sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

TEXTOS SOBRE O PROBLEMA DA OBJECTIVIDADE DA ÉTICA


TEXTOS SOBRE O PROBLEMA DA OBJECTIVIDADE DA ÉTICA


1
As duas formas básicas de relativismo ético
Embora o termo relativismo ético não seja familiar para muitas pessoas, quase toda a gente encontrou slogans relativistas como os seguintes:
1)      Não há verdades morais absolutas
2)      Nenhum princípio moral é verdadeiro para todas as pessoas em todos os tempos e lugares
3)      Nenhum princípio ético é melhor do que qualquer outro
4)      Todas as opiniões, estilos de vida e concepções do mundo são igualmente correctas.
5)      O que é verdadeiro para ti pode não ser verdadeiro para mim mas isso não quer dizer que não tenhamos ambos razão.

É possível ser um relativista acerca de tudo ou somente relativista acerca de verdades em certos domínios como a ética e a religião. O mais comum actualmente é as pessoas defenderem o relativismo no plano ético e serem absolutistas em outras áreas como as matemáticas e as ciências. O relativismo ético é a forma mais comum de relativismo.
As duas formas básicas de relativismo ético
Há duas formas básicas de relativismo ético: o relativismo ético subjectivo ou subjectivismo moral e o relativismo ético convencional ou cultural. Estas duas formas de relativismo definem-se do seguinte modo:
Relativismo ético subjectivo – a perspectiva segundo a qual:
a)      não há verdades ou princípios morais absolutos e universais; e
b)      a verdade dos juízos morais é relativa às opiniões, sentimentos e preferências de cada indivíduo.
Relativismo ético convencional ou cultural – a perspectiva segundo a qual:
a)      não há verdades ou princípios morais absolutos e universais; e
b)      A verdade dos juízos morais é relativa às crenças que os membros de uma cultura partilham.
Ambas as perspectivas negam que hajam verdades morais absolutas e objectivas. A única diferença entre estas perspectivas relativistas é a de discordarem quanto ao de que depende a verdade dos juízos e princípios morais.
Segundo o o relativismo ético subjectivo ou individual (a partir de agora chamar-lhe-emos subjectivismo ético) é realmente correcto aquilo que acreditas ser moralmente correcto. A ética é uma questão de opinião individual e se acreditas estar certo ninguém tem o direito de te dizer que estás errado.
Segundo o relativismo moral cultural o que é correcto para ti como indivíduo depende do que a sociedade ou cultura a que pertences acredita ser correcto. As crenças culturais estabelecidas no interior de uma sociedade constituem a autoridade suprema e definem em que devem acreditar os indivíduos que nela vivem e segundo elas são educados. Deste ponto de vista, as crenças e opiniões dos indivíduos devem subordinar-se ao que a maioria considera ser moralmente certo.

