Harry Truman, o 33º presidente dos Estados Unidos, será sempre recordado como o homem que tomou a decisão de lançar a bomba atómica sobre Hiroshima e Nagasaki. Quando se tornou presidente, em 1945, a seguir à morte de Franklin D. Roosevelt, Truman nada sabia do desenvolvimento da bomba; teve de ser posto ao corrente da situação pelos conselheiros presidenciais. Os aliados estavam a ganhar a Guerra no Pacífico, disseram-lhe, mas com custos terríveis. Havia planos para uma invasão das ilhas japonesas, que seria ainda mais sangrenta do que a invasão da Normandia. Usar a bomba atómica em uma ou duas cidades japonesas podia, no entanto, conduzir a Guerra a um fim rápido, tornando desnecessária a invasão.
Truman estava a princípio relutante em usar a nova arma. O problema é que cada bomba iria varrer do mapa uma cidade inteira - não apenas alvos militares, mas também hospitais, escolas e casas de civis. Mulheres, crianças, velhos e outros não-combatentes seriam eliminados juntamente com os efectivos militares. (…) Elizabeth Anscombe, falecida em 2001 aos 81 anos de idade, era uma estudante de vinte anos na Universidade de Oxford quando começou a Segunda Guerra Mundial. Nesse ano, foi uma das autoras de um panfleto controverso defendendo que o Reino Unido não deveria entrar na Guerra porque acabaria por combater recorrendo a meios injustos, como ataques a civis. “A menina Anscombe”, como sempre foi conhecida, apesar dos seus cinquenta anos de casamento e dos seus sete filhos, acabaria por se tornar um dos mais notáveis filósofos do século XX, e a maior filósofa da história.
A menina Anscombe era igualmente uma católica devota, e a religião era fulcral na sua vida. As suas perspectivas éticas, sobretudo, reflectiam os ensinamentos tradicionais do catolicismo. (…) Anscombe aceitava igualmente os ensinamentos da Igreja quanto à conduta ética na Guerra, o que acabou por colocá-la em conflito com Truman. Os caminhos de Harry Truman e Elizabeth Anscombe cruzaram-se quando, em 1956, ele foi agraciado com um doutoramento honoris causa pela Universidade de Oxford. A distinção foi uma forma de agradecer a Truman a ajuda da América durante a Guerra. Os que a propuseram pensaram que não causaria qualquer polémica. Mas Anscombe e dois outros membros da faculdade opuseram-se à atribuição do doutoramento e, apesar de terem perdido, forçaram a realização de uma votação sobre o que noutras circunstâncias teria sido uma aprovação automática. Então, enquanto o doutoramento estava a ser conferido, Anscombe ajoelhou-se fora do salão nobre e rezou. Anscombe escreveu outro panfleto, desta feita explicando que Truman era um assassino porque tinha ordenado os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki. Naturalmente, Truman pensava que os bombardeamentos se justificavam - tinham encurtado a Guerra e salvo vidas. Para Anscombe, isto não bastava. “Pois quando os homens escolhem matar inocentes como um meio para os seus fins”, escreveu, “isso é sempre um assassínio”. Ao argumento de que os bombardeamentos salvaram mais vidas do que ceifaram, retorquiu: “Vamos lá a ver. Se tivéssemos de escolher entre cozer um bebé e deixar que um desastre atingisse um milhar de pessoas - ou um milhão, se um milhar não for bastante - o que faríamos?”
A questão é, segundo Anscombe, que algumas coisas não podem fazer-se, em circunstância alguma. Pouco importa se poderíamos alcançar um bem maior cozendo uma criança; é simplesmente imperativo que isso não se faça. (…)
Naturalmente, muitos filósofos não concordam; insistem que qualquer regra pode ser violada se as circunstâncias assim o exigirem.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, pp. 171-175.
Retirado de Filosofia no Liceu
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