COACÇÃO INTERNA E RESPONSABILIDADE MORAL
Se o agente não é responsável pelos actos que têm a sua causa fora dele, sê-lo-á, ao contrário, por todos aqueles que têm a sua causa ou a sua fonte dentro dele? Não pode haver actos cuja causa esteja dentro do sujeito e pelos quais não seja moralmente responsável? Antes de responder a estas perguntas, devemos insistir em que, em termos gerais, o homem só pode ser moralmente responsável pelos actos cuja natureza conhece e cujas consequências pode prever, assim como por aqueles que, por se realizarem na ausência de uma coação externa, estão sob seu domínio e controlo.
Partindo destas afirmações gerais, podemos dizer que um indivíduo normal é moralmente responsável pelo roubo que comete, à diferença do cleptomaníaco que rouba por um impulso irresistível. O assassinato é reprovável moralmente e quem o comete contrai - além de outras responsabilidades - uma responsabilidade moral. Mas poderíamos considerar moralmente responsável o neurótico que mata num momento de crise aguda?
O homem que dirige frases obscenas a uma mulher é repreensível da nossa parte e quem comete uma acção semelhante contrai uma responsabilidade moral. Mas também o doente sexual, que, levado por motivos inconscientes, procura afirmar desta maneira a sua personalidade, é moralmente responsável?
É evidente que, nestes três casos, a cleptomania, a neurose ou um desajuste sexual impelem de maneira irresistível, respectivamente, a roubar, matar e ofender por palavras. Em todos eles, o sujeito não tem consciência, pelo menos no momento em que realiza tais actos, dos motivos verdadeiros, da sua natureza moral e das suas consequências. Talvez a seguir, quando o ocorrido já não tenha remédio, o sujeito tome consciência daquilo tudo, mas inclusive neste caso não poderá garantir que não tornará a fazer o mesmo sob um impulso irresistível ou uma motivação inconsciente. Os psiquiatras e psicanalistas conhecem muitos casos semelhantes, isto é, casos de indivíduos que realizam actos que têm a sua causa dentro deles e que, apesar disto, não podem ser considerados moralmente responsáveis.
Actuam sob uma coacção interna a que não podem resistir e, portanto, ainda que os seus actos possuam a sua causa no seu íntimo, não são propriamente seus, porque não puderam exercer um controlo sobre eles. A coacção interna é tão forte que o sujeito não pode agir de maneira diferente daquela como operou, e não tendo realizado o que livre e conscientemente teria querido.
Devemos assinalar, portanto, que os exemplos que acabámos de citar são casos extremos; ou seja, casos de coacção interna à qual o sujeito não consegue resistir de maneira alguma. São os casos de pessoas doentes, ou de outras que, embora se comportem de maneira normal, mostram zonas de comportamento que se caracterizam pela sua anormalidade (como acontece com o cleptomaníaco que se comporta normalmente, até que se encontre diante do objecto que lhe excita o instinto irresistível de roubar). E, certamente, ainda que seja difícil traçar a linha divisória entre o normal e o anormal (ou doentio) no comportamento dos seres humanos, é evidente que as pessoas que costumamos considerar normais não agem sob uma coacção irresistível, embora seja indiscutível que sempre se encontram sob uma coacção interna relativa (de desejos, paixões, impulsos ou motivações inconscientes em geral). Mas, normalmente, esta coacção interna não é tão forte que anule a vontade do agente e o impeça de uma opção e, portanto, de contrair uma responsabilidade moral na medida em que mantém certo domínio e controlo sobre os seus actos pessoais.
Rafael Sanchez Vasquez,
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