C. E. Harris, Jr, Applying moral theories, Wadsworth, 2002, pp. 45-46.

Texto 2
O subjectivismo ético
Subjectivismo: "X é um bem" significa "Gosto de X". Escolhe os teus princípios morais de acordo com o que sentes.
O subjectivismo sustenta que os juízos morais descrevem a maneira como sentimos. Afirmar que algo é um "bem" consiste em dizer que temos um sentimento positivo a seu respeito. A perspectiva do observador ideal é um refinamento desta posição; diz-nos que os juízos morais descrevem o que sentiríamos se fossemos inteiramente racionais.
Neste capítulo, iremos ouvir duas colegas imaginárias, ambas chamadas "Ana". A Ana Subjectivista irá defender o subjectivismo e a Ana Idealista a perspectiva do observador ideal. Iremos igualmente considerar algumas objecções a cada um destes pontos de vista.
1 Ana Subjectivista
Chamo-me Ana Subjectivista; mas, dado a minha colega também se chamar "Ana", habitualmente tratam-me por "Sub". Adoptei o subjectivismo ao compreender que a moral é profundamente emocional e pessoal.
O ano passado frequentei com alguns amigos um curso de antropologia. Acabámos por aceitar o relativismo cultural — a perspectiva de que o bem e o mal são relativos a cada cultura, que "bem" significa "socialmente aprovado". Mais tarde, descobri que o relativismo cultural enfrenta um problema, nomeadamente o de nos negar a liberdade para formarmos os nossos próprios juízos morais. Sucede que a liberdade moral é algo a que atribuo muita importância.
O relativismo cultural obriga-me a aceitar todos os valores da sociedade. Admitamos que descobri que a maior parte das pessoas aprova acções racistas; terei então de concluir que o racismo é um bem. Estaria a contradizer-me se dissesse "O racismo é socialmente aprovado embora não seja um bem". Como o relativismo cultural impõe as respostas do exterior, negando a liberdade de pensamento em questões morais, passei a considerá-lo repulsivo.
Crescer obriga-nos a questionar os valores que herdámos. E é claro que recebemos os nossos valores da sociedade, pelo menos inicialmente. Quando somos crianças, esses valores são-nos fornecidos principalmente pelos nossos pais e grupos de amigos. Depois tornamo-nos adultos. À medida que crescemos, questionamos os valores que aprendemos. Podemos aceitá-los ou rejeitá-los em bloco ou aceitá-los ou rejeitá-los parcialmente. A escolha é nossa.
Quando afirmo "Isto é um bem" refiro-me ao que eu própria sinto — é apenas uma maneira de dizer "Gosto disto". Os meus juízos de valor são acerca do que eu sinto e não acerca do que a sociedade sente. Os meus juízos de valor descrevem as minhas emoções.
Considero a liberdade moral uma parte do processo de crescimento. O que se espera das crianças é que repitam mecanicamente os valores que lhes foram ensinados; no entanto, um adulto que proceda deste modo revela que o seu processo de desenvolvimento não foi o adequado. O que se espera dos adultos é que pensem pela sua cabeça e que formem os seus próprios valores. O relativismo cultural não permite fazê-lo. Pelo contrário, tornamo-nos conformistas.
Deixem-me dar-vos um exemplo de como funciona o subjectivismo. A minha família ensinou-me a respeitar escrupulosamente a proibição de consumir bebidas alcoólicas. Na minha família beber estava "socialmente proibido". No entanto, os meus colegas de escola acham interessante beber em grandes quantidades. Neste grupo, beber é um "requisito social". O relativismo cultural afirma que devo fazer aquilo que a sociedade defende — mas que sociedade? Será que devo proceder de acordo com a minha família ou seguir o meu grupo de amigos?
O subjectivismo diz-me para seguir o que sinto. Assim, comecei a reflectir no conflito entre estas diferentes normas e nas razões que lhes subjazem. A minha família desejava prevenir-me contra os perigos do excesso de bebida, enquanto os meus amigos usavam a bebida para promover o divertimento e a sociabilidade. Eu tenho um sentimento positivo acerca de cada um destes objectivos e pensei na melhor maneira de promover ambos. Após alguma reflexão, os meus sentimentos tornaram-se claros. Diziam-me para beber moderadamente.
Beber demais pode ser "fixe" (socialmente aprovado) mas conduz com frequência a agressões, ressacas, alcoolismo, gravidezes indesejadas e também à morte em acidentes de viação. Nenhuma destas consequências me agrada — por isso, sou emocionalmente contra beber demais. Eis por que razão beber demais é um mal. Muitos dos meus amigos bebem em excesso dado tratar-se de um comportamento socialmente aprovado. Isto fá-los agir como crianças. Adoptaram cegamente os valores do grupo em vez de pensarem por si próprios.
Deixem-me explicar-vos alguns aspectos mais sobre o subjectivismo. Afirmei que "X é bom" significa "Gosto de X". Alguns subjectivistas preferem usar diferentes termos para expressar emoção — por exemplo, "sinto aprovação por", "tenho um sentimento positivo acerca de" ou "desejo". Contudo, não irei preocupar-me em saber qual dos termos é mais adequado.
A verdade do subjectivismo torna-se óbvia se considerarmos a maneira habitual de falar. É frequente dizermos coisas do género "Gosto disto — é bom." Estas expressões têm o mesmo significado. Acontece também perguntarmos "Gostas? — Parece-te bem?" Em ambos os casos estamos a formular uma única pergunta, embora utilizemos diferentes palavras.
A objecção colocada pela minha companheira de quarto é que podemos dizer que gostamos de coisas que não são boas. Por exemplo, "Gosto de fumar, embora fazê-lo não seja bom." Mas neste caso passamos da avaliação da satisfação imediata para a avaliação das consequências. As coisas seriam claras se disséssemos "Gosto da satisfação imediata que fumar provoca (a satisfação imediata é um bem); não gosto das consequências (as consequências não são boas)."
O subjectivismo sustenta que as verdades morais são relativas ao indivíduo. Se eu gosto de X e você não, então "X é um bem" é verdade para mim mas falso para si. Usamos a palavra "bem" para falar dos nossos sentimentos positivos. Nada é um bem ou um mal em si mesmo, independentemente dos nossos sentimentos. Os valores apenas existem como preferências de pessoas individuais. Você tem as suas preferências e eu as minhas; nenhuma preferência é objectivamente correcta ou incorrecta. Esta ideia tornou-me mais tolerante a respeito das pessoas com sentimentos diferentes e, portanto, com diferentes crenças morais.
A minha colega defende que os juízos morais traduzem afirmações objectivas acerca do que em si mesmo é verdadeiro, independentemente dos nossos sentimentos, e que o subjectivismo não tem este facto em consideração. Mas a objectividade é uma ilusão que resulta de objectivarmos as nossas reacções subjectivas. Rimo-nos de uma piada e afirmamos que a piada é "engraçada" — como se ser engraçado fosse uma propriedade objectiva das coisas. Quando gostamos de uma coisa dizemos que é "boa" — como se ser boa fosse objectivo. Nós, os subjectivistas, não nos deixamos enganar por este tipo de ilusões gramaticais.
Na prática, todos seguimos o que sentimos em questões morais. Contudo, apenas os subjectivistas são suficientemente honestos para o admitir e pôr de lado o apelo a uma pretensa objectividade.
2 Objecções ao subjectivismo
A Ana Subjectivista deu-nos uma formulação clara de uma maneira importante de abordar a moral. Concordo com a sua ênfase na liberdade moral e com a sua rejeição do relativismo cultural (e de qualquer outra perspectiva que exclua a liberdade moral). Mas discordo da sua análise do "bem". Além disso, necessita de aprofundar as suas ideias sobre o pensamento moral.
O maior problema consiste no subjectivismo fazer o bem depender completamente do que gostamos. Se "X é um bem" e "Gosto de X" significam a mesma coisa, o seguinte raciocínio é válido:
Gosto de X.
X é um bem.
Suponha por momentos que os amigos irresponsáveis da Ana Subjectivista gostam de se embebedar e magoar pessoas. Poderiam então deduzir que as acções abaixo são um bem:
Gosto de me embebedar e magoar pessoas.
Apanhar bebedeiras e magoar pessoas é um bem.
Mas este raciocínio não está correcto: a conclusão não se segue da premissa. O subjectivismo oferece-nos uma abordagem demasiado imperfeita da moral, em que apenas fazemos o que gostamos.
Pior ainda, os meus gostos e aversões tornariam as coisas boas ou más. Suponha que gosto de magoar pessoas; isto faria com que fosse um bem magoar pessoas. Imagine que eu gosto de reprovar estudantes apenas pelo prazer que isso provoca; isto faria com que reprovar estudantes apenas pelo gozo se tornasse um bem. Tudo o que me agradasse tornar-se-ia um bem — ainda que eu gostar disso fosse apenas o produto da estupidez e da ignorância.
O racismo fornece-nos um bom teste para as perspectivas éticas. O subjectivismo é insatisfatório neste ponto dado afirmar que fazer sofrer pessoas de outras raças é um bem desde que eu goste de o fazer. Depois, o subjectivismo implica que Hitler disse a verdade quando afirmou "O assassínio dos judeus é um bem" (visto que este enunciado apenas significa que Hitler gostava de matar judeus). O subjectivismo tem implicações inaceitáveis sobre o racismo.
A educação moral dá-nos outro teste. Se aceitarmos o subjectivismo, de que modo educaremos as nossas crianças para pensarem sobre questões morais? Ensiná-las-íamos a seguir os seus sentimentos, a deixarem-se guiar pelos seus gostos e aversões; não lhes forneceríamos um guia para formarem sentimentos responsáveis e sensatos. Ensinaríamos às crianças que "Gosto de magoar pessoas — portanto, magoar pessoas é um bem" é uma forma correcta de raciocinar. O subjectivismo implica também consequências bizarras em educação moral.
Harry Gensler
John Carroll University, Cleveland, USA

