KARL MARX: SOCIALISMO E COMUNISMO
I
"O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa (isto é, do capital, da propriedade privada que explora o trabalho assalariado e que só pode crescer sob a condição de produzir mais e mais trabalho assalariado, para o explorar de novo).
Ora a propriedade privada de hoje, a propriedade burguesa, é a última e a mais perfeita expressão do modo de produção e de apropriação baseado no antagonismo de classes, na exploração de uns por outros. Neste sentido, os comunistas podem resumir a sua teoria nesta fórmula única: abolição da propriedade privada.
Nós não queremos de modo algum abolir aquela apropriação pessoal dos produtos do trabalho indispensável à reprodução da vida no dia seguinte, apropriação essa que não deixa nenhum lucro líquido que possa conferir um poder sobre o trabalho de outrem. O que nós queremos é suprimir o triste modo de apropriação que faz com que o operário não viva senão para fazer crescer o capital (a riqueza do burguês, do patrão explorador) e só vive enquanto o exigem os interesses da classe dominante.
A aplicação prática do direito de liberdade é o direito à propriedade privada. Mas em que consiste este último direito?
"O direito de propriedade é o que pertence a todo o cidadão de desfrutar e de dispor a seu gosto dos seus bens, dos seus lucros, do fruto do seu trabalho e do seu engenho. "
O direito de propriedade privada é, portanto, o direito de gozar da sua fortuna e dela dispor "a seu gosto" sem se preocupar com os outros homens, independentemente da sociedade: é o direito do egoísmo. É esta liberdade individual, com a sua aplicação, que forma a base da sociedade burguesa. Ela faz com que cada homem veja no outro homem não a realização mas antes a limitação da sua liberdade."
Marx, Textos de 1844 e de a A Questão Judaica.
II
a) «Não me é devido qualquer mérito pela descoberta da existência de classes na sociedade moderna ou da luta entre elas. Muito antes de mim tinham já os historiadores burgueses descoberto o desenvolvimento histórico desta luta de classes e os economistas burgueses a anatomia económica das classes. O que fiz de novo foi demonstrar: 1) que a existência de classes está ligada apenas a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes leva, necessariamente, à ditadura do proletariado; 3) que esta ditadura em si mesma apenas constitui a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes.»
Carta de Marx a Weydemeyer, (1852); MESC, pág. 69
b) «Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista existe o período de transformação revolucionária da primeira na segunda. Um período de transição política que lhe corresponde e onde o Estado não poderia ser outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado.»
Marx, Crítica do Programa de Gotha
c) «Na sua luta contra a força colectiva das classes possidentes, o proletariado só pode actuar como classe se se constituir num partido político distinto, oposto a todos os velhos partidos formados pelas classes possuidoras. Esta constituição do proletariado num partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e do seu fim último: a abolição das classes.
A conjugação de forças da classe trabalhadora, alcançada já pela luta económica, deve servir, também, nas mãos desta classe, como uma alavanca na sua luta contra o poder político dos seus exploradores.
Uma vez que os senhores da terra e do capital fazem sempre uso dos seus privilégios políticos a fim de defenderem e perpetuarem os seus monopólios económicas e escravizarem o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado.»
Resolução da Conferência de Londres (1871); MESW, I, pp. 388 e segs.
d) Quando, no curso do desenvolvimento, as distinções de classe tiverem desaparecido, e toda a produção se tiver concentrado nas mãos de uma vasta associação da nação inteira, o poder público perderá o seu carácter político. O poder político, propriamente dito, é apenas o poder organizado de uma classe para a opressão de outras. Se o proletariado, por força das circunstâncias, se vir obrigado a organizar-se em classe, se, por meio de uma revolução, se tornar a classe dominante, e, enquanto tal, arrasar pela força as velhas condições de produção, então terá, juntamente com essas condições, arrasado as condições para a existência de antagonismos de classe e de classes em geral, e terá, com isso, abolido a sua própria supremacia de classe. No lugar da velha sociedade burguesa, com as suas classes e antagonismos de classe, teremos uma associação, na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.
Manifesto do Partido Comunista (1848); MESW, I, pp. 53 e segs.
No estádio da sociedade industrial capitalista, a luta de classes desenvolve-se entre o proletariado e a burguesia. A pertença a uma ou outra das classes é determinada pelo lugar que cada homem ocupa nas relações de produção: o burguês é o proprietário dos meios de produção; o proletário só possui a sua força de trabalho.
