sábado, 26 de fevereiro de 2011

NIETZSCHE 4 - O PERSPECTIVISMO E O MÉTODO GENEALÓGICO


O PERSPECTIVISMO: FORÇA E FRAQUEZA NA INTERPRETAÇÃO DO REAL

O perspectivismo é uma concepção segundo a qual não conhecemos a realidade em si: não há verdades absolutas, mas avaliamos sempre de um determinado ponto de vista. As nossas concepções podem resultar de uma grande variedade de mo­tivações (a cada tipo de homem a sua verdade).
A verdade não é fixa, eterna ou absoluta, mas está ligada à realidade psicofisiológica do homem que avalia, isto é, que produz valores ou ideias. Assim, como na base dos nossos juízos e valores está um determinado tipo de vida e não um sujeito abstracto, uma visão global e única da realidade é uma ficção: quando julgamos (emitimos juízos) fazemo-lo sempre do nosso ponto de vista e por isso os nossos juízos são avaliações e não verdades absolutas.
A tradicional oposição entre verdade e erro reduz-se para o filósofo alemão a diferença de interpretação. Tudo é interpretação:
«Não há factos, somente há interpretações.»
Estas são obra da vontade de poder, negativa ou positiva, daquele que interpreta. Há a interpretação do forte e a do decadente, a do senhor e a do escravo, a do criador e a do ho­mem reactivo, a do são e a do doente.
Se tudo é interpretação, nem todas as interpretações se equivalem. Certas interpre­tações são baixas, reactivas, niilistas; outras são nobres, activas, criadoras. Assim, a crença de raiz platónica num «mundo-verdade» é perversa porque provém não do ins­tinto vital mas do cansaço de viver; assim a ciência é plebeia e falsificadora porque provém da necessidade banal de manipular e de comunicar.
Toda a interpretação provém dos instintos. Mas há bons e maus instintos:
Todo o conhecimento é uma ilusão vital, verdadeiro porque útil a determinadas for­mas de vida. Contudo, há erros vis e servis e erros ou ilusões nobres que exprimem a exu­berância da saúde e do «sim» a esta vida.

O valor de um conhecimento depende da nobreza do instinto e do tipo de vida que pre­fere aquele que interpreta e não do seu objecto.
O conhecimento é um processo de interpretação que se funda nas necessidades vitais daquele que interpreta, melhor dizendo, na sua forma de encarar a vida.