Texto 3
O Desafio do Relativismo Cultural

O argumento das diferenças culturais
O relativismo cultural é uma teoria sobre a natureza da moralidade. À primeira vista parece bastante plausível. No entanto, como todas as teorias do género, pode ser avaliada mediante análise racional; e quando analisamos o relativismo cultural descobrimos que não é tão plausível como inicialmente parece ser.
A primeira coisa que precisamos fazer notar é que no âmago do relativismo cultural está uma certa forma de argumento. A estratégia usada pelos relativistas culturais é argumentar a partir de factos sobre as diferenças entre perspectivas culturais a favor de uma conclusão sobre o estatuto da moralidade. Convidam-nos, assim, a aceitar este raciocínio:
1. Os gregos pensavam que comer os mortos estava errado, enquanto os
calatinos pensavam que comer os mortos estava certo;
2. Logo, comer os mortos não é objectivamente certo nem objectivamente
errado. É apenas uma questão de opinião que varia de cultura para cultura.
Ou, alternativamente:
1. Os esquimós nada vêem de errado no infanticídio, enquanto os americanos
pensam que o infanticídio é imoral;
2. Logo, o infanticídio não é objectivamente certo nem objectivamente errado.
É apenas uma questão de opinião, que varia de cultura para cultura.
Estes argumentos são claramente variações de uma ideia fundamental. São ambos casos especiais de um argumento mais geral, que afirma:

1. Culturas diferentes têm códigos morais diferentes;
2. Logo, não há uma «verdade» objectiva na moralidade. Certo e errado são apenas questões de opinião e as opiniões variam de cultura para cultura.
Podemos chamar a isto o argumento das diferenças culturais. Para muitas pessoas é persuasivo. Mas, de um ponto de vista lógico, será sólido?
Não é sólido. O problema é que a conclusão não se segue da premissa — isto é, mesmo que a premissa seja verdadeira a conclusão pode continuar a ser falsa.A premissa diz respeito àquilo em que as pessoas acreditam — em algumas sociedades as pessoas acreditam numa coisa; noutras sociedades acreditam noutra. A conclusão, no entanto, diz respeito ao que na verdade se passa. O problema é que este tipo de conclusão não se segue logicamente deste tipo de premissa.
Considere-se de novo o exemplo dos gregos e dos calatinos. Os gregos pensavam que é errado comer os mortos; os calatinos pensavam que é correcto. Será que daqui se segue, do simples facto de não estarem de acordo, que não existe verdade objectiva no caso? Não, não se segue; pois poderia acontecer que a prática fosse objectivamente certa (ou errada) e que uma ou outra das posições estivesse simplesmente errada.
Para tornar este aspecto mais claro, considere-se um tema diferente. Em algumas sociedades as pessoas acreditam que a Terra é plana. Noutras sociedades, como a nossa, as pessoas acreditam que a Terra é (aproximadamente) esférica. Segue-se daqui, do mero facto de as pessoas discordarem, que não há «verdade objectiva» em geografia? Claro que não; nunca chegaríamos a tal conclusão porque percebemos que, nas suas crenças sobre o mundo, os membros de algumas sociedades podem simplesmente estar errados. Não há qualquer razão para pensar que se o mundo é redondo, todos têm de saber disso. Da mesma maneira, não há qualquer razão para pensar que se existe uma verdade moral, todos têm de conhecê-la. O erro fundamental no argumento das diferenças culturais é que tenta derivar uma conclusão substancial sobre um tema partindo do mero facto de as pessoas discordarem a seu respeito.
Trata-se, até agora, de uma simples questão lógica e é importante não a interpretar erradamente. Não estamos a dizer (ainda não, pelo menos) que a conclusão do argumento é falsa. Isso é ainda uma questão em aberto. O objectivo do reparo lógico é apenas fazer notar que a conclusão não se segue da premissa. Isto é importante, porque para determinar se a conclusão é verdadeira necessitamos de argumentos para a apoiar. O relativismo cultural propõe este argumento, que infelizmente se revela falacioso. Portanto, não prova nada.

