AS LIMITAÇÕES DA LIBERDADE
A vida do homem forma um todo, de tal modo que cada um dos nossos actos transporta em si o peso da vida inteira. Nos primeiros anos todas as perspectivas estavam abertas e o número de possibilidades era praticamente ilimitado. Depois à medida que vamos preferindo certas possibilidades a outras e dando-lhes realidade, vamos conformando a nossa vida segundo uma certa orientação, deixando para trás anuladas ou ao menos abandonadas, outras possibilidades. Por outro lado as nossas virtudes e os nossos vícios automatizam - nos, inclinam-nos a uns actos e não a outros: o virtuoso tende a proteger-se de acções indevidas ao passo que o não virtuoso tende a inclinar-se para o vício. Deste modo, o campo da acção plenamente livre vai-se estreitando à medida que a vida passa (e é feita). A nossa liberdade actual está condicionada pela história da nossa liberdade, anterior a esta decisão que queríamos tomar agora e talvez não possamos tomar. O homem vai-se assim enredando na sua própria teia, na rede que ele próprio teceu. A liberdade está sempre comprometida «hic et nunc» (aqui e agora), é sempre liberdade em situação, como bem o viu a filosofia da existência: não há liberdade abstracta.
O triplo condicionamento da liberdade
Está comprometida pelas suas decisões anteriores mas também pelas tendências profundas do homem: as paixões. Neste sentido, devemos rectificar o que ainda há pouco dizíamos: o homem está sempre limitado, mesmo nos seus primeiros anos, mesmo antes de começar a tomar decisões a condicionamento da liberdade pela vida é pois triplo: a) condicionamento psicobiológico, «naturalização» da liberdade, pois esta não é o puro e simples adeus à natureza, mas emerge precisamente deste; b) condicionamento pelo "situs", ou seja, pela situação: agora já não está na minha mão dar à minha vida uma certa orientação que teria sido perfeitamente possível há vinte anos atrás: quem fundou uma família já não pode voltar e dedicar-se à vida monástica. A situação concreta arrebata-nos um grande número de possibilidades e impõe-nos uma mudança de deveres ineludíveis. Cada homem poderia ter sido muito diferente do que agora é, mas já passou a oportunidade (o Kairós) para isso; c) Finalmente, em terceiro lugar, há o condicionamento pelo «habitus», os hábitos que contraímos restringem a nossa liberdade, empurram-nos para estes ou aqueles actos. os hábitos são qualidades reais, impressas em nós mesmos. Adquiridos os hábitos é quase impossível dominá-los: e, contudo, isso poderia ter sido feito a seu tempo. Por isso a responsabilidade principal recai não sobre o acto cometido hoje, mas sobre o hábito contraído ontem (no passado) e que nos inclina a cometer determinado acto hoje.
José Luís Aranguren
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