Os Direitos Humanos
A progressiva consagração dos direitos humanos representa a tentativa mais clara de realização do ideal da justiça. O valor absoluto ou dignidade da pessoa humana converte-se em fonte de direitos a que se convencionou chamar "direitos humanos".
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, por exemplo, é considerada como o reconhecimento lógico do homem como pessoa, ou seja, funda-se na exigência de defender a dignidade da pessoa humana. Dizer que há "direitos humanos" ou direitos fundamentais do ser humano que derivam da sua condição de pessoa, equivale a afirmar que há direitos que todo e qualquer ser humano possui pelo simples facto de ser humano.
Os direitos humanos são direitos de todos os seres humanos: ricos ou pobres, doentes ou saudáveis, crentes ou ateus, do sexo masculino ou do feminino, de toda e qualquer nacionalidade.
A este respeito devemos distinguir direitos humanos e direitos do cidadão. Os direitos do cidadão são direitos políticos, isto é, atribuídos pelo poder legislativo de um determinado Estado: assim, como cidadão do Estado português, tenho o direito ao divórcio enquanto outros Estados não concedem tal direito aos seus cidadãos.
Os direitos humanos não são direitos adquiridos ou outorgados pelo poder político, isto é, não estão, por definição, sujeitos a variações de tempo e de espaço. São direitos universais, isto é, que, longe de nascerem de uma concessão desta ou daquela sociedade política, lhe são loqicamente anteriores e devem constituir o "centro ético" em torno do qual os seres humanos, vivam onde viverem, organizem a vida política, económica e cultural.
Os direitos humanos pretendem-se válidos estejam ou não reconhecidos juridicamente por um,determinado Estado. São exigências morais que os diversos Estados do planeta devem respeitar se quiserem ser considerados legítimos.
Se um Estado não garante aos seus cidadãos ou a certos grupos que habitem no seu território
(por exemplo, certas minorias étnicas como os (urdas na Turquia ou no Iraque) direitos como a inviolabilidade do domicílio, o direito de não poder ser detido arbitrariamente, os direitos à liberdade de expressão, de imprensa, de circulação, de ser tratado igualmente perante a lei, o direito à educação e à liberdade religiosa, etc., então esse Estado será "julgado" como injusto.
O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS |
1- São inerentes à pessoa humana, têm o seu fundamento na dignidade natural de cada ser humano. Por isso, são universais, válidos para toda e qualquer pessoa, independentemente da sua condição sócio-económica, religião, etnia, nacionalidade, "raça" e sexo. 2 - São exigências éticas ("direitos morais") porque representam valores que devem ser respeitados por todos os seres humanos e garantidos pelas leis e pelos governos de todos os países. 3 - São ideias que devem orientar e inspirar os códigos legais de qualquer Estado para que este seja considerado um Estado de direito. Quando a legislação concreta de um Estado os contempla passam a integrar o Direito positivo deste, o que dá mais garantias quanto ao seu respeito e protecção. 4 - Existem, mesmo quando não são reconhecidos e cumpridos. Com efeito, nenhum poder político pode retirar-nos (ou dar-nos) esses direitos porque a dignidade humana que é o seu fundamento é algo que temos por sermos pessoas e não algo que depende da vontade dos legisladores. Os direitos humanos são prerrogativas das quais todo e qualquer ser humano é titular, mesmo que nenhum Estado as reconhecesse. |
Em1996, no seu relatório anual sobre violações dos direitos humanos, a Amnistia Internacional descreve um estado de coisas preocupante: 146 países violam, com maior ou menor gravidade, direitos humanos essenciais. Alguns dados: dez mil presos em todo o mundo foram torturados; 4500 pessoas morreram devido a torturas enquanto estavam encarceradas sob custódia policial; países "defensores" dos direitos humanos ganharam milhões de contos na venda de armas a países que as usam para violar sistematicamente direitos do homem.
Quantos cumprem o direito igualitário à educação, à assistência sanitária, a um justo salário? Em quantos não há discriminação entre homens e mulheres no que respeita por exemplo ao acesso ao emprego, à ocupação de cargos políticos e directivos? Em países da economicamente poderosa União Europeia milhões de pessoas não têm emprego ou habitação, vivendo da caridade pública. Se alguns países "ricos e prósperos" são incapazes de cumprir de forma minimamente satisfatória estes direitos fundamentais, como exigi-lo aos países pobres e superpovoados?
Perante esta situação parece pouco consolador dizer que seria muito pior se não existisse a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Contudo, esse marco fundamental existe para recordar à humanidade que há limites para trás dos quais não deve recuar. É em nome dos "direitos humanos", enquanto ideal de justiça universal (sempre revisível e melhorável), que a
humanidade deve agir.
Ao longo da história da civilização ocidental existiram várias fases no reconhecimento dos direitos humanos. São as chamadas três gerações dos direitos humanos.
1ª GERAÇÃO: OS DIREITOS DA LIBERDADE
Nesta fase dá-se a conquista das liberdades individuais e dos direitos de participação política, reivindicações dos revolucionários liberais dos séculos XVII e XVIII na sua luta contra as monarquias absolutas: direito à vida e à integridade física; liberdade de pensamento e de expressão; garantias processuais no caso de sermos acusados de delito; protecção do direito à intimidade e à boa reputação; direito a eleger os governantes mediante o voto, etc. Este conjunto de direitos está relacionado com o conceito de Estado de direito da tradição liberal. Um Estado de direito é todo e qualquer sistema político que respeita as liberdades fundamentais de modo que ninguém - nem governantes nem governados - se encontra acima da lei.
2ª GERAÇÃO: OS DIREITOS DA IGUALDADE
Nesta fase desenvolvem-se os direitos económicos, sociais e culturais, ou seja, o direito à educação, à assistência sanitária, à protecção contra o desemprego, a um salário digno, ao descanso e ao lazer, a uma reforma digna, ao acesso aos bens culturais. Foi o movimento operário durante os séculos XIX e xx que desempenhou o papel de protagonista na luta pelo reconhecimento destes direitos. O reconhecimento conjunto dos direitos da 1.ª e da 2.ª geração deu origem a um novo modelo de Estado: o Estado social de direito. Esta designação significa que não se trata simplesmente de assegurar que os cidadãos sejam "iguais perante a lei", mas que se procura aplicar as medidas necessárias para que todos acedam aos bens básicos necessários para tomar parte na vida política e cultural.
3ª GERAÇÃO: OS DIREITOS DA SOLIDARIEDADE
São direitos básicos dos quais se começou a falar há poucos anos: direito a viver em paz e a desenvolver-se num meio ambiente são (não contaminado). É evidente que se não se cumprem estes direitos não parece possível que se possam exercer realmente os direitos da liberdade e da igualdade. Neste caso, não basta que se tomem medidas no interior de um Estado. É necessário um esforço de solidariedade entre todas as nações e povos do planeta. O cumprimento dos direitos de solidariedade exige um trabalho conjunto da comunidade internacional para lutar contra condições adversas: a falta de recursos, a deterioração do meio
ambiente, a guerra e as injustiças. Protagonistas fundamentais na reivindicação efectuada destes direitos têm sido os movimentos pacifistas e ecologistas em geral. Cada uma das três gerações dos direitos humanos exprime exigências ligadas ao respeito pela dignidade humana e, no seu conjunto, fundam-se em três valores básicos da tradição política da modernidade: liberdade, igualdade e solidariedade.
Fonte: Adela Cortina, Filosofia, Santillana, Madrid, 1996
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