As consequências de levar a sério o relativismo cultural

Mesmo que o argumento das diferenças culturais seja inválido, o relativismo  cultural pode ser verdadeiro. Como seria se fosse verdadeiro?
[…] William Graham Sumner resume a essência do relativismo cultural. Sumner afirma que não há uma medida do certo e errado, além dos padrões de uma dada sociedade: «A noção de certo está nos hábitos da população. Não reside além deles, não provém de origem independente, para os pôr à prova. O que estiver nos hábitos populares, seja o que for, está certo». Suponha-se que tomávamos isto a sério. Quais seriam algumas das consequências?

1. Deixaríamos de poder afirmar que os costumes de outras sociedades são moralmente inferiores aos nossos.
Isto, é claro, é um dos principais aspectos sublinhados pelo relativismo cultural. Teríamos de deixar de condenar outras sociedades simplesmente por serem «diferentes». Enquanto nos concentrarmos apenas em certos exemplos, como as práticas funerárias dos gregos e calatinos isto pode parecer uma atitude sofisticada e esclarecida.
No entanto, seríamos também impedidos de criticar outras práticas menos benignas. Suponha-se que uma sociedade declarava guerra aos seus vizinhos com o intuito de fazer escravos. Ou suponha que uma sociedade era violentamente anti-semita e os seus líderes se propunham destruir os judeus. O relativismo cultural iria impedir-nos de dizer que qualquer destas práticas estava errada. (Nem sequer poderíamos dizer que uma sociedade tolerante em relação aos judeus é melhor que uma sociedade anti-semita, pois isso implicaria um tipo qualquer de padrão transcultural de comparação.) A incapacidade de condenar estas práticas não parece muito esclarecida; pelo contrário, a escravatura e o anti-semitismo afiguram-se erradas onde quer que ocorram. No entanto, se tomássemos a sério o relativismo cultural teríamos de encarar estas práticas sociais como algo imune à crítica.

2. Poderíamos decidir se as acções são certas ou erradas pela simples consulta dos padrões da nossa sociedade. O relativismo cultural propõe uma maneira simples para determinar o que está certo e o que está errado: tudo o que necessitamos é perguntar se a acção está de acordo com os códigos da nossa sociedade. Suponhamos que em 1975 um residente da África do Sul se perguntava se a política de apartheid do seu país — um sistema rigidamente racista — era moralmente correcta. Tudo o que teria a fazer era perguntar se esta política se conformava com o código moral da sua sociedade. Em caso de resposta afirmativa, não haveria motivos de preocupação, pelo menos de um ponto de vista moral.
Esta implicação do relativismo cultural é perturbadora porque poucos de nós pensam que o código moral da nossa sociedade é perfeito — não é difícil pensar em várias maneiras de a aperfeiçoar. No entanto, o relativismo cultural não se limita a impedir-nos de criticar os códigos de outras sociedades; não nos permite igualmente criticar a nossa. Afinal de contas, se certo e errado são relativos à cultura, isto tem de ser verdade tanto relativamente à nossa própria cultura como relativamente às outras.

3. A ideia de progresso moral é posta em dúvida. Pensamos habitualmente
que pelo menos algumas das mudanças sociais são melhorias. (Apesar de, naturalmente, outras mudanças poderem piorar as coisas.) Ao longo da maior parte da história ocidental o lugar das mulheres na sociedade esteve severamente circunscrito. Não podiam ter bens; não podiam votar; e estavam em geral sob o controlo quase absoluto dos seus maridos. Recentemente, muitas destas coisas mudaram, e a maioria das pessoas pensa que isto é um progresso. Mas se o relativismo cultural estiver correcto, poderemos legitimamente pensar que é um progresso? Progresso significa substituir uma maneira de fazer as coisas por uma maneira melhor. Mas qual o padrão pelo qual avaliamos estas novas maneiras como melhores? Se as velhas maneiras estavam de acordo com os padrões culturais do seu tempo, então o relativismo cultural diria que é um erro julgá-las pelos padrões de uma época diferente. A sociedade do séc. XVIII era diferente da que temos agora. Afirmar que fizemos progressos implica o juízo de que a sociedade de hoje é melhor, e isso é justamente o tipo de juízo transcultural que, segundo o relativismo cultural, é impossível. A nossa concepção de reforma social terá igualmente de ser reconsiderada. Reformadores como Martin Luther King Jr. tentaram mudar as suas sociedades para melhor. Obedecendo aos constrangimentos impostos pelo relativismo cultural há uma maneira de se poder fazer isto. Se uma sociedade não está a viver de acordo com os seus ideais, pode considerar-se que o reformador está a agir bem; os ideais da sociedade são os padrões pelos quais julgamos o mérito das suas propostas. Mas ninguém pode contestar os ideais em si, pois esses ideais são por definição correctos. Portanto, segundo o relativismo cultural, a ideia de reforma social só faz sentido desta maneira limitada.
Estas três consequências do relativismo cultural levaram muitos pensadores a rejeitá-lo frontalmente como implausível. Faz realmente sentido, afirmam, condenar certas práticas, como a escravatura, onde quer que ocorram. Faz sentido pensar que a nossa própria sociedade fez algum progresso cultural, embora deva admitir-se, simultaneamente, que é ainda imperfeita e necessita de reformas. Uma vez que o relativismo cultural supõe, prossegue o argumento, que estes juízos não fazem sentido, não pode estar correcto.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral (2003), Cap. 2, pp. 37–43.

