terça-feira, 1 de março de 2011

ESQUEMA SOBRE O PROBLEMA DA EXISTÊNCIA DE DEUS


O problema da existência de Deus
1.O argumento ontológico de Santo Anselmo



«Portanto, Senhor, Tu que dás o entendimento da fé, concede-me que, quanto sabes ser-me conveniente, entenda que existes como acreditamos e que és o que acreditamos [seres]. E na verdade acreditamos que Tu és algo maior do que o qual nada pode ser pensado.
Acaso não existe uma tal natureza pois o insensato disse no seu coração: «não há Deus»?
Mas com certeza esse mesmo insensato, quando ouvir isto mesmo que digo, algo maior do que o qual nada pode ser pensado, entende o que ouve e o que entende está no seu intelecto ainda que não entenda que isso exista. Com efeito, uma coisa é algo estar no intelecto, outra é entender que esse algo existe. Com efeito, quando o pintor concebe previamente o que vai fazer, tem isso mesmo no intelecto, mas ainda não entende que exista o que não fez. Mas quando já pintou, não só o tem no intelecto como entende que existe aquilo que já fez. E, de facto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado não pode existir apenas no intelecto. Se está apenas no intelecto pode pensar-se que existe na realidade, o que é ser maior.
Se, portanto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado está apenas no intelecto, aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado é aquilo relativamente ao qual pode pensar-se algo maior. Existe, portanto, sem dúvida, algo maior do que o qual nada é possível pensar não apenas no intelecto mas também na realidade.»
Santo Anselmo, Proslogion
Explicitação do argumento

1 – Tenho no meu entendimento a ideia de Deus (como mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm a ideia de Deus na sua mente, então todos temos no nosso entendimento a ideia de Deus).
2 –A ideia de Deus é a ideia de «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar».
3 - Aquilo que existe na mente (entendimento) e na realidade é maior do que aquilo que existe apenas na mente.
4 – Se Deus, o maior ser concebível) existir somente no entendimento então podemos conceber algo maior do que Deus (Se Deus for uma simples ideia, algo que só existe na nossa mente, então tudo o que existe na realidade é maior do que Deus)
5 – Ora é contraditório dizer que há algo maior do que o ser maior do que o qual nada se pode pensar.
6 - Portanto, «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» existe tanto na mente como na realidade, ou seja, Deus não pode não existir (existe necessariamente).
COMENTÁRIO
O argumento é dirigido contra pessoas como o insensato (o ateu) do Salmo, 14, 1 da Bíblia, que dizem que Deus não existe. A estratégia de Santo Anselmo consiste em mostrar que as pessoas que negam a existência de Deus na realidade (fora da mente) não podem negar que ele exista nas suas mentes. Mesmo os insensatos compreendem a definição que é dada de Deus porque negar Deus exige que se compreenda ou tenha a ideia daquilo que se está a negar. Assim Deus existe pelo menos como uma ideia na nossa mente ou no nosso entendimento, isto é quer na mente do crente quer na mente do ateu. A questão é saber se é logicamente admissível dizer Deus só existe na nossa mente.
Anselmo pede-nos para imaginar que sim e para retirarmos as consequências lógicas de uma tal afirmação. Então suponhamos que Deus, «aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado» tem uma mera existência mental. Será que esta afirmação é logicamente compatível com a ideia de que não podemos conceber nada maior ou mais perfeito do que Deus? Anselmo conclui que não porque se Deus fosse uma simples ideia - se só tivesse existência mental - poderíamos pensar em algo maior do que Deus (ou em um Deus ainda maior). Como existir na realidade é superior a existir só no pensamento e não posso conceber um ser maior do que Deus, Deus tem de existir quer no pensamento quer na realidade.
Críticas
1.O argumento assume como pressuposto que a existência é um predicado, uma propriedade que não pode faltar a um ser perfeito.

