graves. Baseiam-se na distinção entre interesses básicos e interesses não básicos.
Quando está em jogo um interesse básico e um não básico, o primeiro tem prioridade, independentemente de quem esteja envolvido. Por exemplo, não é justo matar répteis para fazer bolsas com a sua pele. Em qualquer caso, quando os interesses são compatíveis, devem realizar-se de uma forma tal que cause o menor mal possível a todas as partes (tanto humanos como não humanos) e de um modo justo (os custos e benefícios devem distribuir-se imparcialmente, sem discriminar em função da condição humana de alguma das partes em conflito). Inclusivamente, nos casos em que tenha sido cometida uma injustiça, devemos retribuir pela injustiça causada.»
Alfredo Marcos, Ética Ambiental
http://www. pedroleite. pro. br/arquivos_download/TEXTOS/%C3%89tica%20Ambiental%20%20(A. %20Marcos). doc.
Assistimos com o biocentrismo de Taylor a uma ampliação do conceito de valor ou de consideração moral. Nem só os seres humanos têm valor intrínseco e por isso merecem respeito e consideração moral. Cada organismo contém vida e um propósito, e esta vida deve ser respeitada por si. Contudo, o biocentrismo foi criticado por ser limitado – só atribui valor intrínseco aos seres vivos – e por ser individualista – não atribui importância moral aos ecossistemas e à comunidade biótica, esquecendo que entre os seres humanos e outros seres vivos e os ecossistemas de que fazem parte há relações interdependência. Para o biocentrismo, mais do que os ecossistemas, a biosfera e as comunidades ecológicas são e mesmo as espécies, são os indivíduos que as constituem que realmente merecem consideração moral. Segundo Taylor, não temos deveres diretos para com os ecossistemas, as espécies ou seres naturais não vivos. Na perspetiva dos seus críticos, ao sobrevalorizar os organismos individuais, Taylor perde de vista as relações mais globais e envolventes, ou seja, as relações de cooperação e de dependência mútua que existem em cada ecossistema e na comunidade biótica em geral. Assim, parece faltar-lhe um critério para resolver os conflitos de interesses entre as entidades individuais – abatemos estas árvores em nome do progresso ou dos nossos interesses ou não? Suprimimos um conjunto de indivíduos que consomem, por exemplo, mais recursos vegetais do que é sustentável retirando assim alimento indispensável a outras espécies ou não?

