sábado, 14 de maio de 2011

DIÁLOGO SOBRE A PENA DE MORTE


DIÁLOGO SOBRE A PENA DE MORTE
M:- (apontando para o jornal). Vê este assassino. Devia ser condenado à morte.
F: - Então sempre és a favor da pena de morte.
M:- Claro. Há que deter o crime e a pena de morte fará o potencial assassino pensar duas vezes. Não achas?
F: - Penso que isso deve ser discutido. Parece-me, para já, que a pena de morte é uma ameaça aos inocentes.
M: -Porquê?
F: - Porque, por muito cautelosos ou escrupulosos que os juízes ou os jurados possam ser, é sempre possível um erro. E um erro irreparável...
M:- Podemos reservar a pena de morte para as condenações onde haja a certeza absoluta. Aí não há que hesitar.
F: - Parece-me que não estás a perceber a posição de um juiz. Quando o tribunal tem a menor dúvida o benefício é sempre concedido ao réu. Não há réus condenados com meia certeza.
M:- Mas isso é mais um motivo para aceitarmos a pena de morte. Se há certeza...
F: - Parece-me que estás um bocado confuso. Nunca te aconteceu verificares que estavas enganado sobre algo de que julgavas estar absolutamente certo?
M:- Já me aconteceu. Mas...
F: - E há alguém a quem isso não tenha acontecido?
M:- Não me deixaste acabar. s podemos ser superficiais. Mas nos tribunais só se chega a certezas depois de longas investigações, testemunhos e provas.
F: - Deves reconhecer que sempre houve, apesar de toda essa investigação, erros nos tribunais. O conhecimento é sempre incompleto. Por isso, o acaso, as circunstâncias, a conspiração, podem apontar para um suspeito, mas um simples facto pode anular todas essas "provas" ...
M:- Estás é a desvalorizar os tribunais. Estás a dizer que, apesar de todos os esforços, a sentença é sempre incerta e arbitrária. Era bem feito que tivesses de recorrer a eles se te assassinassem um familiar. Ias dizer, claro, que tinhas pena de x, que o juiz declarou culpado, porque o juiz podia estar enganado e depois...
F: - Extrais uma série de coisas do que eu digo e, em vez de me perguntares se de facto penso assim, vais por aí fora como um toiro bravo...
M - Agora estamos nas provocações?
F: - Vamos com calma. Não desvalorizo a função do juiz. Enobreço-a reconhecendo os seus riscos. Se houvesse certezas o seu trabalho seria muito mais fácil.
M: -Estás a pôr os pés pelas mãos. Primeiro disseste que no tribunal não se decide com meias certezas, agora dizes que a certeza é impossível. Devias, portanto, criticar os tribunais por se proporem uma tarefa impossível. Em vez disso elogias a nobreza da sua função. Se não te entendes com as tuas ideias como queres que os outros te entendam?
F: -O juiz pode ter a certeza de ter feito o que podia para apurar a verdade. Ele decide quando pensa que já fez tudo o que pôde para apurar a verdade. Mas ele sabe que há sempre um risco de erro e é nobre assumi-lo.
M: -E porque não assumi-lo com a pena de morte? É o mesmo: investigar por todos os meios possíveis e se já não se vê como se pode pôr a culpa em dúvida...
F: -E acusas-me de raciocinar em abstracto! Vê bem as consequências do que estás a dizer: um erro que não envolva a pena de morte pode, se for descoberto, ter alguma reparação. As leis podem, por exemplo, fixar indemnizações para esses casos. Mas que vale isso para o inocente executado?
M: -Pronto. Já vi que és contra a pena de morte. Para ti o assassino deve ser tratado com chazinhos porque podemos vir a descobrir que é um anjinho...
F: -Sempre precipitado. Como não és capaz de imaginar alternativas achas que os outros têm de pensar o que vem à tua cabeça. O que gostava de saber é o que tens a dizer quanto à possibilidade de condenarmos inocentes à morte.
M: -Olha, pego nas tuas palavras. Há riscos. Se não corrermos tais riscos, os inocentes sofrerão porque o número de assassínios, e é sobretudo nesses casos que estou a pensar, aumenta sem a pena de morte. Se não corrermos o risco de condenar um inocente estamos a condenar muitos outros.
F: -A tua análise continua abstracta. Só estás a ver um ângulo da questão. Vê: para que as leis sejam eficazes é preciso que os cidadãos as respeitem minimamente. Sem respeito, o Direito será um conjunto de obrigações que as pessoas acatam contra a vontade e violam mal suspeitam que podem ficar impunes. Admite agora que surge a notícia de que os já executados João e Manuel estavam inocentes. Tal direito inspira respeito?
M:- Ora, estás com medo do que pode muito bem não acontecer. Para mais as pessoas reconheceriam que tal sacrifício foi útil para diminuir os assassínios...
F: - E eu é que me estou a antecipar à realidade! Isso só seria verdade se a pena de morte diminuísse bastante os assassínios. Ora, como devias saber, está longe de acontecer nos países que a adoptam. Os assassínios continuam e as pessoas procuram outro bode expiatório: ineficácia das polícias, estrangeiros a mais, permissividade na educação, as igrejas vazias, professores de calças de ganga, a violência na TV e por aí fora.
M: - Tanta coisa para as pessoas investigarem antes de tomarem posição sobre a pena de morte. Isso é para, entretanto, não se fazer nada?
F: - ... ou para fazerem mas cautelosamente, sabendo que essa decisão pode revelar-se errada.

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