Immanuel Kant dirigiu uma célebre crítica a esta versão do “argumento ontológico”. Kant interpreta o argumento do seguinte modo:
Deus é um ser absolutamente perfeito.
Se Deus não existisse não seria perfeito (faltar-lhe-ia uma perfeição ou propriedade fundamental).
Logo, Deus tem de existir.
A crítica de Kant: A existência não é um predicado

Os predicados são geralmente usados para definir e caracterizar coisas. Quando, por exemplo, dizemos «o quadrado é a figura geométrica com quatro lados e quatro ângulos iguais» estamos a usar os predicados «figura geométrica», «quatro lados iguais» e «quatro ângulos iguais» para definir quadrado. Do mesmo modo, quando dizemos que Deus é omnipotente, omnisciente, etc., estamos a usar os predicados «é omnipotente», «é omnisciente», etc, para definir Deus.
Mas será a existência um predicado? Kant, um dos grandes críticos do argumento ontológico, diz que não. Quando digo que George Bush existe não estou, segundo Kant, a atribuir um predicado ou qualidade a esse indivíduo mas simplesmente a dizer que um sujeito possuidor de certos predicados é uma realidade efectiva e não um simples conceito na minha cabeça.
Anselmo parte do pressuposto de que a existência é uma propriedade ou predicado que uma coisa pode ter ou não ter. Declara que ter essa propriedade é melhor do que não a ter e conclui que Deus, ser maior do que o qual nada é possível (perfeito) tem de possuir esse predicado sob pena de ser imperfeito e inferior a outros seres.
Segundo Kant todo este elaborado raciocínio perde o seu carácter persuasivo porque a existência não é um predicado mas a condição da realidade efectiva de qualquer predicado.

2.O argumento cosmológico de São Tomás de Aquino



A existência de Deus pode ser provada por cinco vias.
A segunda via resulta da natureza da causa eficiente. Vemos que no mundo dos sentidos existe uma ordem das causas eficientes. Não há nenhum caso conhecido (nem, na verdade, é possível) no qual se verifique que uma coisa é a causa eficiente de si mesma; pois, desse modo, seria anterior a si mesma, o que é impossível. Ora, não é possível regredir infinitamente nas causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa da causa intermédia, e esta, quer seja várias ou apenas uma, é a causa da causa última. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não existisse uma causa primeira entre as causas eficientes, não existiria uma causa última nem nenhuma causa intermédia. Mas se for possível regredir infinitamente nas causas eficientes, não existirá uma primeira causa eficiente, nem existirá um último efeito, nem quaisquer causas eficientes intermédias; e tudo isto é completamente falso. Portanto, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus.
São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte a, 2, 3.

