quarta-feira, 13 de abril de 2011

ARISTÓTELES E A CRÍTICA DA CONCEPÇÃO DE ESTADO EM PLATÃO


ARISTÓTELES E A CRÍTICA DA CONCEPÇÃO DE ESTADO EM PLATÃO

No campo das relações entre o Estado e o indivíduo, Aristóteles, em muitos aspectos, afasta-se de Platão. Este pretendia destruir os graus intermédios entre o Estado e o indivíduo. Aristóteles, porém, se concebe o Estado à maneira de síntese mais alta da convivência humana, opta pela sua conservação. A síntese estadual, para ele, não deve sacrificar as sínteses menores, os agregados menos numerosos, a família, as tribos ou aldeias. Do primeiro agregado - a família - transita-se para o segundo - a tribo - e a reunião das tribos dá lugar ao Estado grego, à polis . Não se esqueça que a cidade grega correspondia a uma unidade política de muito menor dimensão que o Estado moderno.
A consideração que a Aristóteles mereceram os graus intermédios de convivência, demonstra, da sua parte, concepção histórica superior à de Platão. Aqueles agregados
constituem as diversas etapas para se chegar ao Estado. A abolição da família e da propriedade, concebida por Platão, acha no discípulo viva oposição e crítica. Neste contraste revela-se a diversidade de temperamento dos dois filósofos: ao idealismo absoluto, puramente especulativo de Platão, opõe-se o espírito observador de Aristóteles, que nos próprios factos indaga a sua razão relativa e o grau do seu desenvolvimento sucessivo.
A família tem por elementos o homem, a mulher, os filhos e os criados; é sociedade estabelecida perpetuamente pela natureza. Da união de várias famílias resulta a aldeia ou a vila. Da reunião de várias vilas, resulta o Estado - que é único, e, portanto, goza de plena autarquia. Ele constitui o fim das outras formas de convivência e é dado pela natureza. Para prescindir do Estado o indivíduo teria de ser mais ou menos do que homem: um deus ou um bruto.
Aristóteles observa o fenómeno da escravatura e tenta justificá-lo, demonstrando como aqueles homens incapazes de se governarem devem ser dominados. Alguns homens nasceram para serem livres, outros para serem escravos. Além destas razões, apresenta outras de ordem prática para provar a utilidade da escravidão. O Estado, conforme a concepção aristotélica, necessita de uma classe de homens que se dediquem às ocupações materiais, que sirvam as outras classes de condição privilegiada, de sorte que estas fiquem aptas a dedicarem-se às formas superiores da actividade, especialmente à vida pública.
Convém lembrar que, naquele tempo, a escravatura era considerada, em geral, como necessária para a vida do Estado. É notório que também o Estado romano tinha nesta instituição uma das suas bases. Pense-se, por exemplo, nas grandiosas obras públicas construídas pelos escravos; pense-se também na possibilidade de os cidadãos participarem livremente na vida pública e de se dedicarem às letras e às ciências, evidentemente devido, em parte, à existência da escravidão. Esta era um efeito, tido por legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais cultos, especialmente gregos, exercitavam nobres funções, servindo de grande proveito à formação cultural dos seus proprietários. Em Roma, muitos escravos eram amanuenses e professores muito estimados: e muitos outros faziam serviços nas numerosas bibliotecas, especialmente nas da época do Império.
Talvez os factos que acabam de ser recordados ajudem a compreender melhor agora, pelo menos até certo ponto, o motivo pelo qual Aristóteles aceitava como necessária a
escravatura: esta, dizia ele, podia abolir-se se a lançadeira e a agulha corressem sem auxílio de alguém sobre o tear. Tais palavras indicam que ele estava dominado pela ideia da função económica desempenhada pela escravatura no seu tempo. Pois, para a abolição desta contribuíram, em épocas sucessivas, além de outras causas, o progresso da indústria, a invenção das máquinas, etc.... É de admitir, portanto, com respeito a certas fases da história, a relativa necessidade da escravatura - e, neste sentido, são apreciáveis as observações de Aristóteles. Mas, por outro lado, é inadmissível a sua tese, se lhe for atribuído o alcance de uma justificação absoluta, uma vez que a escravatura, em si mesma considerada, vai contra o direito que qualquer homem naturalmente tem à autonomia. E de nenhuma maneira se pode afirmar que, por natureza, exista uma espécie de homens destinados à servidão.
Enquanto Platão esboçou o perfil ideal do Estado, Aristóteles, por sua vez, dedicou-se à observação das constituições dos Estados existentes mediante finas análises. Da sua colecção de constituições políticas perdeu-se infelizmente a maior parte, e apenas se achou o fragmento sobre a constituição ateniense. E embora a Política contenha também considerações de carácter geral, o nosso autor preocupou-se, de preferência, com as conexões entre as instituições e as condições históricas e naturais. Quer dizer: preocupo - use, não com o óptimo absoluto, mas com o óptimo relativo. O seu exame recai sobre os governos mais adequados às várias situações de facto.
Foi Aristóteles quem, antes de qualquer outro, fez a distinção dos vários poderes do Estado - o legislativo, o executivo e o judiciário. A constituição política é o ordenamento dos três referidos poderes. E segundo o poder supremo é exercido por uma, por algumas ou por todas as pessoas, distingue três tipos de constituição: monarquia, aristocracia e política. A estes três tipos, considera-se igualmente bons, sempre que o poder supremo seja exercitado para o bem de todos. Se, porém, é exercitado em benefício de quem o possui aquelas formas normais degeneram, e surgem, respectivamente, a tirania, a oligarquia e a democracia (a qual, neste sentido, corresponde antes ao que nós hoje designamos por demagogia).
Giorgio dei Vecchio, Lições de Filosofia do Direito, Arménio Amado Editor, Coimbra, 1979, pp. 47 50.
ACTIVIDADES
TEXTO 1
O que mais é mais vantajoso para que a Cidade seja bem administrada: que todos os cidadãos tomem parte em tudo aquilo em que é possível fazê-los participar? Ou mais vale que eles sejam admitidos a desempenhar certas funções e excluídos de algumas outras? Com efeito, é possível atribuir-lhes em comum a posse dos filhos, das mulheres e de todas as espécies de propriedade, como na República de Platão: (...) todavia, será melhor que esta matéria seja regulada como o é presentemente entre nós, ou como o prescreve a lei proposta nessa obra por Platão? (...) Platão quer que a Cidade seja o mais possível una, visto que isso é o que há de mais vantajoso para ela (. ..). Todavia, é visível que a Cidade, à medida que se for tornando cada vez mais una, será mais Cidade; pois naturalmente toda a cidade é composta de uma pluralidade. E supondo-a o mais possível reconduzida à unidade, acabará por se reduzir a Cidade a uma família, e a família a um indivíduo. (.. .) Seria aniquilar a Cidade. Aliás, a Cidade não se compõe apenas de uma multidão de homens, é composta de espécies diferentes de homens; por isso ela não subsistiria se todos eles fossem semelhantes e iguais."
Aristóteles, A Política

