O RACIONALISMO CARTESIANO (II)
DESCARTES E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DO SÉCULO XVII
Kepler e Galileu estavam fortemente convencidos (uma convicção de ordem metafísica) de que a estrutura do mundo era estrutura de tipo essencialmente matemático e, portanto, que o pensamento matemático estava em condições de penetrar na harmonia do universo. Pois bem, «o ponto de vista assumido por Descartes não pode ser mais bem descrito do que dizendo-se que, levando essa concepção ao extremo, ele identificou virtualmente a matemática com a ciência da natureza. A ciência da natureza tem carácter matemático não apenas no sentido mais amplo de que a matemática vem em sua ajuda, qualquer que seja a sua função, mas também no sentido muito mais restrito de que a mente humana produz o conhecimento da natureza com suas próprias forças, do mesmo modo como produz a matemática» (E. J. Dijksterhuis).
E método. física e metafísica estão estreitamente entrelaçados e solidamente interfuncionais no projecto filosófico de Descartes. Com efeito, ele estava persuadido, como escreve nos Princípios de filosofia, de que todo o saber, isto é, «toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos que procedem do tronco são todas as outras ciências». Foi W. Whewell quem disse, com muita acuidade, que «os descobridores físicos não se diferenciaram dos especuladores estéreis por não terem nenhuma metafísica em seus testes, mas sim pelo facto de que tinham uma boa metafísica, ao passo que seus adversários tinham uma metafísica má - e também porque ligaram a sua metafísica à sua física, ao invés de mantê-las separadas uma da outra».
Assim, a metafísica de Descartes, como observa Joseph Agassi, é precisamente uma boa metafísica porque, por um lado, conseguiu interpretar os resultados mais significativos da ciência da época e, por outro lado, dizendo de que o mundo é feito e como ele é feito, constituiu o «paradigma» ou, se assim se preferir, o «programa de pesquisa» que influenciou a ciência posterior. Contudo deve dizer-se a revolução científica tornou de certo modo nítida a separação entre fé e razão, entre metafísica e ciência. Contrariamente aos seus contemporâneos Descartes vai fazer da primeira (a metafísica) o fundamento da segunda. Uma concessão à tradição filosófica numa época em que a ciência (sobretudo a física) se emancipa da Filosofia (Metafísica). Apesar disso,, o mecanicismo cartesiano revelou-se uma metafísica influente e fecunda, não só para as pesquisas físicas, mas também para as pesquisas biológicas e fisiológicas, já que o corpo humano é uma máquina e o animal nada mais do que um autómato.
A metafísica, portanto, diz-nos de que é feito e como é feito o mundo. Consequentemente, como afirma Descartes nas Regulae ad directionem ingenii, a ciência deve-se ocupar «apenas daqueles objectos dos quais o nosso espírito parece ser capaz de adquirir uma cognição certa e indubitável». É a metafísica que «prescreve» ao cientista o que ele deve buscar, que problemas são ou não relevantes e a que tipo de leis ele deve chegar. Para tal objectivo, é necessário um método, como escreve Descartes: «O método é necessário para buscar a verdade».
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