Explicitação
1 – Algumas coisas são causadas
2 – Nenhuma coisa é causa de si mesma.
3 – Tudo o que é causado é causado por outra coisa, por algo diferente de si.
4 - Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas.
5 – Se não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas, então tem de existir uma causa primeira que tudo causa e por nada é causada
6 – A essa causa primeira dá-se o nome de Deus.
7 – Logo, Deus existe.
Cada coisa na natureza tem uma causa, esta por sua vez tem outra e esta outra ainda, mas temos de parar em algum lado para que realmente encontremos a explicação da coisa de que partimos e também para que faça sentido falar de uma série de causas. Na verdade, se não houver uma causa primeira (Deus) não há segunda, terceira ou quarta.
Comentário
O argumento não parte da premissa de que tudo o que existe tem uma causa. Isso evita que faça sentido perguntar no final do argumento se Deus também não tem uma causa.
A segunda e terceira premissas afirmam que na natureza um acontecimento é causado por outro que por sua vez depende de outro e assim sucessivamente. O seu nascimento não foi causado por si, nem o do seu pai ou da sua mãe foi causado por eles, etc.
Mas se A é causado por B, B por C, C por D, D por E, e assim sucessivamente, será que a cadeia causal é infinita?
São Tomás não o admite e nega tal hipótese mediante um argumento intermédio que é uma redução ou refutação ao absurdo.
Eis o argumento:
- Suponhamos que há uma cadeia infinita de causas ou uma regressão infinita na cadeia de causas (popularizada na questão do ovo e da galinha). Que consequências tem esta hipótese? São logicamente aceitáveis?
Se as cadeias causais (as ligações causa -efeito) regridem infinitamente não há um primeiro membro da cadeia causal e faltando um primeiro membro também falta uma primeira causa. Mas faltando uma primeira causa falta também um primeiro efeito e outros efeitos intermédios. Como os efeitos intermédios são, por sua vez, causa dos efeitos mais próximos e recentes, segue-se que numa cadeia causal sem primeiro membro não há causas nem efeitos, ou seja, não há realmente membro nenhum. Se as ligações causa - efeito regredissem infinitamente nada haveria no início para desencadear a sua sequência.
Como isso é absurdo prova-se que na natureza as cadeias causais não podem regredir infinitamente.
Assim sendo, tem de haver uma causa primeira que esteja na origem de toda a sequência causal. A essa causa primeira e necessária dá-se o nome de Deus.
Logo Deus existe.
Críticas
1.Não se prova a existência de um Deus que tenha as características do deus das religiões monoteístas.
A primeira causa pode ter sido não Deus mas um conjunto de agentes ou de deuses. Isto invalida a conclusão de que o Deus monoteísta seria a origem do acontecimento a que chamamos causa primeira.
2.O argumento não é sólido porque podemos pensar que o universo existe desde sempre e que não teve um início.
O processo de geração e de destruição pode ser infinito.
3.Dizer que todos os acontecimentos naturais têm uma causa não implica dizer que há uma só causa de tudo.
Se todas as coisas naturais têm uma só causa - que não está na natureza, que é sobrenatural - podemos objectar que se todos os filhos têm uma mãe então há uma mãe de todos os que são filhos, o que é absurdo.
4.Afirmar que cada um dos acontecimentos ou fenómenos naturais deriva de um acontecimento – o poder causal de um ser sobrenatural – que está fora do mundo natural não implica necessariamente afirmar que há um só acontecimento sobrenatural do qual derivam todos os fenómenos naturais. Dizer que todas as pessoas nascem num determinado dia não implica dizer que há um só dia em que todas as pessoas nasceram.
5.Será preciso percorrer toda a série de cadeias causais e culminar numa eventual causa primeira para explicar um acontecimento mais ou memos recente? Parece que não.
Se quisermos explicar porque Hitler invadiu a Polónia em 1939 podemos referir-nos à sua ambição de encontrar espaço vital para os alemães no leste da Europa, à sua vontade de poder e ao seu ódio pelos polacos. Se alguém disser que isto não explica porque invadiu a Polónia então temos de referir-nos às condições económicas e políticas da Alemanha e da Áustria após a primeira guerra mundial, procurando mostrar como essa situação contribuiu para a ascensão de Hitler ao poder e á sua aventura trágica. Se alguém dissesse que ainda não é suficiente, teríamos de referir como era a Alemanha antes da primeira guerra mundial e mostrar como essa guerra contribuiu para que Hitler ascendesse ao poder e anos mais tarde quisesse dominar a Europa. Mas em algum ponto teríamos de parar e encontrar uma explicação. Não precisamos de percorrer toda a história do mundo em sentido regressivo para encontrar as causas da invasão da Polónia pelos exércitos de Hitler em 1939.
6. Não será o BIg Bang um ponto de paragem apropriado? Por que não parar no mundo material?
3. O argumento teleológico ou do desígnio



Suponha que ao atravessar uma mata tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspeccionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que servisse para o que este serve. (...) Tendo este mecanismo sido observado (...), pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projectaram o seu uso. (...) Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. (...) Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projectista. Esse projectista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS.