 O MÉTODO GENEALÓGICO: O QUE VALEM OS VALORES DOMINANTES NA CULTURA OCIDENTAL
O método genealógico é um novo tipo de análise filosófica que consiste em remontar à origem dos nossos juízos de valor para revelar que eles são sintomas de um determinado tipo de homem, de vida ou de vontade. Por outras palavras, os nossos juízos de valor, as nossas avaliações da realidade, são a manifestação do ser daquele que avalia (e Nietzsche não distingue o ser da sua manifestação).
A análise da génese dos valores vai revelar dois tipos fundamentais de atitude pe­rante a vida: uma atitude decadente e sem vitalidade (vontade de poder fraca ou negativa) e uma atitude sadia, exuberante (vontade de poder forte ou afirmativa).
Para Nietzsche, viver é enunciar juízos de valor. Avaliar é interpretar a realidade de uma certa forma, é afirmá-la ou negá-la, valorizá-la ou denegri-la. O homem é o «centro» dessa interpretação. E para quê remontar ao centro de todas as avaliações? Precisamente para avaliar os valores que até agora (Séc. XIX) o homem ocidental tem promovido,1' avaliando ao mesmo tempo o tipo de vida e a atitude perante a vida que eles manifestam. Se o ho­mem é aquele que, por essência, avalia, nos valores que promove manifesta-se aquilo que é: ou um ser decadente e sem vitalidade ou um ser de vontade exuberante e afir­mativa. Assim, a partir dos valores morais, religiosos, filosóficos que até agora o homem ocidental estabeleceu, pode-se fazer o diagnóstico da cultura ocidental, do tipo de homem ou de vontade que está na sua génese.
Nietzsche põe em relevo o seguinte: a cultura ocidental tem sido dominada por valores próprios de homens decadentes, falhados, incapazes de aderir à vida na sua totalidade com­plexa. Os valores estabelecidos pela cultura ocidental são a expressão de um tipo dominante de homem e de vontade: decadente, que se sente impotente perante a realidade sensível, procurando no outro mundo não só a consolação, como a forma de se vingar deste mundo, desvalorizando-o e negando-o.
Em suma, o homem ocidental, ao criar determinados valores, interpretou o mundo e a vida à luz de um sentido supra terreno, sendo isso sintoma de infidelidade à Terra, de impo­tência e cobardia, de negação do mundo e da vida. Tudo isto foi o lamentável resultado de uma excessiva valorização da razão, de uma sobrevalorização do inteligível, sintoma, por sua vez, de um ódio declarado a tudo o que é sensível e terreno, tal como é visível no platonismo, no qual toda a cultura ocidental se inspirou.
Ao contrário dos métodos tradicionais, o objectivo do método genealógico não é de­monstrar a verdade ou a falsidade de um determinado conjunto de teorias ou de doutrinas. Estas não têm sentido em si mesmas, são simplesmente juízos de valor ditados por uma certa vontade, por uma certa psicologia e fisiologia dos pensadores, em suma, por uma de­terminada vitalidade. São avaliações que se tornam sintomas, isto é, testemunhos do tipo de vida ou de homem que os produz.
Nota importante
Ser fraco é uma atitude que se revela quer em grandes pensadores, quer em homens fisicamente robustos, economicamente poderosos, etc. É uma atitude de homens psiquicamente frágeis que não conseguem dizer sim à realidade e perante o que nela é difícil de dominar (o corpo, os sentimentos, as paixões, o carácter enigmático e inconstante do mundo terreno), adoptam a renúncia e a vingança sobre o sensível como ideal de vida.
É decadente ou fraco aquele que não tem força suficiente para enfrentar a realidade tal como ela é e diz não à realidade sensível (ao mundo do devir, a «este mundo»), denigre a vida do corpo e o «aquém» para preferir uma razão abstracta e repressiva (em nome da qual se considera o «outro mundo» como real e superiormente verda­deiro, desvalorizando «este mundo» — aquele em que vivemos —, como aparente, sem realidade própria).

(1) Determinar o valor dos valores, tendo como centro de referência o valor supremo: a vida. Nocivos serão os valores que desvalorizam a vida.

 A análise genealógica da verdade
Para Nietzsche, colocar o problema da verdade é colocar a questão do valor da verdade. Habitualmente, os filósofos definiram a sua investigação como procura da verdade, mani­festando um respeito pela verdade como valor em si, indiscutível e não subordinável a ou­tros valores. Ora, é isto que Nietzsche vem pôr em causa. Fazer da verdade um valor em si é afirmar que é preciso querer a verdade pela verdade. Há algo de moralista neste conceito de verdade e Nietzsche vai detectar o que está por trás desta vontade de verdade, colocando duas questões:
1     — Porquê querer a verdade?
Com efeito, a vida não respeita a verdade, entendida como conhecimento objectivo e de certa forma imutável. Ela é feita de aparências, de erros, de dissimulações. De certa forma, Nietzsche vê no respeito pela verdade o respeito por algo que pode ameaçar a vida.
2     — Que querem verdadeiramente aqueles que dizem querer a verdade?
A verdade é uma simplificação, uma representação redutora do mundo, uma vez que este está sempre em devir, mudando segundo a perspectiva que adoptarmos. A verdade assegura uma representação estável do mundo do devir. Por isso mesmo, querer a verdade é querer a segurança. Este ideal ajuda algumas pessoas a viver mas também ameaça a vida, retirando-lhe a sua parte de risco.

3 comentários:

  1. Para Nietzsche a vida é o valor supremo?

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    1. Sim! Para Nietszche a Vida não é só o valor supremo como critério último, vide certo aforismo que ele diz que se certa verdade cria vida não é necessário que ela seja "válida cientificamente".

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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