segunda-feira, 9 de maio de 2011

A ARTE, A MORAL E A SOCIEDADE


A ARTE, A MORAL E A SOCIEDADE
Há quem considere que a arte exerce uma influência de tal modo profunda sobre os seres humanos que não é possível avaliá-la em termos simplesmente artísticos. Se as obras de arte não despertam simplesmente sentimentos estéticos mas também morais, religiosos ou políticos, diz-se que é necessário avaliá-la em termos puramente artísticos. Admitem certos moralistas ontem e hoje que a "nobre missão da arte", o seu fim intrínseco é a expressão da beleza. Contudo, negam que isso implique que o artista seja livre perante as leis morais, que possa pintar ou descrever
o vício e tudo o que é inferior na natureza humana. Como é evidente, a questão não é pacífica. Os textos que em seguida apresentamos ilustram esse conflito e é para a tomada de posição pessoal que o/a convidamos.
1
«A obra literária tem necessariamente de exercer uma acção no espírito de quem a lê. Mas se essa acção é imoral, destruirá fatalmente a emoção estética. Portanto uma obra imoral, na medida em que o for, deixará de ser artística
(Paulo Durão Alves, A Arte e a Moral, Brotéria, 1927, p. 42.)
2
«Uma arte que abusa da vida emocional, levando-a a extremos irreflectidos, não poderá ser boa arte, já que produzirá o desequilíbrio moral do homem através da cegueira da inteligência para contemplar o bem e a beleza e a debilidade da vontade para resistir ao mal. Se na ordem ontológica a verdade e a bondade impõem as suas condições à beleza, na ordem psicológica, subjectiva, o prazer estético necessariamente deve ser regulado pela luz da inteligência e pelas normas objectivas do viver e do pensar ordenados
(Alfredo Panizo, «A Arte e a Moral», Revista de Filosofia, 1959, Madrid, p. 326.)
3
«Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais. [. ..} A vida moral do Homem faz parte do assunto do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. Nenhum artista deseja provar o que quer que seja. Até as coisas verdadeiras se podem provar.
Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo [. ..] o vício e a virtude são para o artista materiais de arte. Pode-se perdoar a um homem fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-Ia intensamente. Toda a arte é absolutamente inútil
(Oscar Wilde, Prólogo de O Retrato de Dorian Gray)
4
«O artista exprime precisamente o que sente, não o que alguém lhe ordena que sinta. É por isso que os esforços que os moralistas e certos homens de acção despendem para sanear a arte moderna se encontram fatalmente votados ao fracasso, a menos que primeiro se tenha saneado a realidade e proporcionado, assim, aos artistas um outro sentimento da vida. Por meio de ordens, pode-se impedir a arte de existir, o que não chega é a fazê--Ia viver na mentira e segundo uma lógica que não é sua.
(J. Emile Muller, A Arte Moderna, Col. Perspectivas, pp. 67-68.)
5
«As obras de Arte mais completas podem ser, mesmo, aquelas em que mais complexamente se agitam todas as preocupações de que o homem é vítima. E a paixão política, a paixão religiosa, como a paixão por uma ideia ou por um ser humano - podem inspirar grandes e puras obras de Arte. Mas... entendamo-nos: o que então inspira a obra de Arte - é a paixão; e uma paixão considerada infamante ou uma paixão considerada nobre - podem da mesma forma inspirar obras elevadas sob o ponto de vista que nos interessa: estético. O ideal do Artista nada tem com o do moralista, do patriota, do crente ou do cidadão: quando sejam profundos e quando se tenham moldado de uma certa individualidade, tanto o que se chama vício como o que se chama uma virtude podem igualmente ser poderosos agentes da criação artística: podem ser elementos de vida de uma obra. Não sei se deveria ser assim - mas é assim. Consulte quem quiser a história da literatura de qualquer povo.»
(José Régio.)

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