Marx analisa a sociedade industrial da Inglaterra do século XIX e conclui que o liberalismo económico é um tremendo fracasso. Nessa sociedade os operários (os proletários) trabalhavam quinze horas por dia recebendo um salário miserável. Crianças de oito anos (e às vezes menos) desciam ao fundo das minas. A mortalidade atingia níveis assustadores. A justificação liberal da propriedade (legitimada porque fruto do trabalho) parecia irrisória num mundo onde o trabalhador assalariado não tinha meios de se tornar proprietário, enquanto os proprietários capitalistas podiam dispensar- se de trabalhar. A liberdade de que fala o liberalismo é puramente abstracta (não concreta ou real): entende-se que o empregado e o patrão discutem livremente o salário; mas o empregado ameaçado pelo desemprego - e que não pode esperar porque não tem meios - é, de facto, constrangido a aceitar o salário proposto. A sua liberdade abstracta nada mais é do que uma servidão real. O direito de propriedade (a propriedade privada dos meios de produção) está na origem da exploração do homem pelo homem.
O produto do trabalho surge perante o trabalhador como algo estranho e independente porque este é imediatamente desapossado daquele. Mas não é só o facto de o homem não produzir para si mas para um outro que faz com que o produto do seu trabalho se lhe oponha como realidade estranha. A alienação consiste sobretudo na transformação do produto estranho em produto hostil e repressivo. Apropriando-se do produto do trabalho alheio e transformando-o em capital, o proprietário dos meios de produção utiliza parte desse capital (uma pequena parte) para comprar e explorar a força de trabalho do operário. Afastado dos meios de produção e do capital que o seu trabalho gera, o trabalhador tem de aceitar, para sobreviver, as condições de exploração que lhe são impostas.
O que caracteriza a exploração capitalista do operário? O capitalista compra a força de
trabalho, determinando, por exemplo, que, para sustentar e manter activa essa força (para a reproduzir) bastam seis horas de trabalho. Ora, o operário trabalha mais do que seis horas diárias (8, 10 ou mais). O 'valor gerado pela força de trabalho assalariado durante essas horas e que não é pago é por Marx denominado «mais-valia» e é a base do lucro do capitalista.
A revolução proletária não pode, para Marx e Engels, ser uma questão de boa vontade. Há que ter em conta as circunstâncias objectivas, o movimento da realidade. Assim, a revolução proletária só pode ter lugar num período de crise económica da sociedade capitalista, isto é, aquando de uma contradição aguda entre as forças produtivas e as relações de produção. Só nessas circunstâncias de crise da sociedade burguesa é que o proletariado se pode afirmar como classe revolucionária. Mas as circunstâncias não bastam. O proletariado deve lutar organizadamente.
Só um partido político pode organizar o proletariado, ser o intérprete esclarecido das suas aspirações e interesses. Pode-se mesmo dizer que o partido formado pelos comunistas, não só organiza a luta da classe operária (o proletariado) como também dá a esta consciência de classe, i. e., «consciência de si contra a alienação». Como diz Marx no segundo capítulo do Manifesto do Partido Comunista, os comunistas «têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma inteligência clara das condições da marcha e dos fins gerais do movimento proletário».
A revolução, uma vez criadas as suas condições objectivas, instaurará, durante um período transitório, a ditadura da classe operária, i.e., um Estado proletário cuja finalidade é pôr fim definitivo ao domínio da burguesia. A classe operária exerce a sua ditadura sobre as antigas classes exploradoras (os capitalistas, os grandes latifundiários) mediante o domínio do poder político, do aparelho de Estado, em aliança com os camponeses e outras classes assalariadas. Esta ditadura revolucionária será necessária enquanto a burguesia constituir uma ameaça, uma resistência aos objectivos da revolução: a instauração de uma sociedade comunista, sem classes. A este período transitório e ditatorial dá-se, em sentido estrito, o nome de socialismo. Nesta fase a distribuição dos bens materiais e culturais dá-se de acordo com a quantidade e qualidade do trabalho de cada um. «A cada um segundo as suas capacidades.» Enquanto fase prévia à instauração do comunismo, o socialismo pretende combater a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, eliminar a discriminação da mulher, educar o povo na base de princípios de cooperação e de solidariedade que vençam as motivações egoístas e as tendências à acumulação privada.
O socialismo é assim a fase preparatória de uma fase de organização social mais desenvolvida e que constitui o objectivo final da revolução proletária: a sociedade comunista. Caracteriza-a a inexistência de classes. Acabado o antagonismo de classes, o Estado, que é, por definição, um poder organizado para a opressão de uma classe por outra, definha e perece. O poder público perde o seu carácter político, i. e., deixa de ser um instrumento de opressão e de repressão para se transformar em «associação livre»: o Estado enquanto tal desaparece. A educação na fase socialista da revolução tinha como objectivo eliminar o egoísmo e a rivalidade como forças motrizes da acção económica, do trabalho. Conseguido isso, a distribuição da riqueza poderá efectuar-se segundo o princípio: «De cada um segundo as suas capacidades; a cada um segundo as suas necessidades.»
Gostaria de saber em que obra Marx afirmava que o Socialismo só era possível alcançar pela primeira vez num país desenvolvido.
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