Texto 4
O relativismo moral cultural
Relativismo  Cultural (RC): "Bem" significa "socialmente aprovado." Escolhe os teus princípios morais segundo aquilo que a tua sociedade aprova.
O relativismo cultural (RC) defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O "bem" coincide com o que é "socialmente aprovado" numa dada cultura. Os princípios morais descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas normas da nossa sociedade.
Começaremos por ouvir uma figura ficcional, a que chamarei Ana Relativista, e que nos explicará a sua crença no relativismo cultural. Ao ler o que se segue, ou explicações semelhantes, proponho-lhe que reflicta até que ponto esta é uma perspectiva plausível e se se harmoniza com o seu ponto de vista. Depois de ouvirmos o que Ana tem para dizer, consideraremos várias objecções ao RC.

1. Ana Relativista

O meu nome é Ana Relativista. Aderi ao relativismo cultural ao compreender a profunda base cultural que suporta a moralidade.
Fui educada para acreditar que a moral se refere a factos objectivos. Tal como a neve é branca, também o infanticídio é um mal. Mas as atitudes variam em função do espaço e do tempo. As normas que aprendi são as normas da minha própria sociedade; outras sociedades possuem diferentes normas. A moral é uma construção social. Tal como as sociedades criam diversos estilos culinários e de vestuário, também criam códigos morais distintos. Aprendi-o ao estudar antropologia e vivi-o no México quando estive lá a estudar.
Considere a minha crença de que o infanticídio é um mal. Ensinaram-me isto como se se tratasse de um padrão objectivo. Mas não é; é apenas aquilo que defende a sociedade a que pertenço. Quando afirmo "O infanticídio é um mal" quero dizer que a minha sociedade desaprova essa prática e nada mais. Para os antigos romanos, por exemplo, o infanticídio era um bem. Não tem sentido perguntar qual das perspectivas é "correcta". Cada um dos pontos de vista é relativo à sua cultura, e o nosso é relativo à nossa. Não existem verdades objectivas acerca do bem ou do mal. Quando dizemos o contrário, limitamo-nos a impor a nossas atitudes culturalmente adquiridas como se se tratassem de "verdades objectivas".
"Mal" é um termo relativo. Deixem-me explicar o que isto significa. Quero dizer que nada está absolutamente "à esquerda", mas apenas "à esquerda deste ou daquele" objecto. Do mesmo modo, nada é um mal em absoluto, mas apenas um mal nesta ou naquela sociedade particular. O infanticídio pode ser um mal numa sociedade e um bem noutra.
Podemos expressar esta perspectiva claramente através de uma definição: "X é um bem" significa "a maioria (na sociedade em questão) aprova X". Outros conceitos morais como "mal" ou "correcto", podem ser definidos da mesma forma. Note-se ainda a referência a uma sociedade específica. A menos que o contrário seja especificado, a sociedade em questão é aquela a que pertence a pessoa que formula o juízo. Quando afirmo "Hitler agiu erradamente" quero de facto dizer "de acordo com os padrões da minha sociedade".
O mito da objectividade afirma que as coisas podem ser um bem ou um mal de uma forma absoluta — e não relativamente a esta ou àquela cultura. Mas como poderemos saber o que é o bem ou o mal em termos absolutos? Como poderíamos argumentar a favor desta ideia sem pressupor os padrões da nossa própria sociedade? As pessoas que falam do bem e do mal de forma absoluta limitam-se a absolutizar as normas que vigoram na sua própria sociedade. Consideram as normas que lhes foram ensinadas como factos objectivos. Essas pessoas necessitam de estudar antropologia, ou viver algum tempo numa cultura diferente.
Quando adoptei o relativismo cultural tornei-me mais receptiva a aceitar outras culturas. Como muitos outros estudantes, eu partilhava a típica atitude "nós estamos certos e eles errados". Lutei arduamente contra isto. Apercebi-me de que o outro lado não está "errado" mas que é apenas "diferente". Temos, por isso, que considerar os outros a partir do seu próprio ponto de vista; ao criticá-los, limitamo-nos a impor-lhes padrões que a nossa própria sociedade construiu. Nós, os relativistas culturais, somos mais tolerantes.
Através do relativismo cultural tornei-me também mais receptiva às normas da minha própria sociedade. O RC dá-nos uma base para uma moral comum no interior da cada cultura — uma base democrática que abrange as ideias de todos e assegura que as normas tenham um amplo suporte. Assim, posso sentir-me solidária com pessoas que partilham comigo uma mesma comunidade, ainda que outros grupos possuam diferentes valores.