4. A resposta do ecocentrismo ou a ética da Terra
Em 1948, o cientista Aldo Leopold publicou uma obra intitulada A Sand County Almanac, na qual esclarecia os princípios fundamentais do que entendia por ética da Terra:
«A ética da Terra alarga as fronteiras da comunidade moral para incluir solos, águas, plantas e animais, comunidade a que chamarei A Terra.
Isto parece simples: não cantamos há muito tempo o nosso amor e as nossas obrigações em relação à terra dos homens livres e lar dos bravos? Sim, mas o que e quem amamos? Obviamente que não é o solo que estragamos constantemente. Também não são as águas que assumidamente não têm para nós outra função que não seja por a funcionar turbinas, a flutuar barcos e a transportar produtos. E também não amamos as plantas dado que exterminamos comunidades inteiras sem piscar um olho. E os animais também não porque já exterminámos muitas das mais numerosas e belas espécies. Uma ética da Terra não pode impedir a alteração, a manipulação e o uso destes “recursos” mas afirma o seu direito a continuarem a existir e, pelo menos nalguns locais, num estado natural.
Em suma, uma ética da Terra muda o estatuto e o papel do ser humano: de conquistador e dominador da comunidade terrestre passa a simples membro. Isso implica respeito pelos seus membros e respeito pela comunidade em si mesma.»
Para a ética da Terra, esta e todos os seus habitantes constituem uma entidade moral. A espécie humana tem valor mas é uma entre muitas espécies valiosas dessa comunidade terrestre. Nenhuma espécie tem, em princípio, mais direito a viver do que outra. Por atribuir valor intrínseco não unicamente a seres vivos individuais, mas às totalidades que constituem essa comunidade maior que é a comunidade biótica, formada pela matéria orgânica e não orgânica e por todos os seres vivos, a ética da Terra tem um caráter holístico. O que é objeto de consideração moral são essas entidades coletivas que não se reduzem à soma das partes que as constituem.
A ética da Terra de Aldo Leopold constituiu para muitos a primeira crítica consistente da ideia de que a natureza existe para servir os seres humanos, da primazia dos valores económicos sobre os valores ecológicos, do consumismo sem noção dos seus limites e um apelo à consciencialização da dimensão ecológica dos seres humanos.
A perspetiva de Leopold ficou conhecida pelo nome de ecocentrismo ou mais corretamente inspirou, entre outras, essa corrente ambientalista.
Para o ecocentrismo, os seres humanos são simplesmente partes desse complicado sistema que é a Terra. Todos os componentes desse sistema que é a Terra têm valor próprio: baseiam essa crença na ideia de interdependência de todas as coisas que compõem a Terra.
O ecocentrismo defende uma perspetiva centrada na natureza entendida como comunidade global. Os seres humanos não estão acima nem fora desse sistema global porque devemos reconhecer a nossa necessária ligação ao mundo não humano e o modo como as nossas ações afetam os ecossistemas e o funcionamento da biosfera.
Uma caraterística importante do ecocentrismo é atribuir mais importância moral ao equilíbrio e conservação das comunidades ecológicas e ecossistemas do que aos indivíduos, sejam eles organismos ou não. Daí se segue que a resolução de conflitos de interesses deve fazer-se, não em função da importância dos interesses de cada indivíduo nem do estatuto de cada indivíduo, mas da importância do seu contributo para a preservação do equilíbrio do todo. Assim, se uma determinada população consome mais recursos do que é sustentável pondo em risco a preservação do equilíbrio de um dado ecossistema, deve-se, em nome dos interesses do todo, suprimir a ameaça local que essa população representa.
Houve quem visse nesta tese do valor moral supremo da natureza uma forma de anti-humanismo e de totalitarismo. Totalitarismo porque os membros da comunidade natural teriam um valor meramente instrumental dependente da sua contribuição para a «integridade, estabilidade e beleza» de uma comunidade mais ampla. Os interesses individuais e o bem-estar individual estariam subordinados a um bem mais amplo. O anti-humanismo refletiu-se nalgumas posições mais extremistas que, apesar de não expressamente presentes em Leopold, nele se inspiraram. Assim, houve quem defendesse que, sendo a espécie humana a mais populosa ‒ e a mais danosa para o planeta –, a sua existência corresponderia a um desastre global do ponto de vista da comunidade natural. Daí a defender-se que ela só deveria ser o dobro da dos ursos ‒ outros omnívoros ‒ foi um pequeno passo. Defendeu-se também que, dado o facto de a desproporção da população humana ser uma ameaça ao equilíbrio ecológico, escolher entre a sobrevivência de um representante da espécie humana e a de um exemplar de uma espécie rara seria obviamente fácil. Estes exageros não são contudo moeda corrente entre os ecocentristas. A corrente dominante, não abdicando do primado moral da comunidade natural, alerta para o perigo do crescimento desmesurado de seres humanos no planeta. Em nome do equilíbrio e integridade da comunidade Terra, devemos implementar a nível planetário medidas de controlo da natalidade que reduzam substancialmente o número de seres humanos tão rápido quanto possível. Grande parte do problema reside em saber como mobilizar a humanidade para o compromisso com uma comunidade muito mais ampla – a natureza ‒ do que aquelas comunidades – família, grupos profissionais, nação, comunidade humana – a respeito das quais nos sentimos moralmente mais envolvidos.

