quarta-feira, 9 de março de 2011

CORRECÇÃO DA PROVA INTERMÉDIA DE FILOSOFIA - 10º ANO


A PROVA INTERMÉDIA DE FILOSOFIA
10º ANO
 22 DE FEVEREIRO DE 2011
CORRECÇÃO
GRUPO I

1. Leia o Texto A.
TEXTO A
Aquilo que decidimos fazer é uma acção que está ao nosso alcance, sobre a qual deliberámos e que desejamos fazer. Portanto, a decisão será um desejo deliberativo de fazer algo que está ao nosso alcance; pois, quando o deliberar resulta num juízo, desejamos em conformidade com a nossa deliberação.
Aristóteles, Ética a Nicómaco, 1113a 9 - 12
Na resposta a cada um dos itens 1.1. e 1.2., seleccione a opção que permite obter a única afirmação adequada ao sentido do Texto A.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

1.1. A deliberação é
(A) eliminação do desejo.
(B) contrária ao desejo.
(C) necessária à decisão.
(D) consequência da decisão.

COMENTÁRIO:
Partindo do princípio de que se trata de acções relativamente complexas, há a dizer o seguinte:
A alínea A) é falsa porque as nossas deliberações estão associadas a crenças e desejos.
A alínea B) é falsa porque com a deliberação procuramos na medida do possível realizar o que desejamos. O resultado é que pode ser contrário ao desejo. A deliberação é, no caso das acções mais complexas, uma avaliação das alternativas que o agente tem ao seu dispor. De acordo com os desejos do agente, a deliberação visa optimizar os efeitos da acção.  
A alínea D) é falsa porque a deliberação antecede normalmente a decisão.

1.2. A decisão é uma escolha
(A) fora do domínio da acção.
(B) independente da deliberação.
(C) sempre precipitada.
            (D) sobre o que está ao nosso alcance.

COMENTÁRIO:
Adoptando uma perspectiva um pouco simplificada podemos dizer o seguinte:
A alínea A) é falsa porque a decisão é um dos componentes da rede conceptual ou explicativa da acção.
A alínea B) é falsa porque as nossas acções envolvem um processo deliberativo (no caso em que temos de avaliar as alternativas ao nosso dispor) e de escolha que se baseia em razões.


2. Leia o Texto B.
TEXTO B
Quem não haja programado a sua vida tendo em vista um determinado objectivo, é impossível que regule convenientemente as suas acções particulares […]. Os nossos projectos extraviam-se porque não têm direcção nem ponto de mira.
Montaigne, Ensaios, Lisboa, Relógio d’Água, 1998, p. 165

Explicite o conceito relativo à acção humana presente no Texto B.
RESPOSTA
O conceito presente no texto é o conceito de fim ou de finalidade. Todas as acções têm em vista um certo objectivo ou fim. Sem essa meta ou finalidade, as nossas acções são acções para nada ou sem rumo. Ora não há projectos sem algo que se visa alcançar e para o qual os nossos esforços se dirigem. A finalidade esclarece – nos sobre o que motiva o agente a agir. Por outras palavras, só faz sentido falar de motivo ou razão de ser de uma acção se esta estiver orientada para a realização de uma finalidade. Querer ser admitido no curso de Engenharia Civil - finalidade da acção - permite compreender a minha intenção – entrar na faculdade - o meu empenho no estudo, o meu compromisso com um plano que tracei e o motivo ou motivos – conseguir uma profissão bem remunerada, criativa, etc. Escolhi esse objectivo tendo em conta os meus desejos – quero ser engenheiro - e as minhas capacidades – acredito que é o melhor para mim e que sou capaz de ser bem sucedido. Da deliberação que avaliou as alternativas ao meu dispor e me fez decidir por Engenharia Civil – poderia seguir Medicina ou Ciências Biomédicas - espero que a consequência seja o melhor resultado para as minhas ambições.
3. Leia o Texto C.
TEXTO C
Por um lado, um conjunto de argumentos muito poderosos força-nos à conclusão de que a vontade livre não existe no Universo. Por outro, uma série de argumentos poderosos baseados em factos da nossa própria experiência inclina-nos para a conclusão de que deve haver alguma liberdade da vontade, porque […] todos a experimentamos em todo o tempo.
John Searle, Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa, Edições 70, 2000, p. 108