2. Objecções ao RC

Ana deu-nos uma formulação clara de um ponto de vista acerca da moral que muitas pessoas consideram atractiva. Reflectiu bastante acerca da moral e isto permite-nos aprender com ela. Contudo, estou convencido de que a sua perspectiva básica neste domínio está errada. Suponho que Ana acabará por concordar à medida que as suas ideias ficarem mais claras.
Deixem-me indicar o principal problema. RC força-nos a conformar-nos com as normas sociais — ou contradizemo-nos. Se "bem" e "socialmente aprovado" significam a mesma coisa, seja o que for ao qual o primeiro termo se aplique também o segundo lhe é aplicável.
Assim, o seguinte raciocínio seria válido:
Isto e aquilo são socialmente aprovados. Logo, isto e aquilo são bens.
Se o relativismo cultural fosse verdadeiro, não poderíamos consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Mas este resultado é absurdo. Claro que é possível consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Podemos afirmar consistentemente que algo é socialmente aprovado e negar que seja um "bem". Isto não é possível se o RC for verdadeiro.
Ana poderia aceitar esta consequência implausível e dizer que é contraditório discordar moralmente da maioria. Mas esta seria uma consequência especialmente difícil de ser aceite. Ana teria de aceitar que os defensores dos direitos civis estariam a contradizer-se ao discordarem da perspectiva aceite pelos segregacionistas. E teria de aceitar a perspectiva da maioria em todas as questões morais — mesmo que perceba que a maioria é ignorante.
Suponha que Ana tinha aprendido que a maioria das pessoas da sua cultura aprovam a intolerância e também a ideia de ridicularizar pessoas de outras culturas. Teria ainda assim de concluir que a intolerância é um bem (apesar de esta atitude contrariar as suas próprias intuições).
A intolerância é socialmente aprovada. Logo, a intolerância é um bem.
Ana teria que aceitar a conclusão (aceitar que a intolerância é boa) ou rejeitar o relativismo cultural. Se quiser ser consistente é necessário modificar pelo menos uma destas perspectivas.
Eis uma dificuldade ainda mais grave. Imaginemos que Ana encontrava alguém chamada Rita Rebelde, oriunda de um país Nazi. Na terra natal de Rita, os judeus e os críticos do governo são colocados em campos de concentração. Sucede que a maioria das pessoas, mal informadas sobre o que se passa, aprovam esta política. Rita é uma dissidente. Defende que esta política, apesar do apoio da maioria das pessoas, está errada. Se Ana quisesse aplicar o RC a esta situação particular teria que dizer a Rita algo do género:
Rita, a palavra "bem" refere-se ao que é aprovado pela tua cultura. Como essa cultura aprova o racismo e a opressão, deves aceitar esta atitude como um bem. Não podes pensar diferentemente. A perspectiva minoritária está sempre errada — o "bem" é, por definição, aquilo que socialmente é aprovado.
A perspectiva do RC é intolerante para com as minorias (que automaticamente estão erradas) e forçaria Rita a aceitar o racismo e a opressão como sendo bons. Isto decorre da definição de "bem" como algo "socialmente aprovado". Ao compreendê-lo, talvez abandone o RC.
O racismo é um bom teste para a ética. Uma perspectiva ética satisfatória deve fornecer-nos os meios para combater actos racistas. O RC falha neste aspecto, dado estar comprometido com a tese segundo a qual as acções racialmente motivadas são boas numa dada sociedade se essa sociedade as aprova. Se Rita seguisse o RC, teria que concordar com a atitude racista da maioria, ainda que as pessoas estivessem mal informadas ou fossem ignorantes. O relativismo cultural parece bastante insatisfatório neste ponto.
A educação moral é também um bom teste ético. Se aceitassemos o RC, como educaríamos os nossos filhos em questões de ordem moral? Ensinar-lhes-íamos que pensassem e agissem de acordo com as normas da sua sociedade, qualquer que esta fosse. Estaríamos a ensiná-los a serem conformistas. Ensinar-lhes-íamos, por exemplo, que os seguintes raciocínios são correctos:
"A minha sociedade aprova A; logo, A é bom."
"O meu grupo aprova que nos embebedemos às sextas-feiras à noite e conduzamos no regresso a casa; logo, esta é uma boa atitude."
"A minha sociedade é Nazi e aprova o racismo; logo, o racismo é um bem."
Aceitar o RC priva-nos de exercer qualquer sentido crítico acerca das normas da nossa sociedade. Estas normas não podem estar erradas — ainda que resultem da estupidez e da ignorância.
Do mesmo modo, as normas de outras sociedades (mesmo as da terra natal de Rita) não podem estar erradas ou serem criticadas. O RC contraria o espírito crítico que é próprio da filosofia.