Comente o texto explicitando que Aristóteles, ao contrário de Platão, é o defensor de uma sociedade pluralista.
TEXTO 2
Há duas coisas que contribuem essencialmente para fazer nascer o interesse e o apego no coração dos homens - a propriedade e o afecto. Ora, nem uma nem o outro podem existir numa forma de governo como aquela (. . .) Nada inspira menos interesse (ao homem) do que uma coisa cuja posse é comum a um grande número de pessoas; porquanto, se se dá uma grande importância ao que nos pertence como coisa própria, dá-se bem menos importância ao que se possui em comum, ou pelo menos (nesse caso) cada um não mostra interesse senão pelo que lhe diz respeito (. ..) Cada cidadão (suponho eu) terá mil filhos, que todos serão seus filhos; (. . .) qualquer um de entre estes será também filho do primeiro cidadão que encontrar; de modo que todos se interessarão pouco por ele. De resto, não é fácil exprimir quanta satisfação proporciona a noção de que uma coisa nos pertence como coisa própria. Pois não se deve julgar que o amor de si mesmo foi inspirado em vão a cada indivíduo; é um sentimento natural... é mau quando exagerado".
Poder "ajudar amigos ou conhecidos, ou mesmo pessoas estranhas, e socorrê - -los na aflição, é o mais doce dos prazeres; e não se pode obtê-lo senão na medida em que se possui alguma coisa como coisa própria".
Abolir a família e a propriedade é, ainda, anular a possibilidade de praticar duas virtudes fundamentais: "primeiro, a contenção relativamente às mulheres, pois é coisa digna de estima e honrosa coibirmo-nos, por um sentimento de virtude, de toda a inclinação pela mulher de outrem; e depois, a liberalidade no emprego dos nossos bens, pois será impossível, na hipótese da abolição da propriedade privada, que se seja generoso e se pratique alguma acção liberal, dado que a liberdade não consiste senão na maneira por que se usa aquilo que se possui (. . .)
Surgem mais frequentemente dissensões entre aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas são distintas e separadas. (As dissensões) procedem da corrupção geral e não da inexistência de comunismo dos bens. ""
Aristóteles, op. cít.

Mostre que concepção social é aqui criticada por Aristóteles.