William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27
Explicitação
Primeira premissa - Se abrirmos um relógio e inspeccionarmos o modo como todas as peças do mecanismo trabalham conjunta e harmoniosamente, compreenderemos que o relógio teve de ser criado por alguém inteligente, o relojoeiro que o fabricou.
Segunda premissa - O universo e os organismos vivos são muito semelhantes aos relógios, isto é, também revelam complexidade e organização e harmonia (desígnio).
Conclusão - Portanto, também o universo e os organismos vivos têm um criador inteligente, que é Deus.
Comentário
O argumento do desígnio tal como o argumento cosmológico parte da observação de dados empíricos, de factos do mundo. No entanto, quanto à sua estrutura há uma diferença importante em relação ao argumento cosmológico. Este é um argumento de forma dedutiva, ao passo que o argumento do desígnio é um argumento analógico, não – dedutivo. Por isso mesmo a verdade da sua conclusão não é necessária mas sim provável. O que ele prova no caso de ser um bom argumento é a forte probabilidade de Deus existir.
O argumento baseia-se numa analogia entre a natureza e um relógio (compara a natureza, o universo, a um relógio).
Um relógio é um objecto que foi concebido com um determinado propósito ou desígnio, isto é, cumpre uma determinada finalidade ou fim (“telos” em grego significa fim; daí a designação de teleológico dada ao argumento).
Ora, a natureza é como um relógio. Tal como as peças do relógio formam um mecanismo que funciona harmoniosamente (cada peça cumpre a função que lhe está destinada no conjunto) porque não foram colocadas ao acaso, também o mundo natural revela, pela harmonia que reina entre as diversas partes, que não foi obra do acaso ou da união fortuita dessas partes (Não é o resultado de causas puramente físicas). Cada coisa na natureza, analogamente às peças do relógio, cumpre uma função. Mesmo que disso não se possa aperceber, está harmoniosamente adaptada àquilo para que aparentemente foi feita. Cada peça do todo que é a natureza ocupa um lugar previamente definido dentro do conjunto.
Assim sendo, tal como não há relógio sem relojoeiro, não há natureza ou universo sem um Criador, ser superiormente inteligente que pôs a natureza a funcionar como se fosse um relógio. Esse Criador, esse grande Relojoeiro, é Deus.
O argumento de Paley compara - estabelece uma analogia – entre um relógio e as coisas e seres vivos do universo para concluir que se, devido a certas características, o primeiro tem um criador inteligente o universo devido a características semelhantes, também foi obra de um ser inteligente.

Críticas
1.Fraca analogia – Um relógio de pulso e um relógio de bolso são suficientemente semelhantes para supormos que foram concebidos por um mesmo relojoeiro. Mas os objectos naturais e os artificiais não são significativamente semelhantes. A analogia entre o universo natural e um relógio é demasiado fraca para que concluamos que tal como um relógio é obra de um ser inteligente que o destinou a uma função, o universo é obra de um Ser Inteligente – de um «Relojoeiro universal» - que o dotou de um propósito e de um conjunto de funções pré – estabelecidas.
2. Não justifica a existência de um único Deus nem de um Deus omnipotente, omnisciente e bom tal como é descrito pelas religiões monoteístas – Mesmo que admitíssemos que a analogia é forte, o argumento só provaria a existência de um Ser inteligente que poderia muito bem não ser o Deus das religiões monoteístas. Por outro lado, o argumento poderia chegar sem qualquer incoerência lógica à conclusão de que a complexidade e subtil ajustamento e harmonia do funcionamento das diversas partes do universo é obra não de um projectista mas sim de vários o que poderia conduzir – nos ao politeísmo.
3. A complexidade dos organismos vivos é para Paley superior à dos objectos implica necessariamente que tenha de ser explicada por uma causa sobrenatural – Deus
Para órgãos dos seres vivos (sobretudo do olho que associa harmoniosamente um aparelho óptico e um aparelho nervoso) são exemplos dificilmente desmentíveis de finalidade ou desígnio na natureza (de que as coisas na natureza foram feitas para um determinado fim, isto é, segundo um plano que atribui a cada uma a função a cumprir). Considera extremamente improvável que a harmonia natural se deva ao encontro acidental de causas puramente naturais. Contudo, na sequência da teoria de Darwin, a biologia actual afirma que a surpreendente harmonia e complexidade dos seres vivos pode ser explicada através de causas simplesmente naturais, sem pressupor um desígnio inteligente e sobrenatural. Essa complexidade dos organismos é o resultado de uma longa evolução regida pela capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio e à transmissão das características com maior valor adaptativo por parte dos mais aptos e fortes na luta pela sobrevivência. A teoria de Darwin enfraquece, de facto, a força do Argumento do Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos sem mencionar Deus como causa. A existência desta teoria acerca do mecanismo de adaptação biológica impede o Argumento do Desígnio de constituir uma demonstração conclusiva da existência de Deus».
UM ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS: O ARGUMENTO BASEADO NO PROBLEMA DO MAL
MAL NATURAL, MAL MORAL E MAL DESNECESSÁRIO
MAL NATURAL
MAL MORAL
MAL DESNECESSÁRIO
O mal natural é o sofrimento que é causado pela natureza – catástrofes como tsunamis e terramotos, doenças, epidemias, etc.
O mal moral é o sofrimento e a dor que os seres humanos infligem uns aos outros (guerras, assassínios, violência gratuita, discriminação, etc.).
Um mal necessário é algo exigido para evitar ou lutar contra um mal maior ou para produzir um bem maior. Certos tratamentos médicos causam sofrimento mas são necessários para evitar a morte ou recuperar e melhorar a saúde. O sofrimento, a dor e a injustiça são necessários se, e só se houver um bem que sem eles não aconteceria.
Um mal desnecessário é o que não evita um mal maior nem promove um bem maior. O sofrimento e a dor são são desnecessários quando não contribuem para nada melhor ou nada de bom.
Tendemos a considerar que os males necessários são moralmente justificáveis e que os males desnecessários não têm justificação moral.

O ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS BASEADO NA EXISTÊNCIA DE MAL DESNECESSÁRIO
1 – Se Deus existisse (Se existisse um ser todo-poderoso, omnisciente e perfeitamente bom) então não haveria mal desnecessário no mundo
2 – Há mal desnecessário no mundo.
3 – Logo, Deus não existe.
COMENTÁRIO
Para negar que o argumento seja aceitável, os defensores da existência de Deus têm de mostrar que há razões plausíveis para considerar que todo o mal que existe no mundo é necessário.
Para defender que o argumento é plausível, os que negam a existência de Deus têm de mostrar que há boas razões para acreditar que pelo menos algum mal existente no mundo é desnecessário.
Vários defensores do argumento afirmam que é evidente haver mal desnecessário no mundo e dão como exemplos o genocídio de Auschwitz e no Ruanda argumentando que seria o cúmulo do cinismo e moralmente inaceitável afirmar desses imensos sofrimentos resultou algum bem.
UM CONTRA – ARGUMENTO: POR QUE RAZÃO UM SER OMNIPOTENTE PERMITE A EXISTÊNCIA DO MAL
A DEFESA DE DEUS MEDIANTE O LIVRE - ARBÍTRIO

  
Muitos teístas afirmam que Deus deve permitir e tolerar mesmo o mal desnecessário de modo a proteger e respeitar a liberdade humana. Segundo o seu argumento, Deus escolheu criar um mundo no qual as criaturas humanas podem realizar escolhas livres. Ora, ter livre-arbítrio significa que somos capazes de fazer boas ou más escolhas. Criando agentes livres, Deus correu um risco. Não podia necessariamente garantir que escolheríamos o bem em vez do mal. Não é logicamente consistente dizer que Deus poderia ter-nos criado livres – com liberdade de escolha - e ao mesmo tempo incapazes de fazer coisas más. Duas proposições como «Os seres humanos têm liberdade de escolha» e «Os seres humanos estão programados para fazer só o bem» não são compatíveis. Portanto o resultado da escolha de Deus ao criar um mundo em que há seres livres e não meros robôs é este: Vivemos num mundo em que há pessoas que escolhem agir de forma virtuosa, boa, solidária e pessoas que escolhem que escolhem agir de forma destrutiva, odiosa, imoral e maldosa.
Se não houvesse mal no mundo então não existiria livre – arbítrio.
A liberdade consiste em fazer boas e más escolhas.
Das nossas más escolhas resulta o mal.
Deus deu – nos a liberdade da qual muitas vezes deriva o mal para que tenhamos valor e dignidade moral quando essa liberdade opta pelo bem.
Deus não quer nem causa o mal.
Logo, a existência do mal é compatível com a existência de um ser omnipotente e benevolente.
DIFICULDADES DESTA FORMA DE DEFENDER DEUS
1.Esta defesa apresenta uma imagem de Deus desinteressado dos assuntos do mundo, indiferente.
Ora um aspecto central da concepção teísta de Deus – a que é própria das religiões monoteístas - é a ideia de que Deus intervem no curso do mundo. Não poderia Deus ter evitado com a sua intervenção anomalias morais como Hitler, Estaline e Pol – Pot que chacinaram milhões de seres humanos? Não poderia Deus permitir más escolhas aos seres humanos mas evitar as suas más consequências?
2.Só se deve permitir o mal em nome de um bem maior mas há males cuja gravidade ultrapassa qualquer bem.
De modo a permitir que agentes livres como nós existam Deus tem de permitir que existam os maus resultados do uso dessa liberdade. Não é profundamente cínico dizer que Deus poderia ter evitado os males terríveis e os horrores da história tais como Hitler, Estaline, a escravatura, etc., mas o preço disso seria excluir os grandes momentos da história humana tais como Mozart, Bach, Leonardo da Vinci, Gandhi, Einstein, Confúcio, Buda, e muitos outros?
3.Mesmo que o mal moral não fosse incompatível com a existência de Deus e mesmo que os seres humanos escolhessem sempre fazer o bem haveria ainda o problema do mal natural.
Mesmo que o valor que atribuímos à posse de livre – arbítrio seja tão importante ao ponto de admitirmos o mal moral resta um problema: que sentido atribuir ao mal natural? A chamada «defesa do livre – arbítrio» não resolve o problema do mal desnecessário porque o desloca do plano moral para o plano natural. Não se consegue perceber que bem maior advém do sofrimento de quem tem cancro, de quem sofre terríveis deformações genéticas, das razias que os terramotos, os tornados e os furacões causam? Ilibaremos Deus se dissermos que tudo resulta do pecado original cometido por Adão e Eva? Ou dizendo que é acção do Diabo? Neste caso não se põe em causa a omnipotência de Deus? E não é sinónimo de gratuita crueldade que paguemos pelos pecados de antepassados imensamente longínquos e cuja existência histórica é mais do que duvidosa? E fará sentido sermos dotados de livre – arbítrio, o que ganhamos com isso se somos julgados pelos actos de antepassados muito remotos?

