quinta-feira, 14 de abril de 2011

O RACIONALISMO DE DESCARTES (IX) - AS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA VERDADE


O RACIONALISMO DE DESCARTES (IX)
AS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA VERDADE

A afirmação da existência do sujeito pensante é o primeiro princípio do sistema do saber. Devemos então caracterizar mais detalhadamente este primeiro princípio. Quais são as características do «Eu penso (duvido) logo existo».

1. É absolutamente evidente ou indubitável porque nunca poderá ser posto em causa. A certeza da existência do sujeito que pensa (neste momento do percurso cartesiano pensar é igual a duvidar) é evidente mesmo quando procuramos duvidar dela.

2.Esta verdade ("o sujeito que pensa existe") corresponde ao grau zero do conhecimento porque só temos a certeza da existência do sujeito que vai conhecer mas ainda não conhecemos qualquer outra realidade que não o sujeito.

3. Este princípio indubitável é racional porque no momento em que o descobrimos nenhuma realidade sensível merece crédito. Podemos dizer que a «raiz da árvore do saber», a «primeira pedra» do edifício científico não é um conhecimento sensível nem um conhecimento matemático mas sim uma realidade metafísica: o sujeito puramente racional. O arquitecto (o sujeito puramente racional) é o alicerce do edifício porque o primeiro conhecimento consiste na afirmação da sua existência.

4. A indubitável existência do sujeito que duvida é uma verdade absolutamente primeira. Com efeito, neste momento duvidamos de tudo menos do sujeito que tudo pôs em dúvida. Portanto, não há qualquer verdade anterior a esta e ela é necessariamente primeira ou primordial para quem pensa por ordem. A realidade do sujeito que se conhece a si próprio é necessariamente anterior à realidade das coisas que poderá vir a conhecer.

5. O «Cogito ergo sum» (traduz-se de dois modos: «penso logo existo» e «o sujeito pensante existe») é uma verdade intuitiva e não o resultado de um silogismo.
Se fosse um silogismo seria uma verdade obtida a partir de um conhecimento anterior mais geral - «tudo o que pensa existe» - o que não é possível porque neste momento o sujeito só tem a certeza da sua existência. Se fosse uma verdade silogística e não uma intuição não seria a primeira verdade, derivaria de uma outra.

6. O «Cogito» (abreviatura de «Eu penso logo existo»! é uma intuição actual ou existencial. O sujeito toma consciência da sua existência no acto de pensar. A existência do sujeito está presente como condição do acto de duvidar (neste momento igual a pensar) e não é deduzida a partir de uma proposição do pensamento tal como «tudo o que pensa existe». É uma verdade existencial e não uma verdade lógica.

7. O «Cogito», o sujeito pensante indubitavelmente existente, é o motor do conhecimento. Dele parte a procura do saber total porque é uma verdade intuitiva, primeira, da qual se vão deduzir, como veremos, novas verdades.
8. Esta verdade, «Eu penso logo existo» vai ser o critério ou o modelo de toda e qualquer verdade ou evidência posterior.
Já sabemos que «Eu penso logo existo» é a primeira verdade para quem pensa por ordem. O sujeito sabe que existe como condição de possibilidade radical do acto de duvidar e isso é verdade porque vê muito clara e distintamente que é impossível falar do acto de duvidar sem supor como sua possibilidade a existência do sujeito que realiza esse acto. O «Cogito» vai funcionar como um modelo de verdade: serão verdadeiros todos os conhecimentos que forem tão claros e distintos como este primeiro conhecimento.
A verdade fundamental (o Cogito) é encontrada antes de qualquer outro tipo de evidência (caso das verdades matemáticas ainda em dúvida e da existência de Deus ainda por demonstrar). Sendo indubitável e a absolutamente primeira, a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência será o modelo ou o critério de toda a verdade.
Contudo, uma coisa é ter estabelecido as condições em que um conhecimento é verdadeiro (e ter dado um fundamento metafísico ao método antes inspirado no rigor das matemáticas) e outra é encontrar ou descobrir outras verdades mesmo que numa primeira reflexão estas só digam respeito ao sujeito e não se refiram a outras realidades.

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