3.1. Identifique o problema filosófico abordado no Texto C.

RESPOSTA

O problema exposto no texto é o problema do livre – arbítrio e da sua possível conciliação com o determinismo que parece reinar no universo. Outras formas de identificar o problema seriam as seguintes: «Será que somos livres ou todas as nossas acções são determinadas?», «Será que o livre – arbítrio é uma ilusão?».

3.2. Exponha duas críticas à teoria do determinismo radical, a partir do argumento presente no Texto C.
RESPOSTA

Podem apresentar – se as duas seguintes críticas:
1 - As decisões do ser humano decorrem das suas deliberações e não de acontecimentos anteriores (crítica libertista). É difícil admitir que a decisão de no 10º ano escolher o curso de Humanidades conduza necessariamente a ingressar no curso universitário de Relações Internacionais. Posso interromper esse pretenso encadeamento causal e mediante a minha vontade escolher outro curso – e mesmo que tenha sido Relações Internacionais isso deve – se ao facto de eu o ter querido. A minha decisão não é o desfecho necessário de um acontecimento passado. Não escolho livremente ter asma, tensão arterial elevada, ou cumprir a lei da gravidade. Contudo, tenho a experiência bastante persuasiva de que escolho livremente se caso ou não, se leio um livro ou uma revista. Embora essas decisões possam ser influenciadas por vários factores, não são causalmente determinadas por condições anteriores (estados psicológicos anteriores ou factores externos).
2 - Sem liberdade de escolha ou livre – arbítrio não faz sentido falar de responsabilidade moral e legal. Se a responsabilidade for uma ilusão, fará sentido elogiar e censurar alguém por actos respectivamente bons e maus? Como punir e castigar, como acontece frequentemente, se, segundo o determinismo radical, não escolhemos realmente o que fazemos?
Imaginemos que omito alguns elementos na minha declaração de impostos. Fiz algo que não devia. Se reconheço que fiz algo que não devia – ou que devia ter agido de outra maneira, correctamente – é porque também reconheço que poderia não ter feito o que fiz. Só há deveres para quem os pode cumprir ou infringir. Mas se todas as minhas acções forem determinadas não há a possibilidade de ter agido diferentemente. Assim, não sou responsável pelo que faço porque não pude evitar fazê – lo.
Muitos críticos do determinismo radical pensam que não é possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral. Por outro lado, os nossos juízos morais perderão qualquer fundamento. Se o determinismo implica a negação da liberdade e da responsabilidade, se é verdade afirmar que as nossas acções são o resultado de causas que de modo algum podemos controlar, que diferença moral há entre um criminoso como Hitler e o Dalai Lama? Não agiram simplesmente como foram determinados a agir? Assim sendo, faz sentido condenar Hitler e admirar o Dalai Lama? Não está tudo errado?
Nota: Crítica do determinista moderado – Uma acção pode ser determinada e ao mesmo tempo livre. Assim sendo, podemos ser responsabilizados pelas acções que praticamos livremente. O erro do determinista radical é o de julgar que uma acção livre seria uma acção sem causa alguma (o que não admite por não ser cientificamente credível ou respeitável). O determinista moderado concebe a liberdade de outro modo: livre é a acção que tem como causa os desejos e crenças de um indivíduo, isto é, uma acção cuja causa não são forças externas ao agente. Assim se alguém, apontando-me uma pistola à cabeça, me força a assaltar a casa do meu vizinho, a causa imediata da acção é externa. A acção é realizada por mim, mas a sua origem não está em mim. Trata - se de uma acção compelida, contrária aos meus desejos (não quero assaltar a casa do vizinho) e às minhas crenças (considero errado ou perigoso roubar).
GRUPO II
1. Leia o Texto D.
TEXTO D
Enquanto acto de autoprotecção […], podemos fazer o que for necessário para nos defendermos, mesmo que isso implique a morte do atacante […]. O efeito bom é a preservação da nossa vida, sendo o efeito mau a perda da vida do atacante.
David S. Oderberg, Ética Aplicada, Lisboa, Principia, 2009, p. 233