3. Diversidade moral

O relativismo cultural considera o mundo como algo que está dividido de uma forma nítida em sociedades distintas. Em cada uma delas não existe desacordo em questões morais ou apenas em pequena escala, dado que a perspectiva maioritária determina o que é considerado um bem ou um mal nessa sociedade. Mas o mundo não é assim. Pelo contrário, o mundo é uma mistura confusa de sociedades e grupos sobrepostos; e os indivíduos não seguem necessariamente o ponto de vista da maioria.
O relativismo cultural ignora o problema dos subgrupos. Todos nós fazemos parte de grupos sobrepostos. Cada um de nós, por exemplo, faz parte de uma nação, de um estado, de uma cidade, de um bairro. Além disso, cada um de nós pertence a várias comunidades, profissionais, religiosas, grupos de amigos, etc. É frequente estes grupos terem valores que estão em conflito. De acordo com o RC, quando afirmo "O racismo é um mal" pretendo dizer "A minha sociedade desaprova o racismo". Mas a que sociedade nos referimos? Talvez a maioria das pessoas que pertencem à minha comunidade religiosa e ao meu país desaprove o racismo, enquanto a maioria dos que fazem parte do meu grupo profissional e familiar o aprovem. O relativismo cultural poderia dar-nos meios para nos conduzirmos correctamente no plano moral apenas se cada um de nós pertencesse a uma única sociedade. Mas o mundo é bastante mais complicado do que este quadro sugere. Até certo ponto, todos nós somos indivíduos multi-culturalizados.
O RC não tenta estabelecer normas comuns entre sociedades. À medida que a tecnologia invade o planeta, as disputas morais entre diferentes sociedades têm tendência para se tornarem mais importantes. O país A aprova a existência de direitos iguais para as mulheres (ou outras raças e religiões), mas o país B desaprova-o. Que deve fazer uma companhia multinacional que opera nos dois países? Ou as sociedades A e B têm conflitos de valores que conduzem à guerra. Dado que o relativismo cultural pouco nos ajuda acerca destes problemas, oferece-nos uma base muito pobre para responder às exigências da vida no século XXI.
Como responder à diversidade cultural entre sociedades? Ana rejeita a atitude dogmática do género "Nós estamos certos e eles errados". Percebe a necessidade de compreender as sociedades e culturas diferentes da sua própria a partir do ponto de vista dessas culturas e sociedades. Estas são ideias positivas. Mas, em seguida, afirma também que nenhum dos lados pode estar errado. Isto limita a nossa capacidade para aprender. Se a nossa cultura não pode estar errada, não pode aprender com os seus próprios erros. Compreender as normas de outras culturas não permitirá ajudar-nos a corrigir os erros das nossas próprias sociedades.
Aqueles que acreditam em valores objectivos vêem estes assuntos de um modo diferente. Poderiam defender algo como isto:
Existem verdades para descobrir no domínio moral, mas nenhuma cultura possui o monopólio destas verdades. As diferentes culturas necessitam de aprender umas com as outras. Para que tomemos consciência dos erros e dos nossos valores, é necessário conhecer como procedem as outras culturas, e de que forma reagem ao que nós fazemos. Aprender com diferentes culturas pode ajudar-nos a corrigir os nossos valores e a aproximar-nos da verdade acerca do modo como devemos viver.

4. Valores objectivos

É necessário falar um pouco mais acerca da objectividade dos valores. Este é um tópico bastante vasto e importante.
A perspectiva objectivista (também designada realismo moral) defende que certas coisas são objectivamente um bem ou objectivamente um mal, independentemente do que possamos sentir ou pensar. Martin Luther King, por exemplo, defendia que o racismo está objectivamente errado. Que o racismo esteja errado era para ele um facto. Qualquer pessoa e cultura que aprovasse o racismo estariam erradas. Ao dizer isto, King não estava a absolutizar as normas da nossa sociedade; discordava, pelo contrário, das normas amplamente aceites. Fazia apelo a uma verdade mais elevada acerca do bem e do mal, uma verdade que não estava dependente do modo de pensar ou sentir das pessoas neste ou naquele momento. Fazia apelo a valores objectivos.
Ana rejeita a crença em valores objectivos e chama-lhe "o mito da objectividade". Nesta perspectiva, as coisas são um bem ou um mal apenas relativamente a esta ou àquela cultura. Não são objectivamente boas ou más, como King pensava. Mas serão os valores objectivos realmente um "mito"? Para responder a isto convém examinar o raciocínio de Ana.
Ana tinha três argumentos contra a objectividade dos valores. Não existem verdades morais objectivas porque:
  • A moral é um produto da cultura;
  • As sociedades discordam amplamente acerca da moralidade;
  • Não existe uma maneira clara de resolver diferenças morais.
De facto, qualquer destes argumentos cede com facilidade se o examinarmos cuidadosamente.
  1. "Dado que a moral é um produto da cultura, não podem existir verdades morais objectivas". O problema deste raciocínio é que um produto da cultura pode expressar uma verdade objectiva. Qualquer livro é um produto cultural; no entanto, muitos livros exprimem verdades objectivas. Da mesma forma, um código moral pode ser um produto cultural e expressar verdades objectivas acerca da maneira como as pessoas devem viver.
  2. "Visto as diferentes culturas discordarem amplamente sobre a moral, não podem existir verdades morais objectivas." O simples facto de existir desacordo não mostra, no entanto, que não existe verdade neste domínio e que nenhum dos lados está certo ou errado. O extenso desacordo entre diferentes culturas acerca de antropologia, religião, e até em física, não impede a existência de verdades objectivas nestes domínios. Logo, o desacordo em questões morais não mostra que não exista verdade nestes assuntos.

Podemos igualmente questionar-nos se as diferentes culturas divergem assim tão profundamente sobre a moral. Na maior parte das culturas existem normas muito semelhantes quanto a matar, roubar e mentir. E muitas das diferenças podem ser explicadas em resultado da aplicação dos mesmos valores básicos a diferentes situações. A Regra de Ouro "Trata os outros como queres ser tratado" é quase universalmente aceite em todo o mundo. E as diferentes culturas que constituem as Nações Unidas concordaram em larga medida a respeito dos direitos humanos mais elementares.
  1. "Como não existe uma maneira clara de resolver diferenças morais, não é possível que existam verdades morais objectivas." Mas podem existir maneiras claras de resolver pelo menos um grande número de diferenças morais. Precisamos de uma forma de raciocinar em ética que faça apelo às pessoas inteligentes e com suficiente abertura de espírito de todas as culturas — isto faria pela ética o que se obteve em ciência com o método experimental.
    Ainda que não existisse uma maneira sólida de conhecer verdades morais, daí não se segue que tais verdades não existam. Existem verdades que não conhecemos inequivocamente. Terá chovido neste lugar 500 anos atrás? Há seguramente uma verdade acerca disto que nunca conheceremos. Apenas uma pequena percentagem de verdades são conhecidas. Logo, podem existir verdades morais objectivas mesmo que não possamos sabê-lo.
HarryGensler
John Carroll University, Cleveland, USA

