domingo, 8 de maio de 2011

A CLASSIFICAÇÃO DAS BELAS-ARTES


A CLASSIFICAÇÃO DAS BELAS-ARTES
As belas-artes podem classificar-se de diversos modos. Contudo, talvez a natureza do meio mediante o qual se realizam seja o critério mais seguro.
As artes auditivas incluem todas as artes do som que, para todas as finalidades práticas, utiliza a música. A música consta de tons musicais - isto é, sons de um determinado tom - juntamente com silêncios, apresentados numa ordem temporalmente sucessiva.
As artes visuais incluem todas as artes que constam de percepções visuais. O seu apelo dirige-se sobretudo à vista, ainda que não exclusivamente, porque algumas podem também estimular o sentido do tacto. As artes visuais incluem grande variedade de géneros: pintura, escultura, arquitectura e virtualmente todas as artes úteis.
A literatura é muito mais difícil de classificação. Não é uma arte visual: de facto um poema não precisa de ser escrito. Também não é uma arte auditiva. Acontece muitas vezes que o efeito de um poema aumenta quando é lido em voz alta, mas o seu valor não diminui quando não é lido assim, nem precisa de ser lido em voz alta para actuar como poema. Se a literatura fosse uma arte auditiva pertenceria à arte da música: para um auditório entendido o prazer da poesia dificilmente se pode comparar com o das composições musicais. Musicalmente, o idioma inglês é bem mais pobre e quem ouvisse os sons de um poema nesta língua sem conhecer o significado das palavras rapidamente se aborreceria.
Todo o efeito da poesia, que à primeira vista podemos atribuir aos sons que ouvimos (ao elemento auditivo), deve-se na realidade ao significado das palavras. Se a palavra "mar" é poética, não o é porque o som deste monossílabo seja belo, mas porque conhecemos o significado dessa palavra, que serve para evocar pensamentos e imagens do mar tropical, do mar tempestuoso, etc.
É o significado - tanto o significado literal das palavras como o das associações que provoca na mente de quem está familiarizado com a língua em que se acha escrito – que distingue a literatura de todas as outras artes. À literatura chamou-se arte simbólica; o carácter distintivo do meio que utiliza deve-se ao facto de que todos os seus elementos são palavras e as palavras não são meros sons ou traços de caneta mas sim sons com significados que têm de ser conhecidos para entender ou avaliar o poema.
As artes mistas incluem todas aquelas artes que combinam um ou mais dos meios anteriormente referidos. Assim, a ópera inclui música, palavras e imagens visuais, com predomínio da música. As representações teatrais combinam a arte literária com a habilidade cénica e as imagens visuais.
Na dança predomina geralmente o aspecto visual, enquanto que a música serve de acompanhamento. No cinema estão presentes todos estes elementos. O tipo de obra que cada arte pode realizar depende primeiramente da natureza do seu meio. Assim, as artes visuais em geral são artes do espaço e podem "reproduzir" o aspecto visual ou a aparência dos objectos muito melhor do que qualquer descrição.
Contudo, não podem representar o movimento, ou a sucessão de actos no tempo; isto é possível no caso da literatura: nesta a ordem dos elementos no meio é temporalmente sequencial. Numa obra pictórica a nossa atenção é sequencial, porque podemos concentrar a nossa atenção agora numa parte e depois noutra. Não obstante, o quadro inteiro acha-se perante nós todo o tempo e não há nenhuma ordem para contemplá-lo, como, por exemplo, começar da esquerda para a direita. O efeito da contemplação de uma escultura depende frequentemente da direcção que seguirmos ao movermo-nos em seu redor. E, ao não podermos contemplar todo o objecto tridimensional de uma vez, o aspecto temporal é mais importante do que na pintura. A música está intimamente vinculada à ordem temporal dos tons, assim como a literatura à ordem temporal das palavras: não podemos inverter a ordem dos tons numa melodia nem a das palavras numa frase.
Embora as artes mistas combinem mais de um tipo de meios, possuem funções distintas que não se repetem nas outras artes. O cinema tem uma enorme vantagem com o seu meio porque pode reproduzir relações espaciais e sequências temporais dos factos ao mesmo tempo. O teatro pode fazer o mesmo. No entanto, o que é adequado para o meio teatral pode não o ser para o meio cinematográfica. Uma excelente representação teatral transferida directamente para um ecrã torna - -se normalmente um película medíocre: a principal vantagem do teatro - o seu contacto vivo com actores vivos - perde-se quase por completo no meio impessoal do cinema, que pode, não obstante, ultrapassar esta desvantagem com numerosos recursos não acessíveis ao teatro.
Os estudiosos da arte tiraram destes factos conclusões diferentes acerca da natureza dos meios artísticos. Os "puristas" vêem com desagrado qualquer intento de fazer com que a obra de arte transcenda os limites do seu meio próprio e característico. Afirmam que os poemas não deveriam tentar descrever com exactidão as aparências visíveis das coisas, função reservada às artes visuais; que as artes visuais não deveriam tentar reproduzir o movimento - a sequência temporal dos factos -, coisa reservada à literatura; que a música não deveria tentar ter um programa e contar histórias, o que cabe também à literatura, e que o cinema não deveria abandonar a sua capacidade específica de reproduzir o movimento em benefício do diálogo entre as personagens. Os adversários desta concepção "purista" da arte argumentam que tais normas podem ser transgredidas vantajosamente e que, se é certo que cada meio artístico tem as suas possibilidades distintivas, não há razão alguma para que uma arte não possa lançar mão de recursos que uma outra arte seria certamente capaz de utilizar melhor.
John Hospers, Estética, pp. 115-118

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