1.1.  Relacione a noção de preferência valorativa com a situação descrita no Texto D.
RESPOSTA

Os valores são os critérios das nossas preferências (são os motivos fundamentais das nossas decisões). Ao tomarmos decisões agimos segundo valores que constituem o fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) de tais decisões. Os valores exprimem, em grande parte, aquilo que julgamos que é importante e significativo na nossa vida.
No exemplo referido houve um conflito de valores que se traduziu numa escolha ou preferência valorativa: a minha vida tem mais valor do que a vida de quem me ataca. Entre matar e ser morto preferi matar para preservar a minha vida. Foi em nome desse valor – a auto – protecção ou preservação da minha vida – que agi. Repare – se que, dado o dramatismo da situação, não é o valor da vida em abstracto que conta. O que conta é a minha vida ou a sua protecção e continuidade nem que isso se faça à custa da vida de outrem.


1.2.  Dê um exemplo de outra situação de conflito de valores.
RESPOSTA

Os dilemas morais são situações nas quais nenhuma solução é satisfatória. Qualquer solução tem como resultado sofrimento e perda.
Partindo do princípio de que por conflito de valores se entende a vivência de dilemas morais, eis alguns exemplos:
1.O DILEMA DE TRUMAN - O presidente americano Harry Truman decidiu lançar a primeira bomba atómica sobre a cidade japonesa de Hiroxima, matando de uma vez só mais de cem mil pessoas (civis inocentes). Truman queria pôr fim à guerra o mais depressa possível e obrigar o governo japonês a render-se. Quis evitar a perda de muitos milhares de soldados e civis que teria lugar se a guerra se prolongasse. Lançar a bomba sobre Hiroxima tinha previsivelmente melhores consequências do que não o fazer. Mas, para salvar a vida de muitos milhares de pessoas, Truman sacrificou a vida de outras pessoas inocentes. Será que é correcto matar inocentes para salvar outras vidas? Foi com este problema que Truman provavelmente se debateu.
2.TORTURAR OU NÃO TORTURAR EIS A QUESTÃO - No meu país, a tortura de prisioneiros de guerra é proibida. Sou tenente do Exército e recebo um prisioneiro recém-capturado que grita: “Alguns de vocês morrerão às 21h35”. Suspeita-se que ele sabe de um ataque terrorista a um bar frequentado por muitos militares e também alguns civis. Para saber mais e salvar muitas vidas, será legítimo torturá - lo? Se a decisão for a de torturar o prisioneiro abre – se um precedente que vai legitimar futuras torturas em prisões. Se considerar que o correcto é não torturar o prisioneiro, poderá dar – se o caso de deixar morrer inocentes. O que vale mais: Várias vidas ou uma norma? As regras não devem ser transgredidas nem para salvar inocentes?


2. Na resposta a cada um dos itens 2.1. a 2.4., seleccione a opção que permite obter a única afirmação correcta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

2.1. Considerar que os valores são objectivos significa considerar que os valores são
          (A) objectos de preferência.
(B) relativos ao sujeito que valora.
(C) objectos estimáveis.
(D) independentes do sujeito que valora.
            COMENTÁRIO:
A alínea A) é falsa porque os valores não são objectos de preferência mas sim os critérios segundo os quais preferimos uns objectos a outros.
A alínea B) é falsa porque os valores objectivos são valores que se referem à realidade tal como ela e não ao modo como o sujeito a interpreta ou vê. Não dependem da opinião ou ponto de vista de cada pessoa.

