ACTIVIDADES SOBRE MAQUIAVEL
TEXTO
OS DEVERES DO PRÍNCIPE
Falta ainda considerar como deve o príncipe comportar-se a respeito dos seus súbditos e dos seus amigos. Como sei que muitos já escreveram sobre este assunto, temo que, escrevendo agora eu sobre ele [sobre a forma de exercer e de manter o poder político}, seja considerado um presunçoso, afastando-me, como me afasto, das opiniões das outras pessoas. Mas, sendo minha intenção escrever coisas úteis para quem me ler, pareceu-me mais conveniente expor a verdade efectiva das coisas [políticas] e não o que se imagina sobre elas. Muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos ou que nunca existiram na realidade, pois é tão diferente a forma como vivemos da forma como deveríamos viver, que quem substitui aquilo que tem de ser feito por aquilo que devia ser feito, aprenderá mais rapidamente a promover a sua própria ruína do que a sua preservação. Um homem que deseje fazer profissão de bondade em todas as coisas necessariamente ficará derrotado entre tantos que não são bons. Daí que seja necessário para um príncipe que deseje manter-se a si próprio aprender a não ser bom, e a usar ou não usar este conhecimento de acordo com as necessidades de cada caso (. ..) Nas acções dos homens, e sobretudo nas dos príncipes - onde não há tribunal para quem reclamar - r apenas se olha ao fim. Faça então o príncipe por vencer e manter o Estado, os meios serão sempre julgados honrosos, e louvados por todos. (. ..)
Algumas coisas que parecem virtudes levariam, se seguidas, à sua própria ruína, e outras, que parecem vícios, resultarão na sua maior segurança e bem- -estar. (. . .) Há dois métodos de lutar, um pelo direito, outro pela força: o primeiro método é o dos homens, o segundo é o dos animais; mas como o primeiro é muitas vezes insuficiente, torna-se necessário recorrer ao segundo. É pois indispensável para um príncipe que ele saiba bem usar tanto o método dos animais como o dos homens
(. . .). Um príncipe é, pois, obrigado a saber bem como deve actuar como animal e, aí, deve imitar a raposa e o leão, pois o leão não sabe defender-se das ratoeiras, e a raposa não sabe defender-se dos lobos. O príncipe deve, pois, ser como a raposa para reconhecer as ratoeiras, e como o leão para atemorizar os lobos. Se todos os homens fossem bons, este não seria um bom preceito; mas como eles são maus, e não usam de boa-fé para contigo, assim tu não estás obrigado a usar de boa-fé para com eles.
E bom parecer misericordioso, fiel, humano, sincero, religioso, e também é bom sê-lo; mas tu deves ter uma tal disposição de espírito que quando for necessário ser de outra maneira te sintas perfeitamente capaz de mudar para as qualidades opostas. É preciso que se entenda que um príncipe, e especialmente um novo príncipe, não pode respeitar todas aquelas coisas que são consideradas boas nos homens, uma vez que é muitas vezes obrigado, em ordem a manter o Estado, a agir contra a boa-fé, contra a caridade, contra a humanidade e contra a religião. Assim, o príncipe deve ter o seu espírito disposto a adaptar-se de acordo com o vento, e de harmonia com o que as variações da sorte ditarem, e, como eu disse antes, não se desviar daquilo que é bom, se possível, mas ser capaz de fazer o mal, se necessário.
Maquiavel, O Príncipe (Capítulos XV e XVIII). Amoldo Mondadori Editore, Milão, 1986
ACTIVIDADES
1 - Maquiavel separou deliberadamente o exercício do poder político da moral cristã. Esta impunha ao príncipe, ao detentor do poder político, virtudes morais (a misericórdia, o amor pelos súbditos, a manutenção da palavra dada, etc.).
A partir do texto mostre por que razão, para Maquiavel, o exercício do poder político não pode subordinar-se a valores morais estabelecidos a priori.
2 - Das seguintes afirmações destaque, justificando, aquela que exprime o pensamento político de Maquiavel:
a) Em vez de descrever como os homens se comportam no plano político descreve como eles se devem comportar.
b) Há valores espirituais superiores aos valores políticos pois o bem comum da cidade deve subordinar-se ao bem supremo da salvação da alma.
c) Em política não podemos admitir o idealismo das «belas almas» que querem que a acção política (a conduta de quem governa) concorde sempre com a moral: a acção política tem de ser acima de tudo boa em termos políticos, isto é, útil para aquele que governa e para a comunidade.