«É óbvio que os ecossistemas possuem valor indireto na medida em que tornam possível a vida dos seres individuais, humanos e não humanos. Mas o ecocentrismo afirma algo mais, afirma que os ecossistemas também têm valor intrínseco e merecem consideração moral por si mesmos, e que os seres humanos têm deveres para com eles.
Os defensores de uma ética ecocêntrica partem da constatação dos danos que efetivamente provocamos nos seres vivos e nos ecossistemas. A própria magnitude destes danos, a exploração abusiva da natureza, é por si só uma indicação clara, para qualquer pessoa sensível, de que algo anda mal. Temos a intuição clara de que é assim, de que estamos a destruir entidades valiosas por si mesmas, independentemente do valor que possam ter para nós.
Mas há que reconhecer que é difícil estabelecer o valor intrínseco de entidades supraindividuais como os ecossistemas. Em qualquer caso, trata-se de uma questão empírica, quer dizer, será necessário mostrar que estas entidades possuem um grau de integração próximo do dos organismos individuais, que elas próprias são realmente unidades individuais, que também possuem fins próprios, e que também são “centros teleológicos de vida”.»
Alfredo Marcos, Ética Ambiental

ATIVIDADE 2
I
1. O que carateriza a ética biocêntrica?
R.: A ética biocêntrica é uma forma de ética ambientalista que defende que todos os seres vivos têm valor intrínseco ou inerente. Algumas correntes biocêntricas afirmam que todos os seres vivos possuem igual valor inerente. Estende a consideração da relevância moral a todos os seres vivos, sejam sencientes ou não.

2. O que carateriza a ética ecocêntrica?
R.: A ética biocêntrica é uma forma de ética ambientalista que defende que todos os seres naturais têm valor intrínseco ou inerente. Estende a consideração da relevância moral a todos os seres que constituem a comunidade global e interdependente chamada sejam eles vivos (animais, plantas) ou não vivos (solos, atmosfera, cursos de água). É na «comunidade biótica», formada pela matéria orgânica e não orgânica e por todos os seres vivos, que reside o valor moral fundamental.

3. O que têm em comum as éticas antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica?
R.: Têm em comum a preocupação com a preservação da natureza de modo que seja habitável. Partilham também, de forma diferente, a necessidade de chamar a atenção do ser humano para a sua dimensão bioecológica. Defendem que o ser humano deve desenvolver uma consciência ecológica, atribuir importância à natureza e não a considerar um simples meio a conquistar e explorar.

4. O que distingue as éticas antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica?
R.: A ética antropocêntrica só reconhece valor intrínseco aos seres humanos. Nesta perspetiva, a responsabilidade ecológica funda-se exclusivamente nos interesses humanos. Só os seres humanos são moralmente significantes. Contudo, têm deveres indiretos – derivados dos seus interesses ‒ em relação à natureza porque uma natureza habitável e em que a vida seja possível é indispensável à nossa continuidade neste planeta. No interior desta corrente há quem argumente que os deveres ambientais indiretos – preservar a sua beleza e mantê-la habitável – derivam, não só dos benefícios de que gozamos no presente, como também dos benefícios de que usufruirão as gerações futuras (apesar da objeção de que gerações ainda não nascidas têm tantos direitos como os seres humanos que já morreram).
A ética biocêntrica não considera simplesmente os interesses humanos ou não o efeito das ações ambientais nos seres humanos. Considera os efeitos das ações ambientais em todos os seres vivos porque defende que todos os seres vivos têm valor intrínseco. Os seres humanos são um caso de aplicação dos conceitos de valor e de consideração moral. Os seres vivos devem ver respeitados os seus interesses e não existem simplesmente em função dos interesses humanos. Temos deveres diretos para com os seres vivos individuais.
A ética ecocêntrica considera os efeitos das ações sobre o ambiente, não só nos seres humanos ou nos seres vivos, mas em todos os seres naturais. Todos os seres naturais – a chamada comunidade natural – têm valor intrínseco, não enquanto indivíduos, mas como membros dessa comunidade. Temos deveres diretos para com o ambiente.