A alínea C) é falsa porque os valores sejam objectivos ou subjectivos são o critério ou a razão que torna estimáveis certos objectos. Não são objectos estimáveis.

2.2. Os valores éticos são
(A) critérios para a escolha da melhor acção.
(B) formas determinadas de acção.
(C) normas legais para regular a acção.
(D) programas orientadores de acção.
COMENTÁRIO:
A alínea B) é falsa porque os valores não são tipos de acções mas sim critérios que permitem preferir um certo tipo de acções a outro. Agimos sempre segundo valores que constituem o fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) das nossas acções.
A alínea C) é falsa porque os valores não são normas ou regras de acção. As normas morais, por exemplo, inspiram – se em valores e exprimem determinados valores mas não são valores. Um valor moral como a liberdade, justifica ou legitima a norma que prescreve «Não deves privar os outros da sua liberdade». Um valor como a dignidade e a sacralidade da vida humana justifica ou está na base de normas como «Não matarás inocentes» ou «Promove e protege a vida humana». Os valores são exigências ideais e as normas legais e morais são as formas mediante as quais uma sociedade, num certo momento histórico, pretende ver concretizados os valores que preza ou a que atribui importância.
A alínea D) é falsa porque os valores não são meros instrumentos ao serviço de certas acções. Um programa serve para levar a cabo uma acção ao passo que os valores são os fundamentos em que a acção se deve inspirar. As acções estão – ou devem estar - ao serviço dos valores e não inversamente.

2.3. Segundo o relativismo cultural,
(A) os valores actuais são melhores do que os do passado.
(B) os critérios para avaliar as acções são variáveis.
(C) os critérios para avaliar as acções são absolutos.
(D) os valores são espirituais e intemporais.
COMENTÁRIO:
A alínea A) é falsa porque a relatividade dos valores segundo o relativismo cultural implica não só que uma sociedade não tem legitimidade para ser juiz de outra culturalmente diferente em questões morais como também que, no interior de uma mesma cultura, a sociedade presente com os seus padrões não tem legitimidade para julgar formas ou padrões de comportamento passados. Teria de haver para este tipo de avaliação um padrão moral objectivo, coisa que o relativista não admite.

A alínea C) é falsa porque, segundo o relativismo moral cultural, os valores são simplesmente ideias ou crenças que existem na mente dos seres humanos e dependem do modo como sentimos e somos educados pelo meio em que nascemos e vivemos. Os valores relativos são valores que só valem para algumas pessoas ou apenas numa determinada época. Os valores absolutos são valores que valem independentemente de todas as pessoas e de qualquer época.
A alínea D) é falsa porque há valores materiais como o dinheiro e a riqueza. Valores cada vez mais transitórios devido aos caprichos dos …. mercados.

2.4. O diálogo entre culturas implica
(A) a valorização da cultura ocidental.
(B) a desvalorização da racionalidade.
(C) a possibilidade de acordo valorativo.
   (D) a indiferença relativa a costumes e a valores.
COMENTÁRIO:

A alínea A) é falsa porque o diálogo intercultural assume que as diversas culturas só dialogam em pé de igualdade. Não se trata nem de desvalorizar nem de reabilitar a cultura ocidental.

A alínea B) é falsa porque sem racionalidade não há diálogo.

A alínea D) é falsa porque a indiferença relativa a valores e costumes seria sinónimo de que vale tudo. Nesse sentido, e partindo do princípio de que se dialoga para chegar a um acordo ou a uma forma de convivência sã, a indiferença minaria as bases do diálogo.



GRUPO III

1. Leia os Textos E e F.
TEXTO E
Conseguimos portanto mostrar, pelo menos, que, se o dever é um conceito que deve ter um significado e conter uma verdadeira legislação para as nossas acções, esta legislação só se pode exprimir em imperativos categóricos, mas de forma alguma em imperativos hipotéticos.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960, pp. 61 – 62

TEXTO F
O objecto da ética é dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por que meios podemos conhecê‑los; mas nenhum sistema de ética exige que o único motivo de tudo o que façamos seja um sentimento de dever. […] O motivo nada tem a ver com a moralidade da acção, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correcto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo.
John Stuart Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 65.