3.O objectivo que Maquiavel se propõe, a saber a elevação da Itália à condição de Estado, é desconhecido por todas as pessoas cegas que não vêem na obra deste autor senão uma justificação da tirania e um espelho dourado para um déspota ambicioso.
Mas, mesmo quando essa finalidade é reconhecida, passa-se a dizer que são os meios que são detestáveis e aí surge a moral a debitar as suas banalidades, tais como "o fim não justifica os meios", etc. Ora aqui a escolha dos meios não pode estar em causa: não se tratam membros atingidos pela gangrena com água - de - colónia; um estado (uma situação política) em que o veneno e o assassinato se tornaram armas correntes exige remédios enérgicos; depois de um tempo de corrupção, a vida só pode ser reorganizada pela força e pelo constrangimento.
A Itália atingira o cúmulo do infortúnio; corria rapidamente para a sua perda; a guerra instalava aí os seus campos de batalha, os príncipes estrangeiros faziam a lei sobre o território italiano. Este era o pretexto para guerras e ao mesmo tempo o seu preço; a Itália confiava a sua defesa ao assassinato, ao veneno, à traição ou à ambição de uma ralé estrangeira (. . .) A Itália era pilhada por alemães, espanhóis, franceses e suíços; e eram os Gabinetes destes países estrangeiros que fixavam o destino desta nação. É então que, profundamente comovido por esta situação de desalento geral, perante o ódio, a desordem e a cegueira, um homem político italiano concebe, na calma e na reflexão, a ideia de que a salvação da Itália passava necessariamente pela sua unificação num só Estado. Com um extremo rigor, indicou a via que esta salvação impunha e que a corrupção e as paixões cegas do seu tempo tornavam necessária; exortou o seu príncipe a assumir o papel sublime de salvador da Itália, assim como a honra de pôr fim às desgraças do seu país.
Hegel, A Constituição da Alemanha, Editions Champ Libre, pp. 133-134
A partir deste texto, evidencie o «realismo político» que Hegel reconhece em Maquiavel.
4.Se o indivíduo, na sua existência privada, tem o direito de sacrificar o seu bem pessoal imediato e até a sua própria vida a um valor moral superior, ditado pela sua consciência, pois, em tal hipótese, apenas empenhará o seu destino pessoal, particular, o mesmo não acontece com o homem de Estado, sobre o qual pesam a pressão e a responsabilidade dos interesses colectivos. Este de facto, não terá o direito de tomar uma decisão que envolva o bem-estar ou a segurança da comunidade, levando em conta tão-somente as exigências da moral privada: casos haverá em que terá o dever de violá-Ia para defender as instituições que representa ou garantir a própria sobrevivência da nação.
Escorel, Introdução ao Pensamento Político de Maquiavel
1- Acusou-se a filosofia política de Maquiavel de ser imoral (maquiavélico» tornou-se sinónimo de imoral, na linguagem corrente), de afirmar que «os fins justificam os meios», convidando assim ao comportamento sistematicamente imoral do governante.
Baseado no texto e sabendo que Maquiavel distingue entre o bom governante, que é forçado pela necessidade a utilizar a violência em vista do bem colectivo, e o tirano que age por capricho ou ambição exclusivamente pessoal, justifique se devemos considerar a filosofia política de Maquiavel como imoral ou como amoral.
2 - A teoria de Maquiavel suscitou as mais violentas críticas. Destaquemos algumas delas:
a) Os governantes não podem estar acima da moral comum.
b) O exercício do poder não pode determinar-se simplesmente pelo critério do sucesso político, i, e., da manutenção e fortalecimento do Estado: a política não está imune a juízos de ordem moral, a conduta privada não está separada da condução dos negócios públicos.
c) Acima dos valores pura e simplesmente políticos (conservação, aumento do poder do Estado quer no plano interno quer no plano externo) estão valores humanos, i. e., estão os direitos da pessoa humana.
c) Separar a política da moral leva à prática do crime para preservar ou aumentar o poder, para conduzir a bom termo os negócios políticos e tudo isto de consciência tranquila, convencida de, em termos políticos, estar a fazer o que deve ser feito.
Elabore uma reflexão pessoal e crítica sobre a relação entre política e moral.
Sem comentários:
Enviar um comentário