TEXTO 3
Todo o Estado, ou sociedade política, se compõe de três partes ou classes de cidadãos: os que são muito ricos, os que são muito pobres e, enfim, aqueles que se encontram numa condição média, ou intermediária, entre os dois primeiros (. ..) Os homens (que estão) nessa situação (os da classe média) submetem-se facilmente à razão; pelo contrário, naquele que possui no mais alto grau as vantagens da beleza, da força, do nascimento ou da riqueza, e bem assim naquele que possui em excesso a pobreza, a fraqueza ou a abjecção, tal submissão é muito difícil de obter. Pois os primeiros estão mais sujeitos a tornar-se violentos e arrebatados e a tentar actuações audaciosas contra o Estado; e os segundos são mais inclinados à intriga e à prática de numerosas pequenas desordens. Ora, a violência e a intriga são duas fontes de iniquidades. Pelo contrário os cidadãos de condição média não empregam violências nem intrigas, porque não ambicionam as magistraturas.
Aqueles que gozam de vantagens imensas (. . .) não querem nem sabem obedecer aos magistrados; e este espírito de insubordinação manifesta-se neles desde a infância; pois a moleza em que são educados impede-os de contrair o hábito da obediência, mesmo nas escolas. Ao passo que aqueles que têm uma carência excessiva de todas essas vantagens tornam-se demasiado humildes e rastejantes. De maneira que estes, incapazes de comandar, não sabem senão mostrar uma submissão servil; e aqueles, incapazes de se submeter a qualquer poder legítimo, não sabem senão exercer uma autoridade despótica.
Se numa cidade há gente muito rica e gente muito pobre isso implica que a Cidade não se compõe senão de senhores e de escravos - e não de homens livres; uns, cheios de desprezo pelos seus concidadãos, os outros tomados pelo sentimento da inveja; o que fica muito longe da boa vontade e do carácter de sociabilidade que são apanágio do verdadeiro cidadão. Pois a benevolência é o elemento ou condição da sociabilidade: é assim que nós não apreciamos de todo fazer uma viagem com inimigos nossos. Por isso, é necessário que a república seja composta o mais possível por cidadãos semelhantes e iguais; o que acontece quando todos estão, o mais possível, numa condição média.
Os cidadãos da classe média são também os que se mantêm e conservam melhor: pois não desejam os bens dos outros, como os pobres, nem são eles próprios objecto de inveja ou de ciúme, como os ricos (. ..) não são tentados a prejudicar ninguém, e ninguém procura prejudicá-los a eles. (. . .) É evidente que a sociedade civil mais perfeita é a que existe entre cidadãos que vivem numa condição média; e que não pode haver Estados bem administrados senão aí onde a classe média é numerosa, e mais poderosa do que as outras duas, ou pelo menos mais poderosa do que cada uma das outras; porque ela pode fazer inclinar a balança em favor do partido a que se juntar e, por este meio, pode impedir que uma ou outra (das outras duas) obtenha uma superioridade decisiva.
E pois uma grande sorte que os cidadãos possuam uma fortuna mediana, suficiente para as suas necessidades. Pois, quando uns têm riquezas imensas e os outros não têm nada, daí resulta sempre ou a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou uma tirania insuportável, consequência necessária dos dois excessos opostos.
Aristóteles, op. cit.

Explique as razões que levam Aristóteles a defender que uma sociedade harmoniosa deve possuir uma classe média numerosa.

TEXTO 4

Uma vez que o governo é a autoridade suprema nos Estados, e que necessariamente essa autoridade suprema tem de estar nas mãos de um só, ou de vários, ou da multidão, daí se segue que quando um só, ou vários, ou a multidão, usam a autoridade de acordo com a utilidade comum, esses governos têm necessariamente de ser bons; mas que aqueles que não usam do poder senão no interesse de um só, ou de vários, ou da multidão, são desvios em relação a esses bons governos.
Entre as monarquias, dá-se geralmente o nome de realeza àquela que tem por fim o interesse geral; o governo de um pequeno número de homens, ou de vários, mas não de um só, chama-se aristocracia, (. . .) porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da sociedade; enfim, quando a multidão governa no sentido do interesse geral, dá-se a essa forma do governo o nome de república (. . .) Os governos que constituem desvios ou degenerações daqueles que acabámos de apontar são, em relação à realeza, a tirania; em relação à aristocracia, a oligarquia; e em relação à república, a democracia. Com efeito, a tirania é uma monarquia governada no interesse exclusivo do monarca, a oligarquia é dirigida unicamente no interesse dos ricos, e a democracia somente no interesse dos pobres; nenhum destes governos se ocupa da utilidade ou do benefício da sociedade inteira. O governo perfeito é um misto de democracia - o mais tolerável dos governos viciosos - e de oligarquia.
Nesse regime, de tipo misto, "muitas pessoas não hesitam em falar dele como de uma democracia, porque há na sua constituição muitas coisas populares" (a mesma educação para os filhos dos ricos e dos pobres, o mesmo vestuário acessível a todos, a mesma alimentação, acesso às magistraturas, etc.). E muitas outras pessoas "designam esse governo como oligarquia porque nele se encontram muitas instituições oligárquicas" (designação das magistraturas por eleição e não por sorteio, certas condenações proferidas por um pequeno número de juízes, etc.).
Uma república administrada por homens da classe média aproxima-se mais da democracia do que aquela em que um pequeno número de homens dispõe da autoridade; e é, neste género de governos, aquele que tem mais estabilidade.
Aristóteles, op. cit.

1 - Tendo em conta o texto número 3, explique por que razão o melhor regime não pode ser a democracia.
2 - A "República temperada ou moderada" (misto de oligarquia e democracia) é o governo da classe média. Justifique.

Sem comentários:

Enviar um comentário