terça-feira, 10 de maio de 2011

A IGNORÂNCIA E A RESPONSABILIDADE MORAL


A IGNORÂNCIA E A RESPONSABILIDADE MORAL
Se podemos responsabilizar somente o sujeito que escolhe, decide e age conscientemente, é evidente que devemos eximir da responsabilidade moral quem não tem consciência daquilo que faz, isto é, a quem ignora as circunstâncias, a natureza ou as consequências da sua acção. A ignorância neste amplo sentido apresenta-se, portanto, como uma condição que exime da responsabilidade moral.
Assim, por exemplo, quem dá ao neurótico Y um objecto que lhe provoca uma reacção específica de cólera não pode ser responsabilizado pela sua acção se afirma fundadamente que ignorava estar tratando com um doente desta natureza ou que, com o objecto em questão, pudesse provocar nele uma reacção tão desagradável. Certamente, por X ignorar as circunstâncias em que se produzia a sua acção, não podia prever as suas consequências negativas. Mas não basta afirmar que ignorava essas circunstâncias para livrá- -lo da responsabilidade. É necessário acrescentar que, não só não as conhecia, mas que não podia e não tinha a obrigação de conhecê-las. Somente assim a sua ignorância o isenta da respectiva responsabilidade. Pelo contrário, os familiares do neurótico Y que o autorizaram a ir à casa de X e que, lá, não avisaram X da susceptibilidade de Y em face do objecto em questão podem certamente ser considerados responsáveis pelo que aconteceu, já que conheciam a personalidade de Y e as possíveis consequências para ele do acto de X. Vemos, portanto, que, num caso, a ignorância exime da responsabilidade moral e, no outro, a justifica plenamente. Contudo, é preciso perguntar logo a seguir: a ignorância é sempre uma condição suficiente para eximir da responsabilidade moral? Antes de responder a esta pergunta, coloquemos outro exemplo: o motorista que fazia uma longa viagem e chocou com outro que estava enguiçado numa curva da rodovia, provocando graves prejuízos materiais epessoais, pode alegar que não viu o carro que ali estava estacionado (isto é, ignorava a sua presença) porque a luz dos seus faróis era muito fraca. Mas esta desculpa não é moralmente aceitável, porque ele poderia e deveria ver o carro enguiçado se tivesse feito a revisão dos seus faróis, como é a obrigação moral e legal de quem vai fazer uma longa viagem rodoviária de noite. Certamente, neste caso, o motorista ignorava, mas podia e devia não ignorar.
Concluímos, assim, que a tese de que a ignorância exime da responsabilidade moral deve ser concretizada, pois há circunstâncias em que o agente ignora o que poderia ter conhecido ou o que tinha obrigação de conhecer. Em poucas palavras, a ignorância não pode eximi-lo da sua responsabilidade, já que ele é responsável por não saber o que devia saber.
Mas, como dissemos antes, a ignorância das circunstâncias nas quais se age, do carácter moral da acção (da sua bondade ou da sua maldade) ou das suas consequências não pode deixar de ser tomada em consideração, particularmente quando é devida ao nível de desenvolvimento moral pessoal em que o sujeito se encontra ou ao estado de desenvolvimento histórico, social e moral em que se encontra a sociedade.
Assim, por exemplo, a criança, em certa fase do seu desenvolvimento, quando não acumulou a experiência social necessária e possui unicamente uma consciência moral embrionária, não somente ignora as consequências dos seus actos, mas também desconhece a sua natureza boa ou má, com a particularidade de que não podemos – num caso e no outro - responsabilizá-Ia pela sua ignorância. Pela impossibilidade subjectiva de superá-Ia, fica isenta da responsabilidade moral. Algo parecido pode ser dito dos adultos no que diz respeito ao seu comportamento individual, considerado sob o ponto de vista de necessidade histórico-social. Já sublinhámos antes que a estrutura económico - social da sociedade abre e fecha determinadas possibilidades ao desenvolvimento moral e, por conseguinte, ao comportamento do indivíduo em cada caso concreto. Na antiga sociedade grega, por exemplo, as relações propriamente morais só podiam ser encontradas entre os homens livres e, pelo contrário, não podiam verificar-se entre os homens livres e os escravos, visto que estes não eram reconhecidos como pessoas pelos primeiros. O indivíduo - o cidadão da polis - não podia ultrapassar no seu comportamento o limite histórico-social em que estava situado ou do sistema do qual era uma criatura; por isto, não podia tratar moralmente um escravo. Ignorava - e não podia deixar de ignorar, como o ignorava a mente mais sábia do seu tempo: Aristóteles - que o escravo também era um ser humano e não um simples instrumento. Dado o nível do desenvolvimento social e espiritual da sociedade em que viviam, não podemos responsabilizar individualmente aqueles homens pela sua ignorância. Por conseguinte, também não podemos considerá-los moralmente responsáveis pelo tratamento que dispensavam aos escravos. Como poderíamos responsabilizá-los pelo que ignoravam e - dadas as condições económicas, sociais e espirituais da sociedade grega escravista - não podiam deixar de ignorar?
Em resumo: a ignorância das circunstâncias, da natureza ou das consequências dos actos humanos autoriza a eximir um indivíduo da sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for responsável pela sua ignorância; ou seja, quando se encontra na impossibilidade subjectiva (por razões pessoais) ou objectiva (por razões históricas e sociais) de ser consciente do seus acto pessoal.
Adolfo Sanchez Vasquez,

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