1.1.Distinga imperativo categórico de imperativo hipotético, considerando o Texto E.

RESPOSTA
Qualquer imperativo é uma obrigação. Contudo, segundo Kant, há obrigações condicionais ou relativas e obrigações incondicionais ou absolutas. Consideremos as seguintes ordens ou mandamentos:
a) «Deves ser honesto se quiseres ficar bem visto perante os vizinhos do teu bairro.
b) «Deves ser honesto porque esse é o teu dever!»
A obrigação a) é um imperativo hipotético. Apresenta-se uma regra (deves ser honesto) e a razão pela qual ela deve ser seguida. O cumprimento da regra está associado a uma condição: «Se queres ficar bem visto deves ser honesto». Trata-se de um imperativo hipotético. Diz que no caso de querermos ser compensados devemos ser honestos. O cumprimento do dever subordina-se a uma condição e por isso cumprindo o dever estamos, contudo, a fazê-lo por interesse. Só tenho a obrigação de estudar medicina na condição de querer ser médico. Caso mude de ideias e abandone o projecto de vir a ser médico, também a obrigação de estudar medicina desaparece. Com a palavra “hipotético”, Kant está a referir-se às obrigações que adquirimos apenas na condição – ou hipótese – de termos um certo desejo ou projecto, mas não sempre.   
A ordem «Deves ser honesto porque esse é o teu dever!» é um imperativo categórico. Ao contrário de a) estamos aqui perante uma ordem incondicionada, na medida em que não se submete a qualquer condição para que realizemos uma certa acção. Devo ser honesto porque é meu dever ser honesto em todas as circunstâncias possíveis e não por causa de qualquer interesse. Diz-nos que devemos ser honestos porque esse é o nosso dever e não porque é do nosso interesse.
Kant chamou às obrigações que não temos apenas em certas condições imperativos categóricos. “Categórico” tem, neste contexto, o mesmo significado que a palavra “absoluto”. As nossas obrigações morais são, portanto, categóricas, e não hipotéticas. Na verdade, se a moral consistisse em seguir regras hipotéticas, teríamos a obrigação, por exemplo, de cumprir a palavra dada apenas em certas condições, mas não sempre. Esta obrigação dependeria, digamos, do desejo de ficarmos bem vistos aos olhos de Deus ou aos olhos dos outros, do desejo de agradar a alguém, etc. Se agradar a Deus ou aos outros deixasse de nos preocupar, a obrigação de cumprir a palavra dada simplesmente desapareceria. Ora, não é isso que acontece. Continuamos a ter o dever de cumprir com a palavra dada quer isso nos agrade quer não. Kant introduziu esta distinção para evidenciar que a lei moral tem a forma de um imperativo categórico ou absoluto, ou seja, que cumprir o que ela exige - «Age por dever!» - é uma obrigação absoluta.



1.3.  Interprete o exemplo dado no Texto F segundo a perspectiva ética do autor.

RESPOSTA
O texto responde à seguinte questão. «Em que consiste ou de que depende o valor moral de uma acção? Do motivo ou das consequências?». A resposta é clara. Uma acção é moralmente correcta se dela resultarem boas consequências. O motivo da acção não serve para avaliar a acção mas sim o carácter do agente. John Stuart Mill, um filósofo inglês do século XIX, foi um crítico severo de Kant – no texto é evidente essa oposição - e um dos mais famosos defensores de uma moral consequencialista. Mill pensava que o que conta são as consequências das acções e que temos a obrigação moral de optar sempre pela acção que melhores consequências tenha para todos os envolvidos, ou que evite a maior quantidade de sofrimento possível. No caso, a acção tem valor moral ou é moralmente correcta porque independentemente de ter sido feita de boa ou de má vontade, por dever ou por interesse, a consequência foi boa: salvou – se alguém de morrer afogado. O texto começa com a seguinte frase: «O objecto da ética é dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por que meios podemos conhecê‑los». Mill quer dizer que a forma de conhecermos o que devemos fazer em cada circunstância consiste em avaliar as consequências do que fazemos.