1 comentário:

  1. O argumento que defende que a existência do mal se justifica porque Deus prefere um mundo com liberdade é suficiente. O problema de sua argumentação é que você diz que o argumento se refere apenas ao livre-arbítrio, ou seja, ao nível das escolhas humanas. Mas quando se fala que Deus cria um mundo com liberdade, não se está dizendo apenas que Ele cria pessoas livres, mas um mundo em que ele não manipula os destinos de modo algum, seja pela manipulação dos homens ou pela manipulação da natureza. Seria um mundo de liberdade, onde os males, humanos ou apenas naturais podem acontecer (senão não podemos falar de mundo de liberdade). O mal seria o preço da liberdade.
    Quanto aos grandes ditadores e suas atrocidades,não podemos dizer que faz sentido que Deus os manipule para escolherem o bem, é um risco que a humanidade corre diante da liberdade que lhe é natural. Mesmo diante deste ditadores, será que se não houvesse um grande mal como o holocausto, será que haveria um repúdio tão grande aos grandes ditadores como se passou a ter depois de Hitler? Será que os estudos de eugenia teria parado? Será que as atrocidades contra o povo em ditaduras, mesmo em escala em menor, mas por tempo maior não teria causado mais vítimas na história recente? Não estou dizendo que o holocausto não foi um mal, foi sem dúvida e deve ser sempre repudiado, mas apenas coloco este comentário, para apontar que nem sempre sabemos o alcance a longo prazo dos acontecimentos (não temos como saber) e se as consequências serão boas ou más. Depois da revolução francesa houve um tempo de terror, liderado por Robespierre - um grande lider da revolução -, foi sem dúvida uma época horrível, onde muitos inocentes morreram. Isso foi algo ruim, sem dúvida. Mas se hoje temos democracia é porque existiram revoltas contra o absolutismo (nem sempre com consequências imediatas boas. Se um vulcão entra em erupção e destrói uma cidade. Muitos morrem, mas pode ser que aconteça de o material lançado no solo fertilize a terra e dê muita fartura para os povos futuros, se isso acontece (como ficam estes que vivem melhor por causa da erupção?). Não estou tentando justificar todos os fatos ruins da história da humanidade, minha intenção é mostrar que não é tão simples julgar as consequências de um acontecimento, por mais que no momento tudo pareça sem propósito não sabemos o que virá depois, principalmente porque desconhecemos o futuro ou como seria se o acontecimento não tivesse acontecido (e esse futuro pode ser melhor).
    Mesmo que algumas coisa ruins nunca gerem coisas boas, mesmo assim a existência de Deus não é afetada, pois o mal sempre será possível num "mundo" (não apenas pessoas) livres.
    A existência do mal, no plano natural ou da liberdade humana, é o preço da liberdade.

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