Texto 5

Relativismo moral e multiculturalismo

Durante muito tempo os EUA foram conhecidos como um Melting Pot, querendo com isso dizer-se que havia lugar para todos viessem donde viessem, que todos eram bem recebidos e que a pouco e pouco as diferenças culturais se iriam esbatendo a favor da « nova realidade cultural».Muitos americanos ainda acarinham essa ideia mas para muitos outros ela é uma ilusão e até um insulto. A América abraçou emigrantes vindos da Inglaterra, dos países escandinavos, da Irlanda, da Itália e da Alemanha mas pessoas originárias de outras sociedades como os Negros e os Hispânicos sentem que não foram aceites como os emigrantes de origem europeia e que vivem nas margens da sociedade americana. Sentem que os seus antepassados foram excluídos por serem diferentes ou indesejados e que não há uma cultura americana comum mas si uma cultura americana dominante de matriz europeia. Hoje em dia mesmo entre aqueles que pertencem á cultura dominante há a consciência de que esta situação causa danos ao conceito de cultura americana. A questão é o que fazer para a resolver.

Alguns defensores do multiculturalismo (teoria que advoga a necessidade de assegurar representação no espaço público – universidades, meios de comunicação, política – aos diversos grupos culturais) propõem que devemos começar por nos ouvir uns aos outros. A esta versão do multiculturalismo chamarei multiculturalismo inclusivo. Mais tolerância e compreensão entre os vários grupos culturais é o que parece pretender-se, maior igualdade de oportunidades e um trabalho conjunto que combata a ideia de que uma tradição cultural domina o país e aqueles que não a partilham deve ser marginalizados. Este trabalho deve começar nas escolas onde as crianças devem aprender o máximo possível sobre as heranças culturais do maior número possível de grupos étnicos e sociais. Mesmo que isso signifique menos tempo para aprender os clássicos e a herança cultural europeia.

Os defensores do multiculturalismo exclusivo pensam que o diálogo não é suficiente. Os grupos culturais desprezados não irão readquirir a auto-estima perdida a não ser que aprendam a herança cultural do grupo de origem. As crianças afro- americanas e as hispânicas devem estudar as contribuições culturais de cada um dos seus grupos. É de importância secundária ler Platão, Aristóteles, Tolstoi ou Shakespeare ou conhecer a contribuição cultural de raiz europeia. Críticos desta orientação afirmam que assim nenhum dos grupos terá oportunidade de se conhecer culturalmente criando-se guetos culturais e que se retira às crianças e jovens liberdade de escolha.

Muitos dos proponentes do multiculturalismo adoptam o relativismo moral. Contudo para surpresa de alguns, o relativismo não garante necessariamente o multiculturalismo. O relativismo ético afirma que não há um código moral universal – que cada cultura escolhe o que é correcto para si e nenhuma outra cultura tem o direito de interferir. Esta ideia, ainda que com várias limitações, pode funcionar quando as culturas estão separadas e isoladas porque nesse caso o código moral é definido como o código da população dominante. Contudo, numa sociedade pluralista como a americana, é difícil funcionar porque a cultura dominante (a sociedade branca) é cada vez mais acusada de insensibilidade à diversidade cultural. Pode o relativismo moral funcionar num país em que muitas vezes deparamos com valores opostos ( Roubar é errado e Roubar é moralmente correcto para os desfavorecidos) no mesmo bairro? Uma vez que o relativismo exige que rejeitemos a ideia de um padrão cultural dominante, alguns poderão optar por uma atitude de niilismo moral: nenhum valor é melhor do que outro dado que nenhum valor é objectivamente correcto. Tal niilismo pode conduzir à desagregação do todo social, e possivelmente a uma maior coesão no interior de cada grupo cultural, acirrando-se o conflito entre eles. Podemos descrever este conflito como balcanização: os grupos culturais têm pouco ou nada em comum excepto o ódio pelo que outros grupos representam. Parece que o relativismo moral não é a resposta aos novos problemas do multiculturalismo.

E se procurarmos a resposta no universalismo moderado? Se formos universalistas moderados o que podemos esperar? O acordo com os outros grupos acerca de certas questões, mas não em todas as questões. No caso do multiculturalismo podemos concordar com a promoção da igualdade, da tolerância e da coesão da nação. Se não chegarmos acordo nisto o multiculturalismo (inclusivo) é uma causa perdida e também a ideia de Estados Unidos. Segundo o universalismo moderado - proposto entre outros por Rachels não podemos permitir uma diferença acentuada nos valores e princípios que regem a convivência social. Não podemos admitir que matar membros de uma família por uma questão de honra seja inaceitável num bairro e aceitável noutro. O problema da possibilidade de um núcleo de valores comuns no interior de uma sociedade multicultural é particularmente urgente e escaldante. Sem valores comuns muito simplesmente não há sociedade.

Nina Rosenstand, The Moral of the Story – An introduction to questions of ethics and human nature,(1993),Mayfield,pp80-81.


1 comentário:

  1. A moral não está ocupada em explicar como o mundo é (o que, neste caso, exigiria uma resposta objetiva), mas sim em como ele deveria ser (e, portanto, em como ele não é) e, nessas condições, não parece haver um motivo objetivo para defender que o mundo deva ser de um jeito, e não de outro.
    Portanto, nesse aspecto, o relativismo moral parece uma ideia interessante.

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