KARL MARX: O MATERIALISMO HISTÓRICO
«Na produção social da sua vida, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade: relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, a que correspondem determinadas formas sociais de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo (movimento) da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser. Pelo contrário: é o seu ser social que lhes determina a consciência."
«Os homens são os produtores das suas representações, ideias, etc., mas os homens reais, os homens que realizam, tal como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do intercâmbio que a estas corresponde até às suas formações mais avançadas (. ..) A moral, a religião, a metafísica e a restante ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem, não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento."
Para a compreensão deste texto podem ser suficientes as seguintes precisões:
1 - A estrutura económica constitui a base real da sociedade.
2 - Tal estrutura é constituída pelas relações de produção que são as relações que se estabelecem entre os homens de acordo com a sua situação a respeito das forças de produção. Juridicamente, a sua expressão é as relações de propriedade. No sistema capitalista a burguesia possui os meios de produção e o trabalhador só possui a sua força de trabalho.
As relações de produção determinam o surgimento e o estatuto das classes sociais: a classe proprietária dos meios de produção é a classe socialmente dominante.
3 - O conceito de forças produtivas compreende o trabalho (ou "força de trabalho") e os meios de produção. As forças produtivas movem-se dentro do marco formado pelas relações de produção.
4 - A estrutura económica determina ou condiciona uma superstrutura constituída pelas formas de consciência que não são senão o conjunto de representações ideológicas (ideias - morais, religiosas, filosóficas, jurídicas - imagens, símbolos, mitos ) e valores da sociedade num dado momento. A ideologia dominante em cada momento corresponde à ideologia da classe também dominante. Como tal tende a justificar a estrutura económica vigente.
5 - O conflito verifica-se quando o desenvolvimento das forças produtivas não encontra correspondência adequada - mas simplesmente entraves - nas relações de produção. Deste modo criam-se as condições de uma fase de revolução social que transforma também a superstrutura ideológica. Marx pensava que o desenvolvimento do sistema capitalista de produção conduziria, devido a uma dialéctica interna, à superação da sociedade burguesa, mediante a abolição da propriedade privada. Marx apoia-se na categoria hegeliana de contradição, embora entenda que em Hegel a dialéctica era uma justificação da realidade e não um instrumento revolucionário, de transformação do mundo concreto.
6 - Duas contradições fundamentais afectam, segundo Marx, as infra-estruturas da sociedade capitalista:
a) O modo de produção é colectivo - milhares de trabalhadores em grandes empresas ou unidades de produção - e os meios de produção são privados -posse de uma minoria burguesa que depende do trabalho de um grande número de assalariados (os proletários), explorados para que o proprietário dos meios produtivos obtenha lucro.
A consciência desta contradição acentua de forma intensa a luta de classes, a luta de muitos que não têm nada (a não ser a sua força de trabalho) contra poucos que têm tudo (os produtos da força de trabalho dos explorados e a propriedade dos meios de produção que o proletário é obrigado a utilizar para sobreviver miseravelmente).
b) Uma outra contradição agudiza a luta de classes, ou seja, contribui para engrossar as fileiras do proletariado, reduzindo o número dos proprietários privados dos meios de produção. A constante obsessão do lucro conduz o capitalista (o proprietário dos meios de produção) a querer lucros cada vez maiores. O recurso a meios tecnológicos (maquinaria) mais desenvolvidos é uma forma de aumentar os lucros porque permite produzir mais. Contudo, só os grandes capitalistas podem adquirir esses poderosos meios de produção. Como é evidente, há capitalistas que não resistem à concorrência. Os pequenos capitalistas, donos de pequenas empresas, sucumbem. Os capitalistas que se agrupam formando grandes empresas, muito organizadas e agressivas, impõem - se levando à ruína os concorrentes mais fracos, menos equipados e organizados.
Esta acumulação de riqueza nas mãos de poucos leva ao aumento do número de miseráveis, i. e., à "acumulação da miséria", porque o objectivo da concorrência é negar a concorrência.
Segundo Marx, os capitalistas arruinados irão engrossar as fileiras do proletariado, ao mesmo tempo que a crescente utilização de máquinas aumenta o número de desempregados, favorecendo assim uma exploração ainda mais impiedosa dos trabalhadores assalariados por parte dos grandes empresários capitalistas (o nível dos salários baixará ainda mais).
Este grande número de "deserdados" e de explorados serão os coveiros do sistema capitalista, da burguesia. A miséria extrema a que o sistema capitalista (baseado no aumento dos lucros) conduziu grande parte da sociedade é a condição necessária e indispensável para que surja a revolução proletária, para que o grande exército dos explorados e famintos se revolte e destrua as relações capitalistas de produção. Atingindo a sua forma máxima de desenvolvimento - a grande concentração e acumulação de capital nas mãos de muito poucos -, o regime capitalista será um fruto maduro pronto a cair da árvore. Criou as condições da sua negação e ultrapassagem. É esta a dialéctica do sistema capitalista.
O sucesso da revolução proletária irá conduzir, segundo as previsões de Marx, a uma sociedade sem classes (comunista) em que os resultados da produção colectiva serão distribuídos de acordo com as necessidades de cada um.
7 - - Em suma, a História não é conduzida, segundo Marx, pela "astúcia da Razão" (Hegel): é orientada (não unicamente mas fundamentalmente) pelo desenvolvimento das forças de produção, a principal das quais é o trabalho humano. É este o actor principal da História. O preço do desenvolvimento histórico são as contradições e as lutas. A insistência - por vezes quase obsessiva - nos condicionalismos socioeconómicos da História é um legado fundamental de Marx e Engels. Vemos isso pela importância que no nosso tempo se deu ao discurso económico, seja ele marxista ou não. Não são as puras e simples ideias nem as grandes personagens que a dirigem. Como diz Marx, a odisseia humana não é uma simples história de cavaleiros, bandidos e espectros.
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