2. Compare a ética de Kant com a ética de Stuart Mill.
Na sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes aspectos:
• o princípio ético da autonomia da vontade em Kant e o princípio ético da maior felicidade em Stuart Mill;
• o critério de moralidade em Kant e em Stuart Mill.
RESPOSTA
O que caracteriza, em termos gerais, as teorias éticas de Kant e Mill é tentarem esclarecer o critério (princípio fundamental) que torna possível determinar que espécies de acções são correctas e que normas morais devem ser seguidas.
A ética utilitarista é consequencialista porque considera nossa obrigação moral básica agir tendo em vista as melhores consequências. E que são boas consequências? Para Mill, a moralidade de uma acção resulta da sua capacidade para produzir o maior bem possível. Por maior bem possível entende Mill a felicidade geral. As acções são moralmente correctas se o seu objectivo for a promoção imparcial da felicidade ou do bem-estar para a maioria das pessoas por elas afectadas. A minha acção é boa ou má, consoante seja útil ou não para o maior número possível de pessoas. A teoria ética de Stuart Mill assume-se claramente como uma teoria consequencialista, na medida em que a moralidade da acção resulta do fim obtido, das consequências produzidas pela nossa acção.
Considera – se que a ética kantiana é deontológica porque defende que o valor moral de uma acção reside em si mesma e não nas suas consequências. As teorias deontológicas tendem a considerar que agir moralmente consiste em cumprir o dever pelo dever - em cumprir o que a lei moral exige de forma categórica. Há deveres absolutos ou, como diz Kant, perfeitos. O cumprimento destes deveres é obrigatório independentemente das consequências. Kant não admite que se cumpra o dever em virtude das desejáveis consequências que daí possam resultar. Seria deixar o cumprimento do dever ao sabor das circunstâncias, dos interesses do momento. Isso implicaria que, quando não tivéssemos vantagem ou interesse em cumprir o dever, não haveria razão alguma para o fazer. Se a bondade da vontade depender das consequências não se pode falar de autonomia da vontade. Ser autónomo significa que dependemos apenas de nós próprios – e não dos outros ou das circunstâncias – para orientarmos a nossa vida. Ser autónomo, pensava Kant, implica agir com base em critérios ou regras que somos nós próprios a ditar, de acordo com a nossa consciência racional. Se as regras morais nos fossem impostas de fora, por Deus, não haveria autonomia, não seríamos nós a ditar as regras. Portanto, não seríamos realmente livres.
A ética utilitarista de Mill, sendo hedonista e consequencialista não é compatível com a perspectiva kantiana. É muito diferente decidir manter uma promessa porque isso é justo do que manter uma promessa porque isso vai causar mais felicidade ou bem – estar e prazer do que o contrário. Segundo Kant, a ética utilitarista basear – se – ia num imperativo hipotético: «Se queres agir de modo correcto não penses apenas no teu bem – estar ou felicidade mas dá tanta ou mais importância à felicidade geral». Se a moral consistisse apenas em seguir regras hipotéticas, teríamos a obrigação, por exemplo, de não matar apenas em certas condições, mas não sempre. Por isso, a ética utilitarista pode permitir em certas situações problemáticas que obrigações importantes sejam violadas conduzindo como alguns críticos apontam a práticas imorais. Mas será que uma boa vontade, por mais virtuosa e louvável que seja, é suficiente para resolver casos de conflito moral? Para Kant, não devemos mentir nunca. Mas quererei eu que este princípio de acção se aplique universalmente a todos os casos possíveis de acção? Não haverá situações em que é preferível mentir do que dizer a verdade, ou seja, em que é moralmente mais correcto mentir do que dizer a verdade, como no caso de mentir com vista a salvarmos a vida de uma pessoa?
OUTRO TIPO DE RESPOSTA
Segundo a perspectiva deontológica de Kant, o que é uma acção moralmente boa? É uma acção feita por dever, que cumpre a lei moral considerando – a um imperativo categórico.