II
Leia atentamente o texto seguinte.
«O ponto de vista que deve mudar para dar início ao processo de evolução que conduzirá a uma ética da Terra é simplesmente este: deixar de pensar que o uso adequado da terra é apenas um problema económico. Devemos examinar cada problema não só do ponto de vista da conveniência económica como também de um ponto de vista ético e estético. Algo é correto quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. É incorreto quando tende ao contrário.»
Aldo Leopold, Una Ética de la Tierra, Madrid, Ed. Los Libros de la Catarata, 2000, p. 155 (traduzido e adaptado).

1. Que mudança radical de perspetiva acerca do lugar dos seres humanos na natureza está implícita no texto de Leopold?
R.: Em vez de conquistador o ser humano, deve considerar-se como membro responsável da comunidade natural abandonando a exclusiva perspetivação económica da natureza. A ética da Terra será um avanço moral significativo na forma como o ser humano vê o seu lugar no mundo natural e a sua relação com a natureza. A premissa fundamental desta nova ética é a de que o ser humano é membro de uma comunidade de partes interdependentes.

2. Por que razão a visão da natureza como fonte de bens e produtos – a visão economicista ‒ é um obstáculo ao estabelecimento de uma ética da Terra?
R.: Porque perpetua a ideia de ser humano como conquistador e explorador da natureza e esquece que como membros da comunidade natural não podemos nem deixar de ser responsabilizados ou ficar imunes aos efeitos da nossa intervenção nela.

3. «Algo é correto quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. É incorreto quando tende ao contrário.»
3. 1. Este é o princípio fundamental da ética da Terra. Por que razão é a negação da ética antropocêntrica?
R.: Porque os deveres em relação à natureza encontram a sua justificação última nos interesses da comunidade biótica e não simplesmente nos interesses humanos. A natureza deixa de ter um valor utilitário. Não a devemos prejudicar porque isso prejudica os nossos interesses ou os de outros seres humanos, mas porque prejudica a própria natureza (o equilíbrio da comunidade natural). A natureza é bem mais do que um recurso para uso dos seres humanos.
3. 2. O princípio fundamental da ética da Terra está ao serviço da necessidade de equilíbrio dos ecossistemas. O valor ético fundamental é atribuído a essa totalidade que é a natureza. Os indivíduos e as espécies só têm valor e importância em função da sua contribuição para esse equilíbrio. A ética da Terra atribui portanto diferente valor moral aos indivíduos que são membros da comunidade natural. Houve quem interpretasse esta ideia como uma inversão completa da ética antropocentrista.
Tente explicitar esta última afirmação.
R.: A inversão consistiria no seguinte: de uma natureza ao serviço do ser humano e dos seus interesses mesmo que esses interesses exijam cuidar da natureza – antropocentrismo alargado – passaríamos a uma situação em que o ser humano estaria ao serviço da natureza considerando, dado o estatuto moral desta, que os seus interesses seriam secundários. As obrigações morais fundamentais seriam para com a natureza, mesmo que isso não elimine os deveres para com os membros dessa comunidade menor que a natural a que chamamos comunidade humana. Assim, o respeito pelos direitos humanos seria menos importante do que o respeito pelos direitos da natureza.
II
A natureza tem direitos?
Leia o texto seguinte.
«O valor de uma coisa pode residir nela (valor intrínseco) ou na utilidade que tem para algo exterior a si mesmo (valor instrumental). Alguns ambientalistas afirmam que a Natureza tem um valor próprio, vale independentemente da sua utilidade para a humanidade. Defendem o respeito pelo ambiente, não porque os seres humanos dependam da natureza, mas porque a natureza e o que a compõe têm valor intrínseco.
Na sua perspetiva uma espécie natural deve ser protegida por ter valor em si e não por ser útil. Mas há problemas com esta perspetiva.
Se adotarmos este ponto de vista, então temos de atribuir direitos absolutos ao ambiente e a todos os seus componentes. Mas tal como dizer que a natureza tem valor intrínseco levanta problemas, a atribuição de direitos absolutos à natureza é uma tese muito difícil de defender. Há pessoas que encaram seriamente a ideia de direito absoluto da natureza, mas inevitavelmente esse direito será infringido muitas vezes ao longo da nossa vida.
Para muitas pessoas a solução consistiria em considerar que os direitos da natureza são relativos e não absolutos. Isto significa que os direitos podem ser infringidos em certas circunstâncias. O melhor exemplo desta ideia de direitos relativos é a guerra. Todas as sociedades incluem nas suas leis a proibição de matar e muitas consideram-no o crime mais grave (punindo-a com a pena de morte). Contudo, durante uma guerra damos aos combatentes o direito de infringir esta regra de maneira que possam “matar o inimigo” e proteger-nos de eventuais ameaças. Neste contexto é claro que a vida humana não é pensada como um valor absoluto, mas sim relativo – um direito que pode ser suspenso se a situação o exigir. No que respeita ao ambiente, esta conceção não é, contudo, isenta de problemas. Quem decide que direitos devem ser suspensos? E com que fundamento? Há quem admita que uma bela floresta tem “direito à vida” – mas e se essa bela floresta for um obstáculo na via do “progresso”?»
Joe Walker, Environmental Ethics, Londres, Hodder and Stoughton, 2000, pp. 18-20 (adaptado).

1. Que problema óbvio levanta a afirmação do valor intrínseco da natureza?
R.: É suficiente um simples exemplo: para assegurar a nossa sobrevivência, temos de comer outros seres vivos. Assim sendo, violamos constantemente o valor intrínseco da natureza. Tudo o que é natural tem um valor intrínseco? Os vírus e as bactérias tam­bém o têm?

2. Afirmar que a natureza tem direitos absolutos é uma tese muito difícil de defender. Porquê?
R.: Se admitirmos que todas as espécies naturais têm direitos absolutos, então qual seria a nossa fonte de alimentação? Teríamos de procurar, se possível, novos alimentos. Mas, em geral, os seres vivos não se alimentam de outros seres vivos? Por que razão teremos de ser exceção?

3. Falar da natureza como sujeito de direitos é racionalmente justificável?
R.: Parece difícil de admitir semelhante conceção. Com efeito, todo o sujeito de direitos* está obrigado a cumprir deveres. Entender a natureza como parceiro jurídico do ser humano é uma forma antropomórfica de a ela nos referirmos e corresponde a uma extensão indevida do conceito de sujeito jurídico. A natureza pode, quando muito, ser objeto de direitos (ser protegida por uma legislação que ordena aos seres huma­nos não degradarem, no seu próprio interesse, o mundo em que habitam), ou seja, os nossos deveres em relação à natureza são simplesmente deveres indiretos em relação à nossa espécie.
* Exceção feita, por nós, às crianças de tenra idade e aos deficientes profundos.


TEMA PARA DISSERTAÇÃO
Efetuada a leitura destas páginas e realizadas as atividades propostas, sugerimos o seguinte tema de dissertação:
Será o antropocentrismo alargado – iluminado e esclarecido – suficiente para preservar a Terra, assegurando o relativo equilíbrio ecológico?
Para redigir a sua dissertação, propõe-se a seguinte organização:
1. Formule o problema central da ética ambiental.
2. Exponha as três teorias estudadas que pretendem responder ao problema.
3. Apresente dificuldades e vantagens relativas das três teorias que respondem ao problema.
4. Conclua tomando posição pessoal sobre a questão apresentada.



Ver no YouTube os seguintes documentários:
1. HOME PT − Documentário Legendado em Português

2. Meio Ambiente por Inteiro ‒ Efeito estufa (01/12/12)


3. Greenpeace Brasil − Mudanças do clima, mudanças de vidas

4. Aquecimento Global 2012 ‒ O Mundo Em Perigo

5. Aldo Leopold: A Prophet for All Seasons


6. The Ethical Challenge of Climate Change (PEI series Pt 1)
7. Climate Change: What We Know and What We Need to Learn


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