Segundo a perspectiva consequencialista de Mill, o que é uma acção moralmente boa? É uma acção cujos resultados contribuem para o aumento da felicidade ou para a diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afectadas. A este princípio ético básico deu Mill o nome de Princípio de Utilidade.
Qual é a importância das consequências e da intenção na avaliação da acção? Segundo Kant, os bons resultados da acção não são de desprezar mas o que conta é a intenção ou o motivo que nos leva a cumprir o dever quando o cumprimos. A vontade deve ser autónoma. Se a bondade da vontade depender das consequências não se pode falar de autonomia da vontade. Ser autónomo significa que dependemos apenas de nós próprios – e não dos outros, de Deus ou das circunstâncias – para orientarmos a nossa vida. Ser autónomo, pensava Kant, implica agir com base em critérios ou regras que somos nós próprios a ditar, de acordo com a nossa consciência racional.
Segundo Mill, a acção é avaliada pelas suas consequências e o motivo ou a intenção não são decisivos porque se referem ao carácter do agente e não à acção em si mesma.
Qual é, segundo as duas perspectivas, o estatuto ou a importância das normas morais convencionais? Segundo Kant, há normas morais absolutas que proíbem o assassínio, o roubo, a mentira e que devem ser incondicionalmente respeitadas em todas as circunstâncias. Não obstante, a moral comum não nos diz como devemos cumpri – las, não nos diz qual é a forma correcta de cumprir o dever: Daí a necessidade de um princípio ético fundamental a que Kant chama lei moral ou imperativo categórico (porque tem a forma de um imperativo categórico). Segundo Mill, há normas morais que se tem revelado úteis para organizar a vida dos seres humanos mas devemos ter em conta que nem sempre o seu cumprimento produz bons resultados. Daí não haver normas morais absolutas.
Qual é o fim último das acções humanas? Segundo Kant, o fim último da acção moral é o respeito pela pessoa humana, pelo valor absoluto que a sua racionalidade lhe confere. A felicidade é um bem mas não deve influenciar as nossas escolhas morais. O egoísmo, impedindo acções desinteressadas e imparciais – autónomas - é o grande inimigo da moralidade. Segundo Mill, a felicidade é o objectivo fundamental da acção moral embora não se trate da felicidade individual nem da felicidade que se traduza na redução do bem – estar da maioria das pessoas a quem a acção diz respeito. O egoísmo é também condenado porque impede que se tenha em vista um fim objectivo que é a maior felicidade para o maior número possível de pessoas.

A ética utilitarista de Mill, sendo hedonista e consequencialista não é compatível com a perspectiva kantiana. É muito diferente decidir manter uma promessa porque isso é justo do que manter uma promessa porque isso vai causar mais felicidade ou bem – estar e prazer do que o contrário. Segundo Kant, a ética utilitarista basear – se – ia num imperativo hipotético: «Se queres agir de modo correcto não penses apenas no teu bem – estar ou felicidade mas dá tanta ou mais importância à felicidade geral». Se a moral consistisse apenas em seguir regras hipotéticas, teríamos a obrigação, por exemplo, de não matar apenas em certas condições, mas não sempre. Por isso, a ética utilitarista pode permitir em certas situações problemáticas que obrigações importantes sejam violadas conduzindo como alguns críticos apontam a práticas imorais. Mas será que uma boa vontade, por mais virtuosa e louvável que seja, é suficiente para resolver casos de conflito moral? Para Kant, não devemos mentir nunca. Mas quererei eu que este princípio de acção se aplique universalmente a todos os casos possíveis de acção? Não haverá situações em que é preferível mentir do que dizer a verdade, ou seja, em que é moralmente mais correcto mentir do que dizer a verdade, como no caso de mentir com vista a salvarmos